Governo prepara MP com aumento de ao menos R$ 6 bi por ano para conta de luz

Com apoio da Casa Civil, demandas políticas e empresariais seriam atendidas, mas com custos para consumidor

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Brasília

O setor de energia se mobilizou nesta terça-feira (21) para se posicionar contra uma MP (medida provisória) que prorrogaria subsídios e criaria custos adicionais para conta de luz, elevando ainda mais essa despesa para famílias e empresas.

Fontes que acompanham a redação do texto afirmam que os itens que serão incluídos ainda estão em discussão, mas o que foi vazado causou impacto no setor.

O que se conta é que a Casa Civil trata da redação, mas, como um texto do gênero demanda apoio do MME (Ministério de Minas e Energia), a pasta também passou a discutir o conteúdo.

Linhas de transmissão em campo de grama
Linhas de transmissão de energia; MP vai prorrogar desconto no fio - 29.03.23 - Paulo Whitaker/Reuters

Procurada pela Folha, a Casa Civil diz não ser autora da proposta. "A proposta, como qualquer outra, nasce no órgão setorial e a Casa Civil a examina do ponto de vista de mérito e jurídico. Quando chegar, será submetida a análise", afirma a pasta. O MME não respondeu até a publicação deste texto.

A Frente Nacional dos Consumidores de Energia, a Abrace Energia e a União pela Energia, entidades que representam pequenos e grandes consumidores, incluindo as maiores indústrias do Brasil, enviaram cartas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ao vice-presidente Geraldo Alckmin solicitando que não assinem a MP.

"Nós confiamos que todas as medidas seriam discutidas com transparência com o setor, e estamos surpresos com o procedimento adotado. Nossa carta é para pedir ao presidente Lula que escute quem paga essa conta", diz Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente.

"Ainda não sabemos se e como a MP vai sair, mas a prorrogação de subsídios vai na contramão do interesse do consumidor e da modernização do setor elétrico", afirmou Paulo Pedrosa, presidente da Abrace.

A Anace (Associação Nacional dos Consumidores de Energia) divulgou nota afirmando que recebeu com "assombro" a possibilidade de prorrogação de subsídios. O Fase (Fórum das Associações do Setor Elétrico), que reúne 32 associações, enviou carta contra a MP ao ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia).

Houve reação até do segmento de mercado livre. "É surpreendente que a gente esteja tratando desse assunto quando a fala do ministro diz exatamente o contrário, que é preciso reduzir a tarifa", diz Rodrigo Ferreira, presidente da Abraceel (Associação dos Comercializadores de Energia Elétrica).

É dado como certo que a MP vai prever a extensão por 36 meses do desconto de 50% para projetos de geração renovável pelo uso do fio da transmissão —Tust e Tusd (sigla para tarifas de uso do sistema de transmissão e de distribuição).

A diferença do valor é dividida pelos demais consumidores. Pela regra atual, tem direito ao desconto quem protocolou projetos até março de 2022.

Estimativa preliminar da Abrace aponta que a extensão levaria a um adicional de R$ 6 bilhões ao ano dentro da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), que reúne subsídios do setor e são pagos na conta de luz.

O valor da CDE para ano que vem, sem esses novos custos, já está estimado em R$ 37,2 bilhões, 6,5% acima da conta deste ano.

A prorrogação do desconto do fio foi defendida inclusive por governadores do Nordeste. O Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste enviou ofício a Lula, ainda em maio deste ano, relatando que atrasos na finalização de novas linhas de transmissão comprometiam a viabilidade dos parques eólicos e solares e defendendo que seria mais adequado estender o desconto do fio.

Especialistas do setor são unânimes em afirmar que hoje fontes renováveis são rentáveis, não necessitando de incentivos, e que subsídios apenas ajudam as empresas do setor a ter lucros maiores.

O deputado Danilo Fortes (União Brasil-CE), que acompanha as discussões, afirmou à Folha que a MP trata especificamente da prorrogação do desconto do fio para casar o prazo de conclusão do parque de energia renovável com a conclusão das obras de linha de transmissão.

