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5 líderes de empresas que erraram feio em 2023 e o que isso ensina

Erros ficaram à vista de todos num ano tumultuado no mundo dos negócios e do trabalho

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Alex Christian
BBC News Brasil

O ano de 2023 não foi fácil para os dirigentes do mundo corporativo.

No desconhecido mundo do trabalho pós-pandemia, com as incertezas da economia e as rápidas mudanças de prioridades dos patrões e profissionais, os líderes das empresas precisaram tomar decisões de alto risco sem precedentes.

"Observamos alguns líderes com dificuldades para fazer avançar seus modelos de negócios em uma nova era de taxas de juros mais altas e maiores exigências dos funcionários", afirma o professor de administração Christopher Kayes, da Escola de Negócios da Universidade George Washington, na capital americana, Washington.

Sob o comando de Elon Musk, o X (antigo Twitter) perdeu metade da sua receita com publicidade - Getty Images via BBC

Para ele, "muitos estão trabalhando com a mesma cartilha da era pré-pandemia, quando os profissionais eram muito mais submissos e tinham menos influência."

Embora tenha havido muitos sucessos, diversos CEOs (diretores-executivos) tropeçaram. O resultado foi que vários deles perderam seus cargos ou seus diretores pediram que eles se demitissem em números recorde.

Cinco desses casos se destacaram como histórias que servem de alerta quanto às tendências da administração moderna.

As políticas inflexíveis do Grindr

Líderes e profissionais vêm discutindo as políticas de retorno ao escritório há anos. E, em 2023, diversos patrões decidiram exercer seu poder.

Muitos empregadores e funcionários chegaram a um acordo intermediário, com base em cronogramas híbridos.

Mas, em agosto, o CEO do aplicativo de encontros Grindr, George Arison, anunciou um ultimato súbito e inflexível para o retorno dos funcionários: venham ao escritório duas vezes por semana ou serão demitidos em outubro.

Esta política funcionou para algumas pessoas que já moravam perto das cidades centrais do Grindr —Nova York, Chicago, Los Angeles, São Francisco e Washington DC, nos Estados Unidos.

O  diretor-executivo do Grindr, George Arison
O diretor-executivo do Grindr, George Arison, criou políticas inflexíveis de retorno ao escritório que deixaram seus funcionários sob pressão - Getty Images via BBC

Mas também fez com que grupos de profissionais contratados para trabalho remoto precisassem correr para se mudar, sob pena de perder seus empregos.

Kayes afirma que a chefia do Grindr deixou de reconhecer as profundas mudanças que seu ultimato exigiria dos profissionais.

"Havia uma crença errônea, mantida por muito tempo, de que ser o patrão simplesmente significa anunciar decretos ou exigências e as pessoas irão seguir", explica ele.

"Com certeza, isso não funciona mais. Quando você faz uma grande mudança de política que afeta a vida dos funcionários, você precisa consultá-los em primeiro lugar. O Grindr falhou neste ponto."

O escritor e coach de liderança de Sydney, na Austrália, Larry Robertson, concorda que os líderes do Grindr deixaram de cumprir com sua obrigação de comunicar suas razões aos funcionários.

A falta de notificação e o prazo curto também forçaram os funcionários a tomar decisões de vida importantes sob pressão.

O resultado foi que cerca da metade dos funcionários do Grindr rejeitou o ultimato e o aplicativo enfrentou reações negativas na imprensa.

"A realidade é que, se você não conseguir manter os funcionários do seu lado, a sua empresa não irá prosperar", explica Robertson.

"Com essa enorme perda de talentos e uma imagem pública manchada, fica difícil imaginar como a mesma organização pode seguir adiante."

Alienação dos clientes no Reddit

Enquanto as incertezas da economia levavam as empresas a se preocupar com seus lucros, muitas companhias buscavam fontes de renda alternativas para equilibrar seus balanços.

Em abril, enquanto se preparava para uma oferta pública inicial de ações, a plataforma Reddit anunciou que começaria a cobrar pelo acesso à sua interface de programação de aplicativos (API, na sigla em inglês), que é a estrutura que permite a construção de aplicativos de terceiros sobre dados originais.

O acesso à API é fundamental para que os usuários possam participar e moderar conteúdo nas sub-comunidades do Reddit.

O diretor-executivo da plataforma Reddit, Steve Huffman
O diretor-executivo da plataforma Reddit, Steve Huffman, criou tarifas para acesso à API, alienando alguns dos seus usuários mais dedicados - Getty Images via BBC

Em uma postagem no próprio Reddit em junho, o diretor-executivo Steve Huffman também anunciou que a plataforma de rede social criaria limites de velocidade de dados em julho.

Este anúncio deixou os desenvolvedores de aplicativos de terceiros em dificuldades para implementar mudanças que permitissem que seu software continuasse funcionando na estrutura original do Reddit.

