Estados articulam para ter controle sobre mercado de crédito de carbono

Proposta de emenda foi apresentada a deputados e tem entre seus fiadores o governador Helder Barbalho

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Brasília

Uma proposta de emenda defendida por governadores busca dar aos estados a possibilidade de controlar o mercado de créditos de carbono, inclusive os de propriedades privadas.

A minuta, à qual a Folha teve acesso, circulou entre a cúpula da Câmara dos Deputados, passando pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e seus aliados.

O texto prevê a possibilidade de criação de mercados de carbono regulados pelos estados, aos quais ficariam submetidos os créditos emitidos por propriedades privadas.

Deputados durante sessão da Câmara
Deputados durante sessão da Câmara - Pedro Ladeira - 23.mar.2023/Folhapress

Caso a possibilidade seja aceita, governos estaduais podem ter controle sobre a regulação desses mercados, definindo seus parâmetros e metas, por exemplo.

Parlamentares ouvidos pela reportagem sob anonimato afirmam que a ideia foi apresentada ao relator do projeto, o deputado Aliel Machado (PV-AL), mas não foi bem recebida por todos os deputados, com o receio de que os estados ganhem controle e passem a regular o mercado de carbono nacional.

Esse é um dos motivos travando a tramitação do projeto, um dos mais importantes do pacote de transição energética impulsionado por Lira às vésperas da COP 28, a conferência mundial sobre clima da ONU (Organização das Nações Unidas).

O presidente da Câmara pretende ir ao evento, que começa nesta quinta-feira (30), e nas últimas semanas passou a impulsionar uma série de projetos, inclusive o de crédito de carbono, mas também o de biocombustíveis, das eólicas offshore, do chamado Fundo Verde e do hidrogênio verde.

Este último, inclusive, foi o único aprovado até agora, nesta terça-feira (29). Os outros não foram deliberados por falta de consenso quanto aos respectivos textos.

"Com muita sinceridade, como ajo sempre com meus companheiros neste plenário, ou hoje [terça] ou amanhã [quarta] vou sentar e votar esses projetos, não tem postergação", afirmou Lira após a votação do projeto do hidrogênio verde.

"Uma coisa é fato, nós iremos vencer as pautas que estão marcadas, inclusive com eólicas offshore", completou.

O projeto das eólicas offshore, aquelas construídas em alto-mar na costa brasileira, inclui uma série de jabutis que podem aumentar a conta de luz em R$ 28 bilhões.

O relator do texto, Zé Vitor (PL-MG), estuda retirar parte destes dispositivos, especificamente os que tratam da transferência de custos da cadeia energética para o chamado mercado livre (composto, por exemplo, por grandes indústrias), e votá-los separadamente.

Já no crédito de carbono, outro ponto de divergência é a entrada do agronegócio dentro do mercado regulado, aquele no qual os integrantes do setor são obrigados a cumprir com as obrigações de redução de emissões de gases de efeito estufa.

No texto que foi aprovado no Senado, a bancada ruralista conseguiu aprovar uma emenda que deixa a área apenas no mercado voluntário, do qual é facultativa a participação e, consequentemente, o cumprimento das metas.

O relator, Aliel Machado, fez uma proposta para entrada do agronegócio no mercado regulado com a garantia de um período de transição, além da possibilidade de vender créditos por evitar o desmatamento ilegal em propriedades rurais.

A medida ainda é analisada pela bancada ruralista. Machado argumenta que o mecanismo tende a crescer mundialmente e o Brasil pode ser uma das maiores potências na área. Por isso, o setor perderá dinheiro se não aceitar as condições especiais para participar do mercado, defende o relator.

Outro ponto de divergência, o acréscimo dos programas estaduais de crédito vem sendo debatido por parlamentares nas reuniões sobre o tema.

O texto criaria o dispositivo dos "programas jurisdicionais" de crédito de carbono, que seriam uma "iniciativa criada por um estado" voltada a este mercado.

Durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), na falta da regulamentação de um mercado nacional de carbono, alguns estados passaram a criar suas próprias legislações para o setor. Isso são os mercados jurisdicionais, ou seja, aqueles restritos a uma determinada jurisdição.

Nesse cenário, também surgiram uma série de iniciativas particulares questionadas por instituições como o Ministério Público, como o caso de empresas que vendem créditos em áreas de preservação ou cotas em parcerias com indígenas.

Helder Barbalho é um dos fiadores do acréscimo dos programas jurisdicionais no projeto de lei em tramitação na Câmara.

A Folha questionou o governador por meio de sua assessoria de imprensa e foi respondida pela Secretaria de Meio Ambiente do Pará, que afirmou que os sistemas jurisdicionais "não impedem projetos privados".

"Os estados da Amazônia estão construindo os seus sistemas jurisdicionais de REDD+ [incentivo para redução de emissões] e o que já vem sendo elaborado pelos estados precisa ser incorporado ao projeto de lei que tramita agora na Câmara", defendeu o órgão, em nota.

"O Pará está buscando gerar créditos de alta integridade, além da criação de uma empresa estatal para a originação desses ativos", completou o texto.

O Pará atualmente tem apoio da Noruega para criar o seu próprio mercado de carbono, e o governador já defendeu a proposta publicamente.

"A ideia é que tenhamos uma agência estadual para regular o mercado", afirmou ao jornal Valor Econômico, em março. "Vamos criar um processo em que parte da receita seja do proprietário e parte do poder público", completou.

A minuta apresentada a deputados vem sendo debatida e já teve alguns trechos atenuados, por exemplo para não impedir a existência de programas de crédito de carbono particulares.

Outro trecho do texto prevê que essas iniciativas poderiam ser "aninhadas" aos mercados regionais, e os governos teriam participação, estipulando que os créditos sejam negociados "descontando da contabilidade estadual".

Também teriam que ser preservadas métricas alinhadas aos parâmetros da ONU e salvaguardas socioambientais.

Atualmente, estados como Tocantins e Acre já criaram seus mercados estaduais de crédito de carbono.

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