Entidades de energia contestam acordo bilionário entre TCU e turca KPS

Corte afirma ter reduzido conta de luz, mas técnicos do setor falam que não há vantagem para quem paga

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Brasília

O acordo que revê o contrato de fornecimento de energia da empresa turca Karpowership no Brasil foi aprovado nesta quarta-feira (6) pelo TCU (Tribunal de Conta da União). A corte considera a negociação um sucesso, argumentando que conseguiu reduzir o custo para quem paga a conta de luz.

Em um movimento incomum, as entidades de defesa do consumidor e especialista do setor contestaram publicamente o TCU, principal órgão de controle das contas públicas do país.

Ministro relator do processo, Benjamin Zymler destacou que a negociação levou a um benefício financeiro para o consumidor da ordem de R$ 1,6 bilhão, considerando na conta as multas que a KPS vai pagar, e que também foram revistas —caindo de R$ 1,1 bilhão para R$ 336,2 milhões.

Fachada do TCU (Tribunal de Contas da União), em Brasília; órgão tem atuado na conciliação de divergências com empresas privadas - 14-04-23 - Biló /Folhapress

Em contraposição, a Abrace Energia, entidade que representa os maiores consumidores do Brasil, lembra que o contrato original previa a geração de 199 MWmed (mega-watts médios) por um período de 44 meses, sendo o custo total deste contrato de R$ 11,2 bilhões.

Afirmou em nota que, se o contrato tivesse sido rescindido, como previa a lei, os consumidores não iriam pagar aqueles R$ 11,2 bilhões e ainda receberiam R$ 1,11 bilhão via redução de encargo por causa do pagamento da multas.

"A decisão do TCU reduziu a multa em R$ 770 milhões, garantiu um contrato de 44 meses com uma geração firme de apenas 29 MWmed, sendo o custo total de operação estimado em R$ 9,2 bilhões", destacou a entidade.

Somando o perdão da multa e o preço que será pago, o custo para os consumidores será da ordem de R$ 9,97 bilhões. Na prática, o consumidor vai pagar mais por menos.

"No entendimento da Abrace, esse assunto poderia ter sido resolvido pela Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica], que tinha todos os elementos para fechar essa questão no âmbito administrativo, com enormes ganhos para os consumidores", destacou a entidade em nota.

Na avaliação da Abrace, um caso raro em que a segurança jurídica favorecia a quem paga a conta de luz foi atropelado pelo TCU por não incluir os consumidores no processo de conciliação.

"Estamos estarrecidos. Os acordos que o TCU está fechando na área de energia são muito ruins. Não entendo quem consegue defender uma coisa dessas. É aviltante para quem paga a conta", afirmou à Folha o presidente da Frente Nacional de Consumidores, Luiz Eduardo Barata.

Em sua página na rede social, Edvaldo Santana, respeitado técnico da área e ex-diretor da Aneel, qualificou a decisão como um "caracu elétrico".

"O consumidor, como sempre, ficou no osso. Aliás, caracu significa tutano do osso", escreveu.

A empresa turca, também conhecida pela sigla KPS, tem 4 de um grupo de 11 usinas que venceu o PCS (Procedimento Competitivo Simplificado), leilão emergencial realizado em 2021 no auge da crise hídrica, mas não foram acionadas no prazo previsto no contrato.

Estamos estarrecidos. Os acordos que o TCU está fechando na área de energia são muito ruins. Não entendo quem consegue defender uma coisa dessas. É aviltante para quem paga a conta

Luiz Eduardo Barata

presidente da Frente Nacional de Consumidores

O preço do certame foi elevado. Cerca de R$ 1.600 pelo MWh (megawatt-hora). Por isso, especialistas do setor de energia sempre defenderam o cumprimento do contrato —o que na prática significa a rescisão em caso de atraso.

Em agosto, a Aneel suspendeu as outorgas das usinas da KPS, Karkey 013, Karkey 019, Porsud 1 e Porsud 2. Os projetos são powerships, ou seja, barcos com geradores de energia movido a gás, e ficam ancorados na Baía de Sepetiba (RJ).

Na sequência, a KPS foi para Justiça e também entrou com recurso na agência. A diretoria da Aneel, no entanto, protelou a avaliação do pedido.

Alegando que a energia era necessária, que a KPS e outras empresas do PCS iriam judicializar a discussão, onerando ainda mais o consumidor, o MME (Ministério de Minas e Energia), já no governo do PT, solicitou ao TCU que fizesse a mediação dos casos.

Os contratos estão sendo renegociados pela SecexConsenso (Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos). O organismo foi criado no início de 2023 por iniciativa do presidente do TCU, ministro Bruno Dantes, para buscar equilibrar discordâncias entre entes públicos e privados.

Nas discussões sobre energia, atuam na negociação representantes do TCU, da Aneel, do MME e da empresa.

A Frente dos Consumidores de Energia tem questionado a falta de representantes de quem paga a conta e da CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), que firma os contratos com as empresas de energia.

Em junho, o TCU já havia aprovado um acordo preliminar para a KPS, que fica em vigor até dezembro. A nova negociação define o restante do período.

O órgão também anunciou, em agosto, a revisão do contrato das usinas emergenciais do Banco BTG, que entraram no prazo, mas tiveram os parâmetros do contrato alterados.

Em nota à Folha para comentar a decisão do TCU, a Karpowership afirmou que escolheu o Brasil como centro de seus investimentos na América do Sul e que a solução consensual aprovada pelo TCU reforça os seus compromissos de atuar em colaboração com as autoridades brasileiras para aumentar a segurança do Sistema Interligado, respeitando a legislação local.

Afirmou ainda que está ampliando a atuação no país, onde pretende contribuir inclusive com a transição energética.

Em nota à Folha, o MME reforçou a defesa pela revisão do PCS no TCU, afirmando que as decisões são embasadas por "manifestações técnicas robustas", da pasta, da corte, da Aneel e órgãos de AGU (Advocacia-geral da União).

Lembrou que o leilão foi idealizado, ainda no governo anterior, por causa da crise hídrica, com entrega inflexível (contínua) de maio de 2022 a dezembro de 2025.

"Diante dessa situação desastrosa para os brasileiros e brasileiras, com custos bilionários para os consumidores, além da existência de decisões judiciais impondo a manutenção desses contratos onerosos, o Ministério de Minas e Energia buscou equacionar esse passivo da maneira mais célere e eficiente possível", afirmou, destacando que é nesse contexto que apoiou solução consensual

Afirmou ainda que as usinas estão se mostrando importantes para a segurança do sistema, pois o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) já precisou das usinas termelétricas da KPS.

"Portanto, em que pese um número pequeno de entidades, entre as dezenas que existem no setor elétrico, com interesses divergentes, tenha manifestado discordância sobre o acordo histórico firmado pela corte de contas, este MME reitera que o compromisso com a transparência, eficiência e legalidade continuará norteando as ações desta pasta."

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