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Brasil de Lula aposta em retorno ao capitalismo estatal, diz Financial Times

Presidente tem planos para impulsionar a economia, mas críticos dizem que ele tenta reviver estratégia já desacreditada

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Michael Pooler Bryan Harris
Recife e São Paulo | Financial Times

Sob o sol escaldante, trabalhadores de macacão e capacete estão dando os últimos retoques em um empreendimento industrial que, até recentemente, parecia destinado a permanecer inacabado.

Um complexo de chaminés e tubulações, o projeto Abreu e Lima foi lançado originalmente em 2005 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva como a primeira refinaria de petróleo do Brasil em décadas. Acabou se tornando uma das mais caras do mundo.

Depois que as estimativas de custo subiram para US$ 20 bilhões —nove vezes o orçamento inicial—, o investimento seria usado pelos críticos de Lula como um monumento ao desperdício, corrupção e incompetência durante o governo de seu partido, o PT.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva; Brasil aposta em retorno ao capitalismo estatal para reaquecer economia, diz jornal britânico Financial Times - Gabriela Biló - 11.jan.2024/Folhapress

Envolvido em um esquema de suborno político que desviou bilhões da Petrobras, empresa estatal de petróleo, sua construção foi interrompida em 2014 sob a sucessora escolhida por Lula, Dilma Rousseff, com apenas metade das instalações planejadas em operação.

No entanto, depois que Lula, 78, venceu um terceiro mandato não consecutivo como presidente em 2022, as obras para concluir a refinaria, localizada a uma hora de Recife, foram retomadas.

A expansão da refinaria faz parte de um programa mais amplo de obras públicas que é um pilar dos planos do veterano da esquerda para impulsionar a maior economia da América Latina e tirá-la de um período prolongado de mediocridade.

Desde que voltou ao poder, Lula —que governou anteriormente entre 2003 e 2010— tem buscado fortalecer o papel do Estado em sua tentativa de elevar os padrões de vida estagnados na nação com mais de 200 milhões de habitantes.

De acordo com seu plano econômico, seu governo aumentou os pagamentos de assistência social, relaxou as restrições aos gastos públicos, prometeu melhorias na infraestrutura e revelou uma agenda verde destinada a atrair capital estrangeiro.

"Quero transformar este país em um país de classe média, onde as pessoas possam comer bem, se vestir bem, viver bem, relaxar bem, cuidar de suas famílias", disse ele em uma transmissão online semanal no mês passado. "Os investimentos que estamos fazendo ajudarão o Brasil a crescer".

No entanto, os críticos dizem que sua abordagem mais intervencionista ameaça reviver um modelo desacreditado de desenvolvimento estatista que deu errado no passado.

O Brasil aproveitou o boom global de commodities impulsionado pela China no início do século 21 para se tornar um queridinho dos mercados emergentes, antes de uma queda brutal quase uma década atrás, quando os preços das matérias-primas despencaram.

Os opositores disseram que os gastos excessivos e a interferência política do PT sob Dilma Rousseff foram fatores-chave na pior recessão do país em um século.

Agora, diz Kim Kataguiri, parlamentar da oposição, "o governo está repetindo sua receita fracassada de aumentar impostos, endividar o país e gastar mais em áreas que beneficiam mais as elites do que os mais pobres".

Os funcionários do governo, em seu primeiro ano de administração, defendem seu desempenho apontando indicadores positivos, como queda do desemprego, da inflação e crescimento. As previsões iniciais de crescimento do PIB abaixo de 1% em 2023 feitas por analistas foram revisadas para quase 3% antes dos números do quarto trimestre.

Situado longe de conflitos internacionais e com recursos naturais abundantes —desde hidrocarbonetos e minerais até agricultura e energia renovável— os defensores do Brasil dizem que o país está idealmente posicionado para cumprir seu potencial há muito tempo alardeado.

Mas investidores e economistas permanecem céticos em relação ao plano econômico impulsionado pelo Estado de Lula.

Se ele for visto como tendo perdido o controle das contas públicas, os especialistas alertam que será difícil para o Banco Central continuar reduzindo sua taxa básica de juros, que está em 11,75% e exerce um freio na atividade.

"O Brasil acaba de passar sua segunda década perdida para o crescimento desde a década de 1980, com a renda per capita ainda abaixo dos níveis de 2013", diz Roberto Secemski, economista-chefe do Brasil no Barclays. "O país precisa de maior produtividade e investimentos em capital, o que seria mais viável com taxas de juros mais baixas. O problema está na postura fiscal frouxa do Brasil".

Com a expansão do PIB prevista para desacelerar no próximo ano, o presidente enfrenta uma escolha: seguir um caminho macroeconômico mais moderado ou aumentar os gastos na tentativa de reavivar o crescimento, correndo o risco de repetir a história.

"Precisamos melhorar o que não deu certo antes", diz Abinadade Santos, secretário-geral do sindicato dos metalúrgicos em Recife. Na parede de seu escritório, há uma foto em preto e branco de Lula discursando durante greves nos anos 1970.

Santos tem fé de que o presidente possa cumprir, mas diz que não há espaço para complacência. "Esta é a obrigação do governo de Lula —ver os erros do passado e garantir que não aconteçam novamente".