"O Reddit precisa ser um negócio autossustentável e, para isso, não podemos mais subsidiar entidades comerciais que exigem uso de dados em larga escala", escreveu Huffman.

Esta pode ter sido uma boa ideia para a lucratividade a longo prazo, mas trouxe prejuízos para o relacionamento com os clientes.

Aplicativos populares fecharam em seguida, a comunidade do Reddit protestou e moderadores de sub-comunidades promoveram apagões (fechamento das comunidades ao público por um determinado período de horas ou dias).

Para Kayes, a decisão de Huffman fazia sentido, financeiramente falando, mas alienou parte da sua base de usuários dedicados, talvez de forma permanente.

"Plataformas gratuitas como o Reddit precisam fazer mudanças comerciais inteligentes se quiserem gerar fundos e atrair investidores", diz ele.

"Mas devem também incluir a voz do consumidor sobre a forma em que irão seguir adiante - o problema, aqui, foi a implementação e como ela foi comunicada", acrescenta.

Robertson acredita que a explicação de Huffman deveria ter ido além.

"Se você fizer uma mudança importante em uma oferta aos consumidores, especialmente uma que seja muito popular, você precisa comunicar como ela irá beneficiá-los no longo prazo", afirma.

"Por isso, não basta apenas se defender ao tomar uma decisão definitiva, é preciso também explicar ao consumidor como ele pode receber um serviço ainda melhor no futuro", conclui o especialista em liderança.

Solidariedade entre profissionais subestimada na GM

Em 2023, a organização coletiva atingiu seu nível mais alto desde 2019. Isso resultou em uma onda de greves significativas.

Em outubro, a diretora-executiva da General Motors, Mary Barra, tornou-se a primeira dos "Três Grandes" fabricantes de automóveis dos EUA —grupo que inclui Fiat Chrysler e Ford, além da própria GM— a negociar um acordo com o sindicato United Auto Workers (UAW), seis semanas antes de uma greve geral.

À época, a empresa já havia sofrido perdas de mais de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 4,8 bilhões). E chegar a um acordo —amplamente considerado uma imensa vitória dos trabalhadores— ajudou a GM a estancar a perda de receita, já que seus funcionários voltaram ao trabalho.

A diretora-executiva da GM Mary Barra
A diretora-executiva da GM Mary Barra foi a primeira a negociar com o sindicato, mas pode ter interpretado mal as necessidades de seus funcionários - Getty Images via BBC

Mas, mesmo que os profissionais e a gerência tenham conseguido suspender a paralisação do trabalho, Robertson afirma que Barra deixou de examinar inicialmente as exigências e o poder do sindicato.

E esta falha resultou em grandes perdas de receita, à medida que a greve se arrastava.

Acrescente-se ainda que Barra trabalhou na empresa por toda a sua carreira.

"Muitas vezes, nas grandes corporações, os CEOs são contratados para o cargo e recebem altos salários para mudar de companhias", afirma ele.

"Mas Barra realmente cresceu com a empresa —ela deveria ter compreendido o senso de lealdade, pertencimento e comunidade entre os profissionais da área automotiva."

Em vez disso, Robertson acredita que Barra interpretou erroneamente a determinação da UAW.

"Eles foram subestimados. Na verdade, os profissionais têm mais poder agora do que no passado. Uma CEO de uma importante corporação sindicalizada deveria ser capaz de colocar a liderança dos trabalhadores de lado mais cedo, ouvi-la e entender fundamentalmente o que os motiva."

"É possível encontrar pontos em comum, [assegurar] que todos estão trabalhando juntos para benefício da organização e ajudar a construir relacionamentos —sem se tornarem adversários", orienta Robertson.

Dramático corte de custos na Warner Bros Discovery

Às vezes, os CEOs são forçados a movimentar o status quo de uma corporação.

Em 2022, David Zaslav supervisionou a fusão da Warner Bros com sua empresa menor de TV a cabo, a Discovery. Mas sua tática incomodou muitas pessoas que trabalham no setor.

Imbuído da tarefa de transformar em lucro uma dívida de mais de US$ 55 bilhões (R$ 265 bilhões), Zaslav começou a distribuir cortes em todo o estúdio, incluindo cancelamentos de filmes que já haviam sido produzidos e demissões em massa que duraram todo o ano de 2023.

Em junho, Zaslav anunciou que a Warner Bros Discovery eliminaria o canal Turner Classic Movies, extremamente popular entre os cinéfilos.

O diretor-executivo da Warner Bros Discovery, David Zaslav
O diretor-executivo da Warner Bros Discovery, David Zaslav, eliminou canais populares de TV a cabo e cancelou filmes que já haviam sido produzidos - Getty Images

A comunidade ficou tão abalada com a notícia que os lendários cineastas de Hollywood Steven Spielberg, Martin Scorsese e Paul Thomas Anderson realizaram uma reunião de cúpula com Zaslav.

