Vidro de azeite encolhe e cardápio muda em restaurantes para contornar preço do ingrediente

Seca reduz produção e inflação do produto dispara 30% em um ano no Brasil, com previsão de escalada em 2024

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São Paulo

A menor oferta de azeite de oliva no mercado mundial aumentou em 30% o preço do produto no Brasil nos últimos 12 meses. Sem perspectivas de melhora no cenário para o próximo ano, restaurantes e grandes marcas negociam com fornecedores e adequam suas ofertas para não perder espaço entre os consumidores.

Com cardápio voltado exclusivamente à culinária portuguesa, o Ora Pois!, na Serra da Cantareira (SP), já reduziu sua margem de lucro no início deste ano para enfrentar a inflação do azeite sem queixas da clientela e, agora, aposta na criatividade de novos pratos.

Chef Welyne Oliveira prepara prato de Bacalhau a Espanhola, regado no azeite, na cozinha do restaurante Ora Pois, na serra da Cantareira - Eduardo Knapp/Folhapress

O bacalhau regado por mais de meio litro de azeite de oliva extra virgem português vai dividir espaço com peixes preparados sem ou com pouco óleo. "Nosso importador avisou que a próxima compra terá aumento de 50%. E que ainda corremos o risco de não ter o produto no final do ano. Está impraticável", afirma a chef Welyne Oliveira, responsável pelo Ora Pois!.

Para Leonardo Almeida Duarte, proprietário do Restaurante do Porto, em Minas Gerais, os clientes vão sentir o reajuste nas festa de final de ano. "Infelizmente, quem vai pagar o custo da alta, que para nós já chegou a 40%, será o cliente. Em setembro, os restaurantes já trabalharam no prejuízo", conta o chef conselheiro da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes).

A crise é resultado das mudanças climáticas e seus efeitos diretos sobre a produção das olivas no mediterrâneo. O calor extremo que afeta o Brasil nas últimas semanas provocou uma forte seca na Europa, inviabilizando a colheita 2022/2023.

As oliveiras exigem calor e tempo seco para crescer, mas em altas temperaturas, deixam de produzir frutos. Para cada litro de azeite de oliva extraído são necessários, pelo menos, 5 kg de azeitona. Em algumas variedades, até 25 kg de azeitonas.

Espanha e Itália, principais países produtores, tiveram impacto severo: queda de 56% e de 27% na produção, respectivamente. Ao lado de Grécia e Portugal, os países produzem cerca de 70% de todo o azeite do mundo, segundo dados do IOC (Conselho Oleícola Internacional), organização que reúne os países produtores de azeitona e azeite de oliva.

A nova safra acabou de começar, mas os sinais não são bons. Segundo Leonardo Johnson Scandola, diretor comercial da Filippo Berio na América do Sul e vice-presidente da Oliva (Associação Brasileira de Produtores, Importadores e Comerciantes de Azeite de Oliveira), as projeções são de uma produção similar a de 2022, registrada como a pior da história. "Significaria uma queda de mais de 30%, comparado com a produção média que estávamos acostumados, e que resultou na inflação que estamos vivendo", afirma.

Uma saída para o setor seria importar de Turquia, outro importante produtor. No entanto, para controlar a alta de preços no mercado interno em meio à escassez global, o país proíbe a exportação desde agosto.

Scandola diz que os últimos meses foram os mais delicados da categoria, com a maioria dos países produtores, pela primeira vez, chegando a esgotar quase completamente os próprios estoques. Até o momento, não faltou azeite de oliva para o mercado brasileiro, afirma a Abrasel. Mas com baixo estoque, o aquecimento global, os preços altos podem virar o "novo normal".

