Escritórios 'instagramáveis' podem atrair os jovens de volta para o trabalho presencial?

Redes sociais agora mostram uma vida corporativa que tenta parecer elegante

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Emma Goldberg Anna Kodé
The New York Times

No ano passado, para retomar o trabalho presencial de seus cerca de 50 funcionários pelo menos dois dias na semana, a marca de cereais Magic Spoon, lançada em 2019, lançou mão de um recurso diferente: no espaço destinado à área de trabalho, as salas de conferências foram planejadas para parecer caixas de cereais.

Dentro da sala "muffin de mirtilo", as paredes são naturalmente pintadas de azul –mas não um azul qualquer, o "do mar ao mar brilhante", conforme o nome na lata de tinta, que se assemelha à cor calmante comum em quartos de bebê.

Centralizada na sala, há uma mesa vermelha e oval, decorada com suculentas falsas em vasos roxos. Ao lado, a outra sala de conferências, que recebe o nome de "frutada", tem paredes vermelhas extravagantes e cadeiras vintage estofadas em tecido amarelo com estampa de abacaxi.

Escritórios da Magic Spoons, onde salas de reunião se parecem com caixas de cereal, em Nova York
Escritório da Magic Spoons, onde salas de reunião se parecem com caixas de cereal, em Nova York - Bryan Anselm - 28.set.2023/The New York Times

No fim do corredor fica a sala "maple waffle", cujas paredes são de um tom marrom suave, na qual são feitas as reuniões mais sérias com investidores. "Um dos valores fundamentais de nossa empresa é: 'Seja um Froot Loop em um mundo de Cheerios.' Nosso intuito era que o escritório enfatizasse isso", comentou Greg Sewitz, cofundador da Magic Spoon.

O espaço também reflete o que designers, executivos e trabalhadores descrevem como uma tendência que não é totalmente nova, mas está se tornando a preferida entre determinadas startups, empresas de tecnologia e outros empregadores abastados que disputam talentos jovens.

Esses espaços podem ser chamados de "escritórios invejáveis" –quando as empresas tentam combinar o conforto de uma sala de estar com o glamour das férias– e são frequentemente caracterizados por paredes coloridas, móveis estofados e livros de mesa cuidadosamente selecionados, atraindo os trabalhadores com muitas possibilidades para preencher suas redes sociais com fotos tiradas no local de trabalho.

"Estamos pegando referências de casa e de hospitalidade no Pinterest", disse Jordan Goldstein, codiretor administrativo da Gensler, uma das maiores empresas de arquitetura do mundo, na qual os clientes recentemente têm solicitado áreas verdes e assentos confortáveis.

Como exemplo, ele citou a nova sede do hotel Marriott, que a Gensler reprojetou para incorporar sofás, cantos de biblioteca e uma árvore crescendo no meio do saguão. Recentemente, a empresa também reformou os escritórios do Barclays, do Pinterest e do LinkedIn nesse mesmo estilo.

Mas, para alguns funcionários, todas as plantas falsas, as paredes decoradas e as camas para cachorros estilizadas às vezes parecem projetadas para mascarar a inconveniência de arranjos idealizados para economizar espaço, como mesas compartilhadas, nas quais os trabalhadores não têm mais o próprio espaço de trabalho.

Antes da propagação do trabalho remoto, as designers por trás do escritório da Magic Spoon, Laetitia Gorra, de 41 anos, e Sarah Needleman, de 33, projetaram o clube social feminino The Wing –palácio predominantemente rosa, com almofadas decorativas e estantes de livros organizados por cores–, que encerrou suas atividades no ano passado.

Laetitia Gorra, left, and Sarah Needleman, the designers of Magic SpoonÕs offices, in the SoHo neighborhood of Manhattan on Sept. 28, 2023. (Bryan Anselm/The New York Times)
As desingers Laetitia Gorra (esq.) e Sarah Needleman (dir.) - Bryan Anselm - 28.set.2023/The New York Times

Em 2020, Gorra fundou a empresa de design Roarke, na qual Needleman gerencia as operações. A dupla ajuda os executivos a descobrir como um escritório deve ser num momento em que muitos trabalhadores não estão convencidos da necessidade de estar em um.

