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Livro discute IA sob a perspectiva de imigrante chinesa que revolucionou a área

Fei-Fei Li faz retrato habilidoso e emocionante de sua família e do futuro da tecnologia

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John Thornhill

Editor de Inovação do Finacial Times e fundador do site Sifted, sobre startups europeias

Financial Times

Como filha, mãe, imigrante chinesa nos Estados Unidos e pesquisadora líder em inteligência artificial, Fei-Fei Li viu vários mundos diferentes. Sua experiência de vida também inspirou sua expertise acadêmica —treinar computadores para reconhecer e interpretar imagens.

Como Li escreve, é surpreendente como o cérebro humano —"um pedaço úmido e orgânico com cerca de 12 centímetros de diâmetro"— pode superar supercomputadores do tamanho de galpões quando se trata de entender a "essência" de tudo o que vemos.

A pesquisadora de inteligência artificial Fei-Fei Li durante o Fórum Econômico Mundial 2018, em Davos
A pesquisadora de inteligência artificial Fei-Fei Li durante o Fórum Econômico Mundial 2018, em Davos - Christia nClavadetscher - 24.jan.2018/World Economic Forum

Mostre uma fotografia de um jantar de Ação de Graças na frente de qualquer americano e a maioria poderia imediatamente adivinhar os relacionamentos entre os membros da família e perceber que eles estavam comendo peru.

Como funciona essa mágica conceitual? Em alguns aspectos, essa habilidade instintiva de entender o contexto define o que é ser humano. "Entender como vemos, portanto, é entender a nós mesmos", escreve ela.

Em "The Worlds I See" (Os Mundos que Vejo), Li explora três temas com habilidade e perspicácia emocionante.

Ela fornece uma história clara e acessível do machine learning (aprendizado de máquina), descrevendo como essa transformação conceitual ocorreu. Li também faz um apelo sincero para manter o lado humano no centro da IA, para garantir que maximizemos os benefícios de nossos novos poderes tecnológicos.

Mas acima de tudo, ela conta uma história cativante sobre como uma menina chinesa pobre e imigrante poderia chegar aos EUA e acabar na vanguarda de uma revolução científica. O livro é um retrato amoroso do passado familiar de Li, bem como uma exploração de nosso futuro tecnológico em uma conexão de especialista do pessoal e profissional.

"Eu nasci como filha única de uma família em um estado de quieto tumulto", escreve Li sobre sua infância nos anos 1980 em Chengdu, capital da província de Sichuan. Como muitas das antigas cidades da China, as ruas estreitas, pátios abertos e paisagens verdes de Chengdu estavam sendo obliterados por uma arquitetura soviética sem alma.

Mas esse pano de fundo urbano sombrio contrastava com o calor e a imaginação demonstrados por seus pais, unidos de maneiras que ninguém mais poderia entender. "Ambos haviam perdido a fé nas instituições do mundo, e isso os tornava parceiros, até cúmplices, em uma prática diária de desafio", escreve Li.

Capa do livro 'The Worlds I See', da pesquisadora chinesa Fei-Fei Li
Capa do livro 'The Worlds I See', da pesquisadora sino-americana Fei-Fei Li - Divulgação

Seu pai, cujo trabalho no departamento de computação de uma empresa química era mais uma fachada do que uma carreira, tinha uma alergia patológica à seriedade, uma curiosidade infinita pela natureza e uma engenhosidade boba.

Ele ganhava vida quando procurava borboletas, observava búfalos d'água se divertindo nos campos de arroz e capturava roedores e insetos para criar como animais de estimação.

E embora ele tenha perdido o nascimento de sua filha porque estava distraído em uma viagem de observação de pássaros, ele a nomeou de forma caprichosa de Fei-Fei. Em mandarim, "fei" significa voar.

Quando escrito em um caractere chinês, seu nome se assemelha a um pássaro. "O maior elogio que posso fazer ao meu pai também é a crítica mais contundente: que ele é exatamente o que resultaria se uma criança pudesse projetar seu pai ideal na total ausência de supervisão adulta", escreve Li.

A mãe de Li, uma professora do ensino médio que se tornou funcionária de escritório, também era uma pessoa singular, "uma intelectual aprisionada em uma vida de mediocridade imposta". Sua própria avó havia sido uma das primeiras mulheres a frequentar a universidade.

