Americanas consegue aprovação do plano de recuperação judicial junto aos credores

Participação do trio de bilionários passa de 30% para até 49,3%; credores tiveram desconto de 80% nas dívidas

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São Paulo

A assembleia-geral de credores (AGC) da Americanas aprovou na noite desta terça-feira (19) o plano de recuperação judicial da rede. A medida teve o apoio de 91,14% dos 1.860 votantes, que representam 97,19% da dívida da varejista.

O evento teve a presença maciça de quirografários (sem garantias), que representam 97,36% dos débitos, da ordem de R$ 42,5 bilhões. Era necessária a presença de credores que somassem ao menos 50,01% da dívida. Agora o plano será submetido à homologação pela 4ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro. A Justiça, no entanto, entra em recesso nesta quarta-feira (20).

A assembleia foi realizada de maneira online a partir das 14h, com a proposta de deságios aos fornecedores que vão de 50% a 80% da dívida, para pagamento entre 4 e 20 anos.

Para detentores de opções em ações (stock options), o desconto proposto foi de 93%. Os credores também se comprometeram a não processar a empresa, sob o risco de terem seu pagamento interrompido.

Dois homens brancos e de terno escuro
Administradores judiciais da Americanas, Sérgio Zveiter (à esq.) e Bruno Rezende, durante Assembleia Geral de Credores da varejista. - Reprodução Youtube

Os principais acionistas da empresa, o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, hoje detentores de 30,1% da varejista, vão ampliar a participação na companhia, para 46% ou 49,3%, a depender do resultado do aumento de capital.

O plano envolve o aumento de capital da companhia via emissões de novas ações. Serão R$ 12 bilhões para os principais acionistas e até R$ 12 bilhões para os bancos. A injeção total é de R$ 24 bilhões na varejista.

A Americanas alterou a cláusula que estabelece o preço de emissão das novas ações, uma atualização feita na madrugada desta terça. O valor da ação foi calculado com base no critério de 1,33 vezes o preço médio ponderado por volume de negociação das ações ordinárias nos 60 dias antes da véspera da aprovação do plano.

O preço será de R$ 1,30 por ação. Desde o início da assembleia, havia grande expectativa entre os bancos e a própria direção da Americanas, além do trio de principais acionistas, de que o plano seria aprovado.

O plano prevê ainda R$ 2 bilhões para pagamento de credores financeiros por meio de mecanismo de leilão reverso e R$ 6,7 bilhões para aqueles que optarem por receber antecipadamente, mas com forte desconto.

Camille Faria, principal executiva de finanças e diretora de relações com investidores da companhia, apresentou o plano de recuperação judicial.

Como foram indicadas mudanças em várias cláusulas —fato que pode gerar pedido de suspensão por parte dos credores—, o administrador judicial promoveu uma votação na assembleia, para saber quem concordava de antemão em suspender a reunião.

Neste caso, uma nova assembleia seria realizada em 22 de janeiro. Pela enquete, apenas 10,85% concordaram —percentual que considerou a relevância pelo total das dívidas. Ou seja, os bancos, os grandes credores da empresa, estavam interessados em aprovar o plano.

Mas havia uma grande quantidade de credores que estava, sim, disposta a postergar a assembleia, para conseguir entender melhor as condições do plano. Especialmente entre os fornecedores, cujos representantes legais na assembleia se mostraram apreensivos em relação às condições de pagamento.

Entre os fornecedores decididos a adiar a votação para janeiro estavam Procter&Gamble, Tramontina, Grendene, Estrela e SAP. Entre os que desejavam manter a assembleia, estavam os grandes bancos credores, como Bradesco, Itaú, Santander e BTG, com exceção do Banco do Brasil, que também queria postergar a assembleia.

Credores que votaram para suspender a assembleia até 22 de janeiro

Alguns gostariam de avaliar o plano em nova reunião, mas foram voto vencido

  • Banco do Brasil

  • Tramontina

  • Grendene

  • Bimbo

  • Equatorial Distribuidora de Energia

  • Nivea

  • Camil

  • Kimberly-Clark

  • 3M do Brasil

  • Claro

  • Lenovo

  • Banco da China Brasil

  • Elgin

  • Mars

  • Motorola

Até as 19h, cerca de 300 perguntas por parte de credores estavam na fila para serem feitas. O administrador judicial, no entanto, selecionava parte das questões que considerava mais relevantes.