Mais de 99% do azeite consumido no Brasil é importado, atrelando o preço ainda ao dólar. Embora a produção nacional esteja em crescimento, de acordo com dados do Ibraoliva (Instituto Brasileiro de Olivicultura), ainda não alcança 1% do consumo brasileiro de azeite. O Rio Grande do Sul é responsável pela maior parte do plantio de oliveiras no país, ocupando 6,5 mil dos 8 mil hectares. Há produção ainda em Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo, na região da Serra da Mantiqueira, mas o abastecimento é lento.

Em média, uma colheita significativa leva de cinco a seis anos. Para o produtor, que precisa investir inicialmente de R$ 20 mil e R$ 25 mil por hectare, o instituto estima que o retorno financeiro ocorra após dez anos de plantação. A qualidade, porém, tem sido reconhecida por prêmios internacionais.

O Brasil é segundo mercado consumidor de azeite do mundo, com demanda anual de 100 milhões de litros. Mesmo com o preço do produto em alta, as vendas nos nove primeiros meses de 2023, caíram apenas 1% em comparação com o mesmo período do ano anterior, indica uma pesquisa da NielsenIQ.

"Aumentou o preço, mas o brasileiro não para de comprar. Não temos o hábito de mudar o estilo de nos alimentar. A gente acaba sofrendo, mas consome", diz o chef Sylvio Trujillo, conselheiro da Abrasel e proprietário do restaurante Bacuri, em Mato Grosso do Sul.

Enquanto a inflação no Brasil desacelera, a do azeite de oliva subiu quase sete vezes de janeiro a outubro deste ano. Só no mês passado, o produto ficou, em média, 5,32% mais caro, de acordo com o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).

O economista-chefe da Apas, Felipe Queiroz explica que o consumidor de renda alta mantém o produto importado em seu carrinho de compras, e o de classe média, troca o tipo do azeite —como de extra virgem por virgem, a marca ou a nacionalidade, sem abrir mão da compra. "As famílias de menor renda são as menos impactadas porque, de modo geral, a cesta de alimentos têm apresentado uma queda substancial, mas muitos podem deixar de consumir e optar pelo óleo de soja, que já caiu 30% no período".

"Estamos monitorando, mas não vislumbramos uma queda no preço do azeite num curto espaço de tempo, porque as mudanças climáticas vieram para ficar. O que o setor supermercadista tem feito é ofertar as melhores alternativas para o consumidor tomar a melhor decisão na hora da compra, com novas marcas, e negociando promoções", afirma.

A Gallo Brasil, que fabrica e envasa todos seus azeites em Portugal, além de fechar parcerias com os varejistas, investe em diferentes tamanhos de embalagem. O objetivo é atrair diversos perfis de consumidores e de renda e evitar a popularização de óleos vendidos como azeite de oliva, mas que são compostos de óleos vegetais.

"Fizemos um grande esforço para retardar ao máximo o aumento do preço dos nossos produtos. Porém, por conta do custo elevado de nossa matéria-prima, causado por uma longa crise climática mundial, o reajuste foi inevitável", diz Pedro Gonçalves, diretor de marketing Gallo Brasil.

A gigante italiana Filippo Berio quadruplicou sua participação no mercado brasileiro desde que chegou, em 2020, e tem como estratégia apostar na linha de azeites extra virgens. Não é apenas uma questão de sabor, afirma Scandola.

"O azeite extra virgem é um produto natural, obtido por extração mecânica, enquanto normalmente os óleos de sementes como girassol ou soja são extraídos de solventes químicos que causam a perda de muitas das propriedades desses óleos e não podendo assim ser comparado ao azeite de oliva", diz.

Notícias sobre apreensões e suspensões das vendas de azeites adulterados ou falsificados são recorrentes desde a década passada. A fraude mais comum na fabricação do azeite é a mistura de óleo de soja com corantes e aromatizantes artificiais que simulam o produto original, segundo o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento).

Para evitar levar gato por lebre, a associação Oliva, que reúne as principais indústrias do mercado, recomenda que o consumidor fique atento aos rótulos dos produtos e sempre verifique a proveniência e o perfil da marca.

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