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Livro de Javier Milei para explicar dolarização da Argentina não a explica

Economista ultraliberal está a um passo da Casa Rosada e disputa o segundo turno com Sergio Massa neste domingo

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São Paulo

Javier Milei pula enquanto agita os braços em frente a uma multidão eufórica formada, sobretudo, por jovens. Como se estivesse em frente a uma torcida de futebol, ele puxa um coro em crítica aos políticos tradicionais da Argentina: "A casta tem medo, a casta tem medo, que a casta trema".

Era maio de 2023, e os seis meses que separam o economista ultraliberal do candidato que ganhou a Presidência do país contra o atual ministro da Economia, Sergio Massa, no segundo turno das eleições deste domingo (19), marcam uma longa jornada

Javier Milei no lançamento de seu último livro, ao lado de uma fã
Javier Milei no lançamento de seu último livro, ao lado de uma fã - Luis Robayo - 14.mai.23/AFP

"Diante de uma história de roubos, saques e violência do Estado contra os argentinos de bem (...), a pergunta é 'por que queremos ter essa maldita moeda chamada peso, que vive arruinando a todos os argentinos de bem?', disse o libertário no evento de lançamento.

O lançamento de "El Fin de la Inflación" (sem edição em português) foi um sucesso —o que faz todo sentido em um país em que a alta de preços em 12 meses supera os 140% e as duas principais correntes políticas (o governismo peronista e a oposição liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri) parecem incapazes de resolver o problema.

Nos diversos comícios que Milei fez ao longo da campanha, o livro pode ser visto empunhado com orgulho por parte do público. Mas, ao contrário do que propõe o título, é difícil encontrar muitas respostas nele.

Milei escreve como discursa —e isso não é propriamente um elogio. A organização é irregular e trata-se de um apanhado de apresentações recentes do economista, em vez de um aprofundamento de suas ideias.

Ele reflete mais o passado de Milei como professor de economia do que seu presente, como deputado nacional e líder político de uma força criada há apenas três anos e que está a um passo da Casa Rosada.

Entre algumas citações liberais e frases de efeito, os capítulos (que terminam sempre com o bordão, "¡Viva la libertad, carajo!") são separados em três partes, em que o economista questiona algumas das principais teorias sobre a origem da inflação.

Milei parte do princípio que a inflação é um problema monetário, que o Estado é o primeiro a ser beneficiado quando há emissão descontrolada de dinheiro e que a inflação existe porque há políticos ladrões que se importam mais consigo do que com o bem-estar da população.

Para resolver o problema, ele defende uma proposta de competição de moedas que, segundo ele, levaria a uma dolarização que acabaria com a inflação que castiga os argentinos e traria estabilidade para o país. Entre o peso inflacionado e a segurança do dólar, as pessoas escolheriam a divisa norte-americana em diferentes atividades.

Hoje, a moeda dos EUA já é amplamente usada pelos argentinos no mercado imobiliário, por exemplo, e sempre que podem eles optam por poupar com a moeda.

Algumas estimativas apontam que o Estado precisaria se endividar para ter recursos suficientes para substituir o peso. Mesmo economistas próximos a Milei advertiram que o plano de dolarização é inviável em um país sem dólares.

Mesmo entre liberais, uma análise recorrente é que seria preciso promover uma grande desvalorização no início do plano. Milei não deixa claro em que patamar seria preciso deixar o câmbio para que consiga dolarizar, mas, após ganhar as eleições primárias e ver o dólar blue (paralelo) subir a 1.000 pesos argentinos, ele chegou a dizer que, quanto mais alta estiver a moeda, mais fácil será aplicar seu plano.

Em entrevistas recentes, ele tem dito que há reformas que ultrapassam o mandato presidencial de quatro anos. No livro, sem dar detalhes, diz que, concluídos os processos de dolarização e o fim do banco central, a fórmula para o país decolar levaria no mínimo 35 ou 40 anos.

"Quando se fizer a dolarização, ao recompor os preços relativos, os salários em dólares vão voar. Quando os salários em dólar voarem, como o preço dos alimentos vai estar dado, haverá uma forte queda da pobreza e da miséria e um aumento do bem-estar", escreve.

Capa do livro 'El Fin de la Infación', do economista e candidato à Presidência da Argentina Javier Milei
Capa do livro 'El Fin de la Infación', do candidato à Presidência Javier Milei - Divulgação

Só que as ideologias não são autorrealizáveis, e o autor parece desconsiderar isso.

O deputado do grupo político A Liberdade Avança ignora contratempos práticos, como ter de reformar a Constituição do país para abolir o peso sem ter maioria no Congresso, mesmo com o apoio de parte da força política de Mauricio Macri e da candidata derrotada Patricia Bullrich.

Ele desconsidera as consequências que a combinação entre dolarização e rápida abertura econômica teria sobre a indústria e os empregos de maior qualidade. "O problema do desemprego é a rigidez do mercado de trabalho, e isso se resolve com uma reforma", rebate.

O libertário também não se detém sobre outras experiências próximas. Sobre a do Equador, apenas diz que a dolarização do país em 2000 impediu o desequilíbrio fiscal e que o dólar é mais popular no país do que o ex-presidente "ladrão" Rafael Correa, que tentou reverter o projeto.

Além da adoção do dólar, as outras reformas proposta pelo ex-participante de programas de debates da TV argentina não são de curto prazo. Ele imagina um conjunto de três etapas, que mudariam o Estado, reduzindo sua participação.

Um conjunto de reformas —reduzindo o número de ministérios para oito, fazendo uma reforma trabalhista e abrindo a economia— vai gerar ao menos 15 anos de forte crescimento econômico. Sem detalhar como chegou a esse número ou considerar choques externos, ele afirma que o período de longo prazo de crescimento seria suficiente para eliminar os efeitos negativos, segundo Milei.

Milei também desconsidera questões práticas, como o enfrentamento às poderosas organizações sindicais argentinas para evitar uma reforma dura do sistema de trabalho, e não apresenta quanto o Estado iria economizar com a redução no número de ministérios.

Durante a campanha, viralizou um vídeo em que ele aparece em frente a uma lousa arrancando etiquetas com nomes das pastas atuais e gritando frases de efeito, como "Ministério da Saúde, fora".

O político prevê que o forte ciclo de crescimento levaria o país a um surto de criação de empregos, com aumento dos salários reais e dos aportes ao sistema de previdência (que seria reformado em um segundo momento). Uma terceira etapa de reformas prevê a aposentadoria voluntária de funcionários públicos e a reforma dos sistemas de saúde e educação.

Em um último confronto com Massa, no debate na TV Pública na noite de 12 de novembro, Milei foi obrigado a recuar de algumas propostas, mas reforçou a intenção de eliminar o banco central e de dolarizar o país. O eleitor argentino decidiu que está disposto a ver aplicado o plano do libertário.

El Fin de la Inflación

  • Preço R$ 40 (ebook, na cotação de 10.nov)
  • Autoria Javier Milei
  • Editora Planeta Editorial
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