O encontro foi conduzido pelos administradores judiciais Bruno Rezende, sócio do Preserva Ação Administração Judicial, e Sérgio Zveiter, do Zveiter Escritório de Advocacia, com a participação de Camille Faria.

Os credores das classes 1 (trabalhistas) e 4 (micro e pequenas empresas) não participaram da assembleia-geral de credores, uma vez que ambos não tiveram suas condições de pagamento alteradas.

Dessa forma, não foram considerados para quórum e não votaram. Das dívidas com essas classes, que somavam R$ 263,1 milhões, ainda faltam pagar R$ 148,6 milhões, que serão quitados 30 dias após a homologação do plano.

'Pragmatismo' na negociação entre trio e bancos credores

A Folha apurou que os ânimos por parte dos bancos, os grandes credores da varejista, até do Safra, que se mostrava até então o mais belicoso, arrefeceram.

Uma fonte ligada ao mercado financeiro disse, em condição de anonimato, que um acordo que dê sobrevida à Americanas é um resultado favorável para todos. Para os bancos, ficou claro que a culpa pela fraude contábil de R$ 25 bilhões está com a antiga diretoria, disse.

Quanto ao possível envolvimento de um dos principais acionistas, Beto Sicupira, o personagem do trio de bilionários do 3G que sempre esteve à frente da Americanas, o episódio teria deixado algum ressentimento, mas houve pragmatismo tanto por parte dos credores quanto do trio para resolver a questão, segundo a fonte.

Dentre os três bilionários, Sicupira sempre foi o mais próximo da Americanas. Ele, inclusive, deve arcar sozinho com um aporte de R$ 6 bilhões dentro dos R$ 12 bilhões, como penalidade, seja por omissão, seja por envolvimento, afirmou.

Para os bancos, disse, agora a empresa é viável, porque foi contabilizada com quase R$ 30 bilhões, entre conversão de dívida e dinheiro novo.

Sem litígio

Uma das cláusulas da RJ é o compromisso de não litigar, ou seja, de não processar a empresa, os acionistas de referência ou demais credores. Se assinarem o plano com essa cláusula, após a homologação da Justiça, os credores ficam impossibilitados de mover ações envolvendo essas partes. Caso quebrem o acordo, o pagamento será revogado e o credor vai para o final da fila da RJ.

Em recuperação judicial desde 19 de janeiro deste ano, a Americanas soma dívidas de R$ 50,1 bilhões. Mas neste valor estão os créditos intercompany (de companhias do próprio grupo). Retirando essas empresas da conta, o valor das dívidas soma R$ 42,5 bilhões. Excetuando os credores das Classes 1 e 4, o valor chega a R$ 42,4 bilhões.

"Foi surpreendente", disse o advogado especialista em recuperação judicial, Filipe Denki. Em 17 anos de atuação na área de recuperação judicial, ele disse nunca ter visto a instalação de uma assembleia em primeira convocação, ainda mais com a aprovação do plano de forma tão expressiva.

Na visão de fontes do mercado financeiro e empresarial que acompanham o caso, e têm ou tiveram relações comerciais com a Americanas, que também falaram em condição de anonimato, a empresa tem pressa em colocar panos quentes sobre o caso, para que o episódio da fraude contábil caia no esquecimento.

Segundo essas fontes, estaria articulada uma estratégia do ponto de vista político para acelerar a aprovação do plano e escapar de qualquer julgamento na esfera criminal.

A Americanas refutou essas alegações e disse ser "a maior interessada no esclarecimento dos fatos, inclusive na esfera criminal, e que irá responsabilizar judicialmente todos os envolvidos."

Entenda a recuperação judicial da Americanas:

TOTAL DEVIDO: R$ 50,1 bilhões, dos quais R$ 82,9 milhões de créditos trabalhistas (classe 1), R$ 49,9 bilhões de créditos quirografários (classe 3) e R$ 180,2 milhões de créditos devidos a microempresas ou empresas de pequeno porte (classe 4).

COMO SERÁ O PAGAMENTO:
Classes 1 e 4: companhia obteve autorização judicial para adiantar pagamentos e já abateu R$ 114,5 milhões. O saldo de R$ 148,6 milhões será quitado em até 30 dias ou de forma diversa acordada com o credor.
Classe 3: descontos de 50% a 93%, com prazo de quatro a 20 anos, a menos que o valor devido seja de até R$ 12 mil, nesse caso, o pagamento é integral e em parcela única. Credores que têm mais a receber, mas que aceitarem receber apenas R$ 12 mil, também recebem o valor total de uma vez.

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