Mas a carreira intelectual de sua mãe foi prejudicada pelas associações da família com o partido Kuomintang, derrotado na oposição. Sua vida também foi assolada por problemas de saúde, que minaram até sua energia feroz.

Seu mecanismo de enfrentamento era escapar para a literatura, uma paixão que ela transmitiu para sua filha, que devorava as traduções chinesas de Simone de Beauvoir, Charles Dickens e Ernest Hemingway.

Na escola, Li ficou indignada ao ouvir um professor dizer aos meninos que eles eram "biologicamente mais inteligentes do que as meninas". Esse calor silencioso de indignação alimentou seus estudos enquanto ela se apaixonava pela beleza e grandiosidade da física.

O pai de Li mudou-se para os Estados Unidos para começar uma nova vida para sua família. Após três anos separados, Li, então com 15 anos, e sua mãe se juntaram a ele em Nova Jersey.

Li mal falava uma palavra de inglês quando se matriculou na Parsippany High School, onde tudo era "mais brilhante, mais rápido, mais pesado e mais barulhento" do que o mundo que ela havia deixado para trás. Mas ela teve a sorte de ser ensinada por Bob Sabella, ou o "grande professor barbudo de matemática", como seus pais o chamavam.

Graças à sua orientação inspiradora —e apoio financeiro— Li conquistou um lugar na Universidade de Princeton, um mundo à parte da lavanderia que seus pais administravam.

Li se inclinou para o campo da visão computacional, uma área relativamente negligenciada que estava sendo transformada pela revolução do deep learning (aprendizado profundo).

Sua principal contribuição para a fama acadêmica foi seu papel na criação do ImageNet, que, no momento de seu lançamento em 2009, era o maior conjunto de dados curados manualmente na história da IA, contendo 15 milhões de imagens em 22.000 categorias, anotadas por mais de 48.000 colaboradores de 167 países.

Combinado com a aplicação de algoritmos mais inteligentes e poder computacional massivo, o ImageNet desencadeou um crescimento explosivo na capacidade de visão computacional. Esses avanços ajudaram os pesquisadores a desenvolver carros autônomos e modelos de geração de imagem via texto, como Stable Diffusion, Dall-E e Midjourney, que impressionam tanto os usuários hoje.

O terceiro tema do livro é uma discussão sobre como podemos maximizar os benefícios da IA enquanto minimizamos seus possíveis danos.

Como Li explica, um assunto que antes era o domínio isolado de cientistas especialistas agora deve preocupar a todos. Depois de décadas passadas "in vitro", a IA está hoje muito presente "in vivo", como ela coloca.

Os pesquisadores de tecnologia e líderes mundiais que se misturam na conferência de segurança da IA em Bletchley Park nesta semana mostram como o tema ganhou espaço na agenda política global.

Como uma das poucas mulheres líderes no campo, Li está particularmente preocupada com a alarmante falta de diversidade na indústria. E tendo trabalhado como cientista-chefe de IA na Google Cloud, ela diz que fica perturbada com a vasta riqueza, poder e ambição das grandes empresas de tecnologia, que superam qualquer coisa no setor universitário.

Em 2015, por exemplo, a Uber contratou quase toda a equipe de robótica da Universidade Carnegie Mellon para desenvolver seus carros autônomos.

Para corrigir o desequilíbrio, Li ajudou a lançar o AI4All (IA para todos) para incentivar a entrada de pessoas mais diversas na indústria. Ela também cofundou o Stanford Institute for Human-Centred Artificial Intelligence, que tem como objetivo fortalecer a pesquisa, educação e política de IA para o bem público.

"The Worlds I See'' termina com um sentimento de admiração por nossa capacidade de criar uma tecnologia semelhante a uma força da natureza, "algo tão grande, tão poderoso e tão caprichoso que poderia destruir tanto quanto poderia inspirar". Mas, conclui ela, será necessário muito mais do que clichês corporativos para tornar a IA digna de nossa confiança.

The Worlds I See: Curiosity, Exploration, and Discovery at the Dawn of AI

  • Preço R$ 106,05 (ebook)
  • Autoria Fei-Fei Li
  • Editora Macmillan Publishers, 324 pp.
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