"Eu venho defendendo essa medida desde o final do ano passado e ela vai viabilizar R$ 60 bilhões em investimentos no Nordeste", afirmou.

Também circula a informação de que o governo cogita dar andamento a outros temas, que poderiam ou não ser incluídos na MP, e todas as alternativas acabam criando algum custo adicional para a conta de luz.

Existe quem defenda que a MP possa atender outras demandas, que hoje estão alocadas em projetos ainda em tramitação no Congresso. Uma leva de medidas, por exemplo, já está no substitutivo do Projeto de Lei 11.247, de 2018, que cria o marco regulatório das eólicas offshore.

O relatório do deputado Zé Vitor (PL-MG) saiu há alguns dias, e a análise do conteúdo tem causado surpresa entre o especialistas.

Uma das medidas que está no relatório e eventualmente poderia ser incluída na MP é a permissão para que aportes da Eletrobras em fundos setoriais possam ser utilizados no abatimento de aumentos tarifários extraordinários acima de 15%. Essa emenda poderia aliviar especialmente a conta de luz do Amapá, que vem causando polêmica e há pressa em solucionar o problema.

A Equatorial Energia comprou a antiga CEA (Companhia de Energia do Amapá) em 2021. A concessionária estava endividada e o novo contrato de prestação de serviços exige altos investimentos.

Para cumprir todas as demandas, a empresa teve direito a fazer um reajuste extraordinário, estimado em 44,41%, pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).

Em agosto, o próprio presidente Lula, em entrevista a rádios da região, criticou a privatização da distribuidora durante o governo Jair Bolsonaro (PL) e acusou a Equatorial de assaltar o consumidor do estado.

Aos ouvintes Lula disse que trataria do tema com carinho e buscaria soluções. Neste mês, a questão esquentou. Foi debatida na Comissão de Infraestrutura do Senado.

O PL também traz alternativas para viabilizar as chamadas térmicas jabutis da lei de privatização da Eletrobras.

Trata-se da obrigatoriedade de instalar 8 GW (gigawatts) de usinas a gás onde não há gás ou mercado consumidor, o que demandaria a construção de gasodutos para levar o insumo e de linhas de transmissão para direcionar a energia até centros consumidores.

No primeiro leilão desses projetos, foi negociada 75% da oferta para a região Norte e não houve lance para a região Nordeste, demonstrando a inviabilidade econômica da proposta.

Uma nova medida, porém, liberaria a substituição de 4 GW dessas térmicas jabutis por PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas). Mas também permitiria mudanças no cálculo do teto de preço no leilão das térmicas restantes, permitindo que se embuta o custo do transporte (gasoduto) para viabilizar economicamente os projetos.

Também para atender demandas de políticos e empresas do Nordeste, ainda estão em análises formas para validar a redistribuição dos custos da CDE, transferindo um volume maior de encargos dos consumidores do Norte e Nordeste para os do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, e do mercado regulado para o livre.

Essa realocação do pagamento da CDE é tema antigo no setor, e foi discutida recentemente em um grupo de trabalho na Aneel.

O governo também busca maneiras para rever a fixação do preço-teto dentro do Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica).

Criado em 2002, ele já deveria ter sido extinto, mas uma emenda na lei de capitalização da Eletrobras prorrogou os benefícios por mais 20 anos. A renovação dos valores atenderia especialmente o segmento de PCHs.


MEDIDAS EM ANÁLISE NO GOVERNO QUE ELEVAM CUSTO PARA O CONSUMIDOR

  • extensão do subsídio da Tust/Tusd por 36 meses
  • substituição de 4 GW de térmicas jabutis prevista no PL Eletrobras por PCHs
  • mudança no cálculo do teto do leilão das térmicas restantes para viabilizar os projetos
  • alteração nas regras para extensão do Proinfa por 20 anos para melhorar o resultado
  • uso do aporte da Eletrobras para reduzir tarifa do Amapá, a tarifa Covid e conta de escassez hídrica
  • redistribuição dos custos da CDE das regiões Norte e Nordeste para Sul, Sudeste e Centro-Oeste, e do mercado regulado para o livre
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