"Nossa proposta é muito focada na retenção de funcionários. Voltamos de um período em que as pessoas trabalhavam no sofá, com calça de ioga; o que podemos fazer para que elas queiram retornar ao escritório?", afirmou Gorra.

É um ciclo já conhecido pelos americanos: quando as normas de trabalho mudam, o design do escritório também se modifica. Em uma pesquisa conduzida pela Gensler, no ano passado, com 14 mil trabalhadores do mundo inteiro, quase 40% disseram que seus empregadores redesenharam o escritório durante a pandemia.

De campos de cubículos a espaços criativos

Há pouco mais de meio século, os cubículos eram a grande novidade no ambiente corporativo. Nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial, a demanda de trabalho em escritório estava crescendo, impulsionada por uma economia em expansão e pela crescente entrada de mulheres no mercado.

"Cientistas" de gestão, como Frederick Winslow Taylor, obcecado por eficiência, já tinham defendido que as empresas deveriam tratar o trabalho de escritório de maneira semelhante ao trabalho de fábrica –momento em que surge o conceito de design modular, que acabou se tornando um agrupamento de pessoas apertadas em cubículos.

Segundo historiadores que estudam ambientes de trabalho, como Nikil Saval, os campos de cubículos lembravam às pessoas seu lugar na hierarquia laboral, com os mais altos escalões geralmente recebendo mais espaço.

 An office worker in Montgomery, Ala., on April 16, 2020. Modular office furniture, which became cubes that tightly packed people together, was introduced in the years after World War II.  (Bob Miller/The New York Times)
Escritórios de cubículos foram introduzidos nos EUA nos anos após a Segunda Guerra Mundial - Bob Miller - 16.abr.2020/The New York Times

"Você ficava cercado por centenas de pessoas como você, o que acabava gerando a sensação de ser substituível", explicou Sheila Liming, professora associada da Faculdade Champlain e autora do livro "Office", sobre a história do design.

É difícil olhar para um campo de cubículos e imaginar que isso estimularia ideias inovadoras, que era o que as empresas buscavam no mundo da tecnologia nos anos 1990, depois que Bill Gates e Paul Allen tornaram um mito os primórdios da Microsoft dentro de uma garagem.

As startups de tecnologia queriam que os trabalhadores saíssem daquele ambiente estéril e passassem a ter um senso de propriedade sobre seu trabalho e uma sensação de crescimento potencial ilimitado.

Essa foi, em parte, a ideia que deu origem a uma nova fase do design de escritório: a utopia tecnológica.

Carolyn Chen, socióloga que passou anos pesquisando a vida nas empresas de tecnologia na área da Baía de San Francisco, onde fica o Vale do Silício, observou alguns dos elementos físicos que distinguiam seus campi: havia lanches gratuitos (copos de manteiga de amendoim, batata frita, manga desidratada) e às vezes bebidas alcoólicas (cerveja e frosé, drinque feito com vinho rosé), além de cápsulas de soneca e cadeiras de massagem.

"O Google revolucionou o escritório investindo na ideia de fazer um convite permanente para que os trabalhadores não só cumprissem seu trabalho, mas também passassem ali seu tempo livre. A palavra 'campus' é realmente significativa", disse Liming.

Mas trabalhar na cama é ainda mais atraente do que em um campus. Portanto, quando a pandemia chegou e o ambiente de trabalho se transformou em lar – dessa vez em sentido literal, e não figurado –, os gerentes tiveram de repensar o significado de tornar o escritório um destino convidativo.

Estética das redes sociais

Quando a equipe da Magic Spoon se mudou para o novo escritório no início deste ano, Sarah Bourlakas, de 26 anos, que era gerente sênior de mídias sociais e comunidade, tirou uma foto para postar em seu Story do Instagram com o seguinte texto: "Ao vivo na sede da empresa."

