Descrição de chapéu mudança climática

PL do carbono autoriza estados a venderem créditos de áreas privadas

Relator da proposta alterou trecho que incomodava governadores do Norte, e texto pode ir a plenário até terça (19)

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São Paulo

Em busca de consenso com os governadores da Amazônia Legal, o relator do projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono, o deputado Aliel Machado (PV-PR), retirou trecho do texto que inviabilizava os estados a venderem créditos gerados em todos os seus territórios, inclusive em áreas privadas, no mercado voluntário.

Nas últimas semanas, esse foi o principal ponto de entrave na tramitação do texto na Câmara dos Deputados.

A expectativa é que o texto vá ao plenário da Câmara até esta terça-feira (19). Na tarde desta segunda (18), Machado se encontrou com o presidente da Casa, o deputado Arthur Lira (PL-AL).

Serra do Lajeado, no Parque Estadual do Lajeado, em Palmas (TO)
Serra do Lajeado, no Parque Estadual do Lajeado, em Palmas (TO) - Fernando Alves/Governo do Tocantins

O relator vinha resistindo à pressão dos governadores. Um rascunho do relatório ao qual a Folha teve acesso no começo do mês, por exemplo, dizia que os estados teriam o direito de desenvolver projetos apenas em áreas públicas, como em unidades de conservação.

No documento anterior, o relator determinava que os programas de crédito de carbono de entes públicos "devem respeitar a propriedade privada e o usufruto alheios, sendo possíveis tais programas apenas nas áreas em que determinado ente público tenha, cumulativamente, posse, domínio e usufruto, e desde que não haja sobreposição com área de posse, domínio ou usufruto de terceiro".

Agora, o relatório que deve ser votado até esta terça prevê que os mercados jurisdicionais, como são chamados os sistemas estaduais de crédito de carbono, podem englobar todo o território do estado.

O texto determina que aqueles proprietários ou comunidades indígenas que quiserem desenvolver projetos privados de crédito de carbono deverão avisar à ConaRedd+, órgão federal responsável por analisar projetos voltados à redução de emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento e da degradação florestal.

"Entes públicos [devem] se abster, imediatamente e sob qualquer forma, da venda de créditos de carbono relativa a tais imóveis tão logo qualquer potencial gerador de crédito de tais imóveis comunique por escrito ao ConaRedd+, uma única vez e sem formalidade especial exigida, não ter interesse em participar do programa jurisdicional, sendo nula de pleno direito qualquer venda realizada por qualquer ente público relativa a tais imóveis após tal comunicado", determina o relatório atual.

Um crédito de carbono equivale a uma tonelada de CO2 que deixou de ser emitida na atmosfera.

Na prática, a mudança no relatório permite o funcionamento dos mercados jurisdicionais, avaliados pelos governadores da Amazônia Legal como essenciais para a arrecadação de recursos para políticas ambientais.

Como várias das unidades de conservação da Amazônia ainda não estão regularizadas, os estados argumentam que, se o relatório de Machado fosse aprovado da forma como estava, os estados não conseguiriam arrecadar nada com o mercado voluntário.

Hoje, Acre e Tocantins já têm projetos do tipo. No modelo tocantinense, por exemplo, o governo mediu a variação do desmatamento de 2016 a 2020 em relação aos cinco anos anteriores de cada ano em todo o território e contabilizou que o estado gerou 40 milhões de créditos de carbono.

O governo do Tocantins fechou um acordo com a suíça Mercuria, empresa do setor de energia. Por meio dele, a companhia dará R$ 40 milhões ao estado para a validação e registro dos créditos. Após esse processo, a empresa comprará, a preço de mercado, todos os créditos já gerados.

O contrato prevê também que a Mercuria comprará todos os créditos desenvolvidos até 2030, quando o Brasil espera zerar o desmatamento.

Mas o relatório de Aliel proíbe a venda antecipada ou promessa de venda relativa a créditos de carbono jurisdicionais referentes a período futuro, o que inviabilizaria essa parte do contrato —esse trecho ainda incomoda os governadores.

De acordo com o governo do Tocantins, 50% do total arrecadado será direcionado para ações de estruturação, monitoramento, controle e reorganização dos órgãos ambientais. Outros 20% irão para povos originários e tradicionais; 20%, para o agronegócio; e 10%, para unidades de conservação.

Os valores serão revertidos em políticas públicas e não chegarão diretamente à conta de nenhum proprietário rural. A expectativa do governo é que os recursos sejam suficientes para reverter o atual aumento na taxa de desmatamento do estado.

Em Tocantins, hoje, qualquer proprietário que queira desenvolver seu próprio projeto deve avisar ao governo estadual e se submeter a uma análise da Secretaria de Meio Ambiente. Mas, caso o PL seja aprovado da forma como o relatório está hoje, a análise passará a ser feita apenas pela ConaRedd+.

Por avançar sobre terras privadas, os mercados jurisdicionais dificultam a operação de desenvolvedoras privadas de crédito de carbono. Proprietários rurais, por exemplo, já vêm desenvolvendo projetos privados de crédito de carbono no país.

Apesar de mais caros, esses projetos podem gerar retornos muitos maiores e individuais. Não à toa, o agro tem sinalizado ser contra os mercados jurisdicionais.


A discussão sobre o mercado de carbono

O que se debate na Câmara

  • Deputados analisam desde outubro projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono no país
  • Proposta semelhante foi aprovada no mesmo mês no Senado e enviada para a Câmara
  • O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), apensou o texto aprovado no Senado àquele criado na Câmara
  • O deputado Aliel Machado (PV-PR) é o relator da proposta

O que é o mercado regulado de carbono

  • O sistema, em discussão agora na Câmara, estabelece limites de emissões de carbono para as empresas
  • Aquelas que não cumprirem seus limites precisam comprar cotas leiloadas pelo órgão gestor do mercado —ligado ao governo federal
  • Já aquelas que conseguiram emitir menos do que o limite ganham cotas que podem ser vendidas

O que é o mercado voluntário de carbono

  • Ao menos até agora, não há gestão do governo nesse modelo
  • Empresas privadas entram em contato com proprietários de terras ou com comunidades indígenas e povos tradicionais e mensuram quantos créditos de carbono aquela área gerou nos últimos anos ou quantos serão gerados a partir de um projeto futuro
  • Esses créditos são vendidos para empresas que querem compensar voluntariamente suas emissões

O que o mercado regulado tem a ver com o mercado voluntário

  • A proposta hoje em discussão na Câmara prevê que créditos gerados no mercado voluntário podem atuar como cotas no mercado regulado, desde que analisados pelo órgão gestor
  • Será estipulado, porém, um limite de compras no mercado voluntário para a compensação oficial de emissões
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