Argentinos recorrem a roupas usadas contra inflação de 140%: 'Não dá para comprar novo'

População opta por produtos de segunda mão para 'driblar' inflação

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Miguel Lo Bianco Claudia Martini
Buenos Aires | Reuters

Os argentinos em dificuldades, apertando os orçamentos com inflação a 140%, estão recorrendo cada vez mais aos mercados de roupas de segunda mão, tanto para encontrar pechinchas a preços acessíveis quanto para obter dinheiro extra com a venda de peças antigas.

O país sul-americano, a segunda economia da região e um dos principais exportadores de grãos, está enfrentando sua pior crise em décadas. Dois quintos das pessoas vivem na pobreza e uma recessão iminente está abalando o segundo turno das eleições presidenciais no próximo domingo.

Loja em Buenos Aires faz série de ofertas para vender coleção de roupas - Luis Robayo - 12.jun.2023 / AFP

A raiva crescente dos eleitores está impulsionando um outsider radical, Javier Milei, ligeiro favorito nas pesquisas para derrotar o ministro da Economia Sergio Massa, candidato da coalizão peronista governista, cuja campanha tem sido prejudicada por sua incapacidade de controlar o aumento dos preços.

"Você não pode simplesmente ir ao shopping e comprar algo de que gosta, como fazia antes. Hoje os preços são impensáveis", disse a estudante Aylen Chiclana, de 22 anos, em Buenos Aires.

Uma calça jeans nova custa mais que o dobro do preço de um ano atrás e só essa compra representa mais de um terço do salário mínimo mensal da Argentina.

A inflação anualizada, que já é de 138%, deve aumentar ainda mais quando as autoridades divulgarem os dados oficiais de outubro na segunda-feira (13), com o aumento mensal estimado em cerca de 10%, um pouco abaixo dos picos de agosto e setembro.

A Argentina vem lutando há anos contra a alta inflação, que os economistas atribuem à impressão de dinheiro e à falta de confiança arraigada no peso local. A inflação acelerou no último ano, atingindo seu nível mais alto desde 1991.

Beatriz Lauricio, uma professora semi-aposentada de 62 anos, disse que ela e o marido, funcionário de uma empresa de ônibus, vão nos fins de semana a uma feira de roupas para vender peças velhas.

"Somos de classe média, classe média baixa, eu diria. Temos nossos empregos, mas precisamos ir à feira", disse ela, acrescentando que, quando a feira foi cancelada em um fim de semana devido ao mau tempo, as finanças do casal "entraram em colapso".

"Não estamos fazendo isso como um pequeno extra para podermos sair de férias para o Brasil, fazemos isso por necessidade diária", afirmou.

María Silvina Perasso, organizadora da feira de roupas em Tigre, nos arredores de Buenos Aires, disse que muitas pessoas compram lá porque os preços subiram muito mais rápido do que os salários. O salário mínimo mensal local é de 132.000 pesos, 377 dólares pela taxa de câmbio oficial, mas a metade desse valor pelas taxas de câmbio reais devido aos controles de capital -- restrições às transações de câmbio.

"Com a economia do jeito que está, eles compram roupas por 5% ou 10% do valor que vem de uma loja e podem comprar coisas para suas famílias", disse ela.

María Teresa Ortiz, uma aposentada de 68 anos, vive de sua aposentadoria e de trabalhos eventuais de costura, em que ganha 400 pesos por hora, oficialmente cerca de um dólar. Ela vai à feira para poder comprar roupas que, de outra forma, não poderia comprar.

"Simplesmente não podemos comprar coisas novas. Não se pode comprar tênis novos, não se pode comprar chinelos novos, não se pode comprar jeans novos, também não se pode comprar uma camisa ou uma camiseta. Por isso, é preciso procurar nas feiras", disse ela.

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