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Livro conta a história das crises financeiras, do surfe em bolhas até da Americanas

Primeiro presidente da CVM, Roberto Teixeira da Costa mostra armadilhas para investidores com detalhes saborosos

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Brasília

O novo livro de Roberto Teixeira da Costa, "Crises Financeiras - Brasil e Mundo (1929-2023)", já estava pronto para impressão quando estourou o escândalo da Lojas Americanas. Foi um "para tudo", conta ele.

Atuando no mercado desde 1958, inclusive no posto de primeiro presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), o órgão responsável por investigar situações como essa, ele viu na hora que a publicação sairia incompleta sem as primeiras impressões sobre o que já se configurava um caso histórico.

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Roberto Teixeira da Costa em São Paulo; em novo livro, economista destrincha crises financeiras, com relato saboroso, bastidores e análises de quem está no mercado desde 1958 - 04.07.23 - Mathilde Missioneiro/Folhapress

A Americanas tem como acionistas de referência ícones do capitalismo brasileiro: Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles. Entre os credores estão os maiores bancos do país: Safra, Bradesco, BTG, para citar alguns. As contas foram auditadas por empresas globais: PwC e KPMG. Dez analistas acompanhavam a empresa e apenas três não recomendavam a compra da ação, destaca o livro.

Devido ao estágio inicial das apurações, Teixeira da Costa diz que não cabem pré-julgamentos ou juízo de valor, mas afirma que não há, até agora, uma justificativa para que a inconsistência contábil que levou ao prejuízo bilionário tenha passado despercebida, dado o atual nível de informação e sofisticação do mercado.

"Aquilo não poderia ter surpreendido os personagens envolvidos. Nem sei se cabe a palavra conivência, mas foi uma vontade de não querer ver", afirma ele, lembrando a importância dos fatores psicológicos nas análises do gênero.

Aquela sensação de que os problemas se resolvem por conta própria, que crises estouram no colo dos outros e que dessa vez vai ser diferente é recorrente no mundo financeiro e empresarial —e peça fundamental na gestação de crises, explica o autor.

"É um negacionismo, o autoengano muito bem retratado em livro de Eduardo Giannetti com esse mesmo nome", afirma ele.

Teixeira da Costa explica que buscou colocar luz sobre as origens e consequências das crises financeiras e passar um pouco de sua experiência pessoal. Quando você termina a leitura, percebe ter em mãos um guia para entender onde vai se meter se quiser investir. A reconstituição histórica autoral das crises, com comentários e bastidores, dá vida nova até a fatos conhecidos.

Com uma narrativa saborosa, o texto consegue deixar claro, por exemplo, como se inflam bolhas especulativas. Os sinais se repetem desde o primeiro caso emblemático do gênero, o superfaturamento de tulipas, que levou um bulbo da planta na Holanda a custar uma casa no século 17. Basta saber ler os sinais.

Fartura de crédito e escassez de critérios para emprestar. Excesso de empresas candidatas à abertura de capital sem um diagnóstico sobre a qualidade dos negócios no longo prazo. Gente demais correndo para aplicar seus pecúlios sem nenhum conhecimento sobre onde está colocando o dinheiro.

Teixeira da Costa convidou um jornalista para ser o parceiro na publicação, Fabio Pahim Jr. —e dele é uma emblemática passagem sobre como identificar que você está na bolha.

Em maio de 1971, Pahim conversava com o chefe da mesa de operações de Bolsa do Banco de Boston, de origem americana. Para demonstrar a pujança do pregão naquele dia, o executivo ligou para um conhecido operador e pediu para que ele escolhesse o nome de qualquer empresa em negociação.

"Ferbasa", disse o operador aleatoriamente. "Compre 100 mil ações", pediu o executivo. "Mas não é a melhor opção", argumentou o operador. "Compre assim mesmo", foi a resposta.

A lógica estava demonstrada. Tudo subia. Não fazia diferença o que comprar.

Pahim agradeceu e saiu apressado para vender todas as suas ações. Deduziu que se um banco internacional fazia algo assim, a Bolsa já não era lugar para peixes pequenos como ele. Semanas depois, em 14 de junho, o índice da Bolsa do Rio atingiu o pico, com a fantástica alta de 287% em relação a janeiro. A partir daí, as cotações foram mergulhando por dois anos, arrastando piabas e tubarões.

Para entender a dimensão do que ocorreu, vale uma narrativa do economista Antonio Delfim Netto, então poderoso ministro da Fazenda, que é reproduzida no livro.

"Um assessor meu, figura iminente, vendeu um apartamento na Lagoa e foi para Bolsa, entusiasmadíssimo. Chegava ao gabinete e dizia: 'Já estou com dois apartamentos'. E no dia seguinte: 'Já estou com dois e meio apartamentos". Passados uns seis meses, ele entrou na minha sala e disse: 'Delfim, acabei de perder o banheiro'."

Hoje, pouco se fala dessa que foi a maior bolha made in Brasil, mas é mandatório conhecê-la. Pulverizou patrimônios e jogou no limbo o mercado de capitais no Brasil por quase 30 anos. Foi preciso que uma nova geração nascesse e crescesse sem o trauma daquela quebradeira para que houvesse, em 2004, o início de um novo ciclo de IPOs (Initial Public Offering, ou em português, oferta pública inicial de ações).

Das crises, no entanto, Teixeira da Costa lembra que emergem lições, normalmente encarnadas em novos marcos regulatórios. Foi após essa que veio a CVM e a Lei de Sociedades Anônimas, por exemplo.

São muitas as peculiaridades do livro, mas um das mais gratificantes é o olhar abrangente, retratado em personagens e eventos pouco conhecidos dos leigos.

A primeira mulher a investir na Bolsa foi a brasileira Eufrásia Teixeira Leite. Além de amealhar ações, operou com nove moedas, nos cinco continentes, aplicando também em títulos públicos e imóveis. Morreu em 1930, riquíssima.

Nagib Audi protagonizou um dos casos mais emblemáticos de manipulação de preços da Bovespa, resistindo a questionamentos e cercos por anos. O esquema fez com que sua empresa tivesse valor de mercado superior a negócios muito mais sólidos, com o Banco Itaú.

"Audi era fascinante. Pessoa bem quista na sociedade árabe. Chegou a ser o maior criador de cavalos árabes. Diziam ser leal. No final da vida, vendeu joias de família para pagar empregados. O que faz um homem assim embarcar numa jornada dessas?"

Os igualmente intrigantes Carlo Ponzi, Bernard Madoff, Naji Nahas e Eike Batista estão no livro.

"Vimos essas e outras crises, mais surgirão, mas o mercado sempre é a solução", afirma Teixeira da Costa. "Temos de aprimorá-lo. Buscar educação financeira. Ser comedido nos ganhos."

Crises Financeiras: Brasil e Mundo (1929-2023)

  • Preço R$ 99,90 (280 págs.); R$ 39,90 (ebook)
  • Autoria Roberto Teixeira da Costa e Fabio Pahim Jr.
  • Editora Portfolio-Penguin
Erramos: o texto foi alterado

A sigla CVM corresponde a Comissão de Valores Mobiliários, não Imobiliários, como afirmava versão anterior deste texto.

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