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David Graeber aponta que dívida virou relação moral, não econômica

Ao pensar o capitalismo, antropólogo escreveu a melhor história cultural da humanidade das últimas décadas

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Alex Castro

David Graeber, anarquista radical e professor de antropologia da London School of Economics, era um criador de caso. Em 2011, ficou conhecido por ser um dos idealizadores do Occupy Wall Street e inventor do slogan "Somos o 99%".

O antropólogo americano David Graeber, morto em 2020
O antropólogo americano David Graeber, morto em 2020 - Jennifer S. Altman/The New York Times

Nesse mesmo ano, publicou "Dívida: Os Primeiros 5 mil anos" —lançado no Brasil em 2016 pela Três Estrelas e rapidamente esgotado, sai agora em nova edição pela Zahar, com prefácio inédito de Thomas Piketty.

O livro começa com uma anedota perfeita. Em uma festa ao ar livre, conversando com uma advogada "do tipo ativista" e que "luta contra a pobreza", Graeber fala sobre sua campanha para abolir não só a dívida dos países do Terceiro Mundo mas também o próprio FMI. A advogada-do-bem ficou horrorizada: "Mas... mas... esses países de fato pegaram esse dinheiro emprestado! É preciso pagar as próprias dívidas!"

Mesmo na teoria econômica mais conservadora, argumenta Graeber, qualquer empréstimo traz em si um risco e, aliás, é a percepção desse risco que determina as taxas de juros. Se pagar as dívidas fosse realmente obrigatório, o sistema todo ruiria. Apesar disso, a ideia de que "é preciso pagar as próprias dívidas" é tão poderosa justamente porque não é uma afirmação econômica: é uma afirmação moral.

O primeiro objetivo de "Dívida" é demonstrar como o capitalismo, ao longo dos séculos, conseguiu transformar uma relação econômica em uma relação moral. Mas, ao se propor essa tarefa, Graeber atirou num coelho e derrubou um elefante: escreveu a melhor história cultural da humanidade das últimas décadas.

Atualmente, um dos gêneros mais populares do mercado editorial poderia se chamar "histórias do mundo escritas por não historiadores para o público geral". São livros que precisam ser lidos com cuidado: como o assunto é vasto, os autores necessariamente não sabem do que estão falando e precisam se apoiar em alguns especialistas e ignorar outros tantos.

A questão é: quais especialistas? Depende da ideologia do autor. Muitas vezes, essa ideologia é clara e, outras, mais sutil: os guias politicamente incorretos de Leandro Narloch nunca enganaram ninguém, mas dá pra ler os moderados Yuval Noah Harari, Jared Diamond e Steven Pinker e nunca perceber que promovem uma leitura sutilmente conservadora da história.

Em um primeiro momento, o livro de Graeber que mais parece se encaixar nesse gênero é "O Despertar de Tudo: Uma Nova História da Humanidade", escrito com o arqueólogo David Wengrow e publicado em 2021 —no Brasil, chegou no ano seguinte.

Mas ele não é um livro de "história do mundo" e sim de teoria da história, no qual os autores tentam invalidar as premissas de autores como Harari, Diamond e Pinker, também propondo um novo tipo de narrativa histórica, ao mesmo tempo mais imaginativa e também mais rigorosa em relação às evidências.

"Dívida", apesar do título específico, é mais genérico: para um leitor médio que está buscando uma história universal em ordem cronológica, com uma explicação sistemática de como o mundo se tornou o que é hoje e que sirva de contraponto a interpretações conservadoras, "Dívida" é a melhor alternativa. Já "Despertar", talvez até mais brilhante, é o solo de onde sairão as grandes obras historiográficas das próximas décadas.

Graeber morreu de repente em 2020, uma possível vítima indireta da epidemia do Covid-19. Enquanto isso, o terceiro governo Lula está implementando o programa Desenrola, especificamente para desendividar a população. O que diria Graeber?

Impossível abrir o jornal, em qualquer dia, e não se perguntar qual teria sido sua opinião sobre isso ou aquilo, como ele teria feito com que enxergássemos o mundo de modo diferente a partir de uma simples notícia. Em "The Utopia of Rules", ainda inédito no Brasil, ele escreveu: "a maior e mais oculta verdade do mundo é que ele é algo que nós criamos e que podemos facilmente recriar de outra maneira".

Dívida: Os Primeiros 5 mil Anos

  • Preço R$ 149,90 (696 págs); R$ 44,90 (ebook)
  • Autoria David Graeber
  • Editora Zahar
  • Tradução Rogério Bettoni
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