Essa "instagramabilidade" não é por acaso. Brooke Erin Duffy, professora associada de comunicação da Universidade Cornell, argumenta que os empregadores estão usando a estética das redes sociais da mesma maneira que estão implantando benefícios tradicionais, como café, ou menos tradicionais, como o show de Lizzo que o Google promoveu para seus funcionários.

É tudo uma construção de imagem corporativa. As empresas agora querem que o design de seus escritórios seja visível não só para os colaboradores, mas também para todos nas redes sociais, o que, segundo Duffy, está relacionado à "retenção de funcionários ao impulsionar uma imagem divertida, agradável e supersocial do ambiente de trabalho".

Antes, Hollywood e a televisão desempenhavam o papel de mostrar aos jovens o glamour da vida de escritório, como em "O Diabo Veste Prada", "A Rede Social", "Mad Men", "Os Estagiários" e "The Mary Tyler Moore Show", observou Duffy.

Agora, é nas redes sociais que as pessoas romantizam, cada vez mais, esse ambiente –especialmente no TikTok, no qual criadores de conteúdo como "Corporate Natalie" brincam com as peripécias profissionais que muitos jovens, que começaram a carreira durante a pandemia, ainda não experimentaram.

Mais da metade dos trabalhadores afirma que se identifica com seu emprego, de acordo com resultados consistentes das pesquisas de 1989 a 2014 da empresa Gallup, de modo que não é surpresa que os jovens queiram colocar em seu perfil nas redes sociais o que é tão essencial para seu senso de identidade.

E, quanto mais moderno for o ambiente, maior a probabilidade de os trabalhadores compartilharem que sua carreira é mais emocionante do que a monotonia dos cubículos retratados em "Como Enlouquecer Seu Chefe".

Mas em alguns desses novos "escritórios invejáveis", em que funcionários com fones de ouvido antirruído se curvam sobre mesas compridas, existem lacunas entre o que estão recebendo e o que querem receber. Eles têm adesivos de parede e coleções de livros cuidadosamente selecionados, mas aquilo de que realmente precisam –dizem alguns– é privacidade.

Barulhos e espirros

Cerca de dez minutos a pé da Magic Spoon, está o escritório da agência de comunicação M&C Saatchi Sport & Entertainment, que também foi reprojetado pela Roarke em 2021. Lá, os empregados se sentam a longas mesas comunitárias de madeira, diante de tijolos expostos, cercados por uma selva de vegetação artificial. Na mesa de centro, em cima de um livro de Keith Haring, repousa um cacho único de uvas falsas.

Maddy Franklin, de 27 anos, diretora de arte sênior da agência, comentou que há elementos do novo escritório que ela adora, como a hospitalidade com os cachorros, mas, por causa do sistema de mesas compartilhadas, ela não tem mais lugar para guardar itens pessoais.

Também se tornou complicado conseguir um lugar com um monitor. Quando está trabalhando em um projeto grande e quer garantir um assento muito disputado, "tento chegar um pouco mais cedo ao escritório".

Robin Clark, de 58 anos, que trabalha como diretora de marketing em uma organização de saúde sem fins lucrativos, sente falta dos dias anteriores à transição de seu escritório para um espaço aberto. Quando a organização fez uma reforma completa em 2018, os executivos tentaram tornar o espaço convidativo, criando áreas de lounge com sofás de cor vibrante como laranja, azul-turquesa e verde-limão.

Mas a falta de barreiras entre as mesas significa que o dia de trabalho de Clark tem um cenário constante e barulhento: maçãs sendo mastigadas, colegas espirrando. Quando ela começou a trabalhar em casa durante a pandemia, percebeu que o que queria era paz e sossego: "As paredes do cubículo dão pelo menos a sensação de que você tem alguma privacidade."

Outros trabalhadores também estão se sentindo nostálgicos em relação àquela era. É o caso de Jerry Gulla, de 56 anos, gerente sênior de engenharia, que vive em Winchester, Massachusetts, e que começou sua carreira em 1989, quando os cubículos eram a norma. Ao longo dos anos, enquanto trabalhava em escritórios com espaços abertos e sistemas de mesa compartilhada, ele sentiu falta de poder personalizar sua mesa –ele mesmo, sem a ajuda de uma empresa de design.

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