Kayes sugere que o plano comercial de Zaslav era ingênuo.

Para ter sucesso, ele precisaria fazer cortes em um setor famoso pelo talento dos seus superastros, produções bem sucedidas, profissionais e consumidores emocionalmente envolvidos.

"Esta abordagem pode funcionar no setor de TV a cabo, onde as estrelas têm menos poder e influência, mas Hollywood é muito diferente", explica ele.

"Aqui, parecia que ele estava brigando com todos."

Para Kayes, a impressão desfavorável do público em relação à liderança de Zaslav também pode ter ajudado a fortalecer as greves dos sindicatos Writers Guild of America (WGA) e Screen Actors Guild (SAG), que paralisaram o setor por grande parte do ano.

"No fim, Zaslav chegou a enfrentar os diretores cinematográficos, algumas das pessoas mais poderosas, influentes e populares do mundo. Como resultado, ele se tornou o vilão de Hollywood."

Transferência de poder hostil no X

Desde o fechamento do acordo, em novembro de 2022, a transferência do Twitter para Elon Musk foi marcada por diversas decisões comerciais questionáveis.

Ao longo de todo o ano de 2023, o bilionário fundador da Tesla e da SpaceX mudou o nome da plataforma de rede social para "X", demitiu cerca de 80% dos funcionários e perdeu cerca de US$ 75 milhões (R$ 362 milhões) em publicidade após endossar uma teoria da conspiração antissemita, no final de novembro.

Robertson acredita que a liderança não convencional de Musk fracassou em uma empresa que já tinha uma cultura de trabalho estabelecida e singular.

Elon Musk em conversa com o jornalista americano Andrew Ross Sorkin
Em conversa com o jornalista americano Andrew Ross Sorkin, Elon Musk lançou fortes ataques aos anunciantes que deixaram a plataforma X, antigo Twitter - Getty Images via BBC

"Na SpaceX e na Tesla, que ele fundou, ele conseguiu construir do zero e fazer crescer uma comunidade de seguidores leais enquanto avançava no espaço e com veículos ecléticos", explica ele.

"Mas o Twitter era uma organização que tinha suas próprias características, com funcionários acostumados a um estilo de liderança muito diferente."

Kayes descreve a tomada de decisões como "errática".

Isso inclui os recentes ataques às marcas que deixaram de anunciar no X e a retirada dos títulos de links para notícias postados na plataforma.

"As pessoas talvez não se importem em observar comportamentos não convencionais dos líderes quando fazem com que eles pareçam ser únicos e visionários", afirma Kayes.

"Mas, quando entram em território emocional e imprevisível, completamente afastado das normas comerciais convencionais, eles se tornam perturbadores."

Kayes acrescenta que o X ainda tem muitos problemas para resolver em 2024.

"Permanece a ambiguidade sobre quem realmente são seus líderes", destaca ele.

"Sua nova CEO [Linda Yaccarino] foi anunciada em junho, mas é Musk quem ainda parece estar apertando os botões e fazendo declarações públicas. Isso aumentou as preocupações, reduzindo o número mensal de usuários ativos e fazendo as receitas de publicidade caírem em mais da metade."

Lições para levar para 2024

À medida que o mundo dos negócios evolui, muda também o papel dos líderes.

Antes se esperava que os executivos simplesmente cuidassem dos lucros e prejuízos. Mas, agora, eles enfrentam exigências maiores de todas as partes interessadas, enquanto as condições econômicas e a cultura do ambiente de trabalho continuam em evolução.

"É mais difícil ser líder hoje em dia", afirma John Clifton, diretor-executivo da empresa de consultoria e análises globais Gallup, com sede em Washington.

"De certa forma, este período após a pandemia tem sido mais difícil até do que 2020 - inflação disparando em descontrole, questões sobre o trabalho híbrido e uma força de trabalho que se sente mais solitária do que nunca", prossegue ele.

"É uma época incrivelmente desafiadora para os executivos, sem dúvida."

Mas os fracassos corporativos de 2023 podem fornecer alguma orientação, mesmo que seja simplesmente sobre o que não deve ser feito.

"Os líderes servem à organização —e isso inclui os funcionários", afirma Larry Robertson.

Para ele, "o mundo mudou muito, mas muitas táticas de liderança não acompanharam as mudanças. Muito disso se resume à comunicação, ouvir e ter conversas objetivas para que as pessoas se sintam incluídas, respeitadas e ouvidas. Caso contrário, o ressentimento se acumula e a confiança desaparece."

Este texto foi publicado originalmente aqui.

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