Descrição de chapéu Financial Times América Latina

Peru aposta em megaporto de US$ 3,6 bi para atrair agronegócio do Brasil

Projeto oferece novo modelo de infraestrutura, mas aumenta preocupação sobre influência da China no país

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Joe Daniels
Chancay (Peru) | Financial Times

A cidade de Chancay era conhecida por ser uma pacata cidade de pescadores a 80 km ao norte de Lima e um refúgio de fim de semana para os moradores da capital. Mas, hoje, a região próxima ao mar tornou-se um enorme canteiro de obras, com guindastes movendo pilares enquanto caminhões basculantes rodam o tempo todo.

O município está prestes a se tornar sede de um dos maiores portos de águas profundas na América Latina. A construção e operação serão realizadas totalmente por empresas privadas —o que as autoridades locais avaliam que pode ser um modelo para outras obras de infraestrutura no Peru.

O projeto é tão grande que tem o potencial de alterar o tráfego marítimo ao longo da costa do Pacífico da América do Sul, deslocando-o do Chile, Equador e Colômbia. Em sua fase inicial, o porto deverá movimentar 1 milhão de contêineres e 6 milhões de toneladas de carga por ano.

Visão aérea do local onde está sendo construído o megaporto de Chancay, no Peru
Visão aérea do local onde está sendo construído o megaporto de Chancay, no Peru - Ernesto Benavides - 22.ago.2023 / AFP

A Cosco Shipping, uma empresa estatal chinesa de transporte marítimo e logística, possui 60% do porto, enquanto o restante está nas mãos da Volcan, uma empresa de mineração peruana. Do custo total de construção de US$ 3,6 bilhões (R$ 18 bilhões), US$ 1,3 bilhão (R$ 6,5 bilhões) já foi investido na fase inicial, de acordo com a Cosco.

"A intenção do porto é atrair os países sul-americanos para o Peru como um ponto focal [para o comércio com a Ásia], aproveitando nossa localização estratégica", diz Gonzálo Ríos Polastri, vice-gerente geral da Cosco Shipping Ports Chancay Peru e ex-almirante. "Será um motor de desenvolvimento em várias indústrias."

O porto ocupará um terreno de 280 hectares. Somente os quebra-mares utilizaram concreto suficiente para construir 20 prédios de 10 andares e protegerão 1,5 km de espaço de doca, capaz de atracar alguns dos maiores navios de carga do mundo.

Um túnel de 1,8 km que foi escavado sob Chancay —em alguns pontos com 900 m de profundidade— conectará o cais a um centro logístico e à rodovia pan-americana sem interromper o tráfego na cidade.

A carga poderá chegar à China a partir do Peru em 10 dias, em vez de 45 como é atualmente. E o Brasil também deve se beneficiar do porto, que proporcionará acesso mais rápido aos mercados asiáticos para as exportações do país. Brasil e Peru estão conectados pela Rodovia Interoceânica Sul, que passa pelos polos agrícolas brasileiros de Acre e Rondônia.

"Há uma parte inteira do Brasil que olha muito mais para o Pacífico do que para o Atlântico", afirma Ríos Polastri. "Chancay tem muitas vantagens dentro do Peru, e uma delas é ser o porto mais próximo do Brasil. Isso é mais um incentivo para o comércio."

A inauguração do megaporto está planejada para o final do próximo ano, quando o presidente da China, Xi Jinping, participará da cúpula da Apec (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico), que será realizada no Peru. A Cosco informa que o porto ainda pode aumentar. "O plano é ter 15 cais, embora não haja uma previsão de tempo, pois precisamos ver como o porto opera nos primeiros anos", avalia Ríos Polastri.

Mas, apesar das vantagens comerciais que autoridades dizem que o porto trará para o Peru, alguns observadores —incluindo autoridades dos EUA— expressaram preocupação de que possa aumentar a influência chinesa na infraestrutura do país.

Projeto do porto de Chancay, no Peru
Projeto do porto de Chancay, no Peru - Divulgação

Mario de las Casas, gerente de assuntos públicos da Cosco Shipping Ports Chancay Peru, afirma que a lei local proíbe o uso do porto para fins militares sem aprovação prévia do poder Executivo ou do Congresso. "Sem essa pré-aprovação, qualquer entrada desse tipo seria equivalente a uma invasão, independentemente de quem é proprietário do terminal", diz.

Alguns moradores também criticaram a interrupção causada pela construção, embora o prefeito da cidade tenha sido eleito em janeiro sendo abertamente favorável ao projeto. "Acho que isso é um bom termômetro de onde a população local está em termos de aceitação do porto", aposta Ríos Polastri.

O governo peruano diz que o porto impulsionará a economia local, e os investidores locais estão esperançosos. Ao longo da estrada para Chancay, outdoors anunciam empreendimentos imobiliários ainda não construídos à venda.

"Na área, existem seis fábricas de farinha de peixe e uma frota de cerca de 70 embarcações pesqueiras industriais que são a maior fonte de trabalho em Chancay", diz Raúl Pérez-Reyes, ministro dos transportes do Peru. "O projeto permite a possibilidade de embarque direto para o exterior."

Entrada de túnel construído para o transporte no megaporto de Chancay, no Peru
Entrada de túnel construído para o transporte no megaporto de Chancay, no Peru - Ernesto Benavides - 22.ago.2023 / AFP

Pérez-Reyes acrescenta que, embora o porto seja operado por empresas privadas, o governo monitorará o cumprimento das regulamentações de segurança e meio ambiente. Polícia e escritórios de alfândega serão construídos no local.

"O governo considera o desenvolvimento dos portos em nível nacional de maneira abrangente, com esforço para fornecer acesso rodoviário ou ferroviário, bem como infraestrutura logística", afirma o ministro. "Esse tipo de investimento permite que os portos operem de forma mais eficiente."

O Congresso está estudando um projeto de lei que permitiria a cabotagem —para que a carga se mova entre os portos peruanos antes de chegar à terra— para reduzir o tráfego ao redor do porto.

Ríos Polastri diz que o projeto em Chancay poderia abrir caminho para outros de infraestrutura privada semelhantes no Peru, facilitando o progresso ao contornar a tensão entre os setores público e privado. A constituição descentralizada do país exige que os projetos de infraestrutura provincial sejam contratados e administrados pelo governo local.

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