Localizada na costa do nordeste pobre do Brasil, em um estado construído no comércio colonial de açúcar, a área metropolitana de Recife foi um microcosmo do último boom e recessão do país.

Durante a era do PT, milhares de empregos foram criados pela refinaria e pelo estaleiro Atlântico Sul, que foi inaugurado em 2008 e foi considerado o maior do hemisfério sul.

Isso fazia parte de uma política industrial assinada por Lula com o objetivo de ressuscitar a indústria naval nacional com encomendas de petroleiros e plataformas pela Petrobras.

Mas então, em 2014, uma investigação nacional revelou um esquema de propinas em troca de contratos centrado na gigante do petróleo, levando à prisão de dezenas de políticos e empresários. Lula mesmo cumpriu pena por uma condenação por corrupção que posteriormente foi anulada.

Juntamente com o escândalo, a queda nos preços do petróleo levou a Petrobras a cancelar várias compras de embarcações, causando um grande golpe nos estaleiros domésticos, que já sofriam com estouros de orçamento, atrasos nas entregas e problemas financeiros.

As demissões em massa no porto e complexo industrial de Suape, o vasto local onde fica a refinaria e o estaleiro, repercutiram na economia local.

"Houve um coro de denúncias e um desmantelamento completo do que havia sido pensado como um futuro muito promissor para a região", diz Ecio Costa, professor de economia na UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

A turbulência nacional resultante ajudou a forçar a remoção de Dilma Rousseff do cargo por impeachment em 2016 e manchou o legado de Lula, um ex-sindicalista nascido em Pernambuco que se mudou para São Paulo quando criança.

Durante seu primeiro mandato, ele recebeu elogios por tirar 20 milhões de cidadãos da pobreza em uma das sociedades mais desiguais do mundo por meio de benefícios sociais.

"Quando Lula era presidente, foi uma das melhores épocas aqui em Pernambuco —e talvez em todo o Brasil", diz John Bezerra da Silva, que trabalhava como soldador tanto no estaleiro quanto na refinaria, mas agora trabalha como taxista.

O jovem de 34 anos quer voltar à sua profissão. "As pessoas aqui têm muita esperança de que a refinaria e a construção naval realmente voltem."

Esses sonhos podem se tornar realidade. Agora liderada por um aliado de Lula, a Petrobras planeja fazer novas encomendas aos estaleiros domésticos à medida que embarca em uma grande expansão da produção offshore, prevista para catapultar o Brasil para o topo dos produtores de petróleo bruto.

Mas, para ter sucesso, a indústria terá que superar os fatores que anteriormente a deixaram lutando para ser competitiva e cumprir prazos.

Costa argumenta que o governo deve se concentrar em melhorar as condições para que as empresas privadas prosperem: "Para ter um desenvolvimento rápido, é necessário um ambiente mais favorável aos negócios e aos investimentos".

Isso envolverá enfrentar questões estruturais profundas, como burocracia, infraestrutura logística precária, escassez de mão de obra qualificada e uma burocracia estatal desajeitada. Esses fatores contribuem para o que é conhecido como custo Brasil —o alto custo de fazer negócios no país.

A recente aprovação de uma emenda constitucional para simplificar o complexo sistema tributário do país foi amplamente recebida como um passo na direção certa, com a S&P elevando a classificação soberana do Brasil em um nível, embora ainda esteja abaixo do grau de investimento.

Isso seguiu outras reformas favoráveis ao mercado pelos governos de direita anteriores, incluindo reformas no rígido código trabalhista e na previdência. Sob o antecessor de Lula, Jair Bolsonaro, ministros buscaram privatização e um governo menor.

Mas o desafio é grande. A produtividade do Brasil —a produção por hora trabalhada, crucial para elevar a prosperidade de uma nação— cresceu apenas 0,5% ao ano nas quatro décadas até 2022, de acordo com a FGV.

Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital, diz que o Brasil provavelmente se beneficiará no curto prazo com a flexibilização monetária internacional.

"Mas a capacidade limitada do país de criar impulsionadores internos para a atividade deve manter o crescimento do PIB em taxas modestas", acrescenta ela. A economia cresceu a uma taxa média de apenas 0,5% ao ano na última década.

Em sua busca por estimular o crescimento, o governo Lula recorreu a uma fórmula antiga.

Lançado com pompa em agosto, o novo programa de obras públicas do governo —o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento)— reprisou o nome de duas iniciativas anteriores com históricos duvidosos.

No PAC 1, lançado por Lula em 2007, apenas um quarto dos projetos foi efetivamente entregue, segundo análise da consultoria Inter B. No PAC 2, lançado três anos depois por Dilma Rousseff, o número subiu para 36%.

No entanto, os funcionários insistem que a versão mais recente é diferente. Ela tem como prioridade concluir projetos inacabados e terá maior participação do setor privado por meio de concessões e parcerias.

"É uma ferramenta de planejamento que funcionou no passado, mesmo que houvesse críticas a projetos específicos", diz Guilherme Mello, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

Dos R$ 1,4 trilhões de investimentos planejados até 2026, espera-se que haja R$ 76 bilhões de financiamento federal. O restante deve vir de financiamento bancário, investidores privados e empresas estatais como a Petrobras.

Outro foco importante é promover empreendimentos que combatam o aquecimento global. Brasília espera aproveitar a boa vontade internacional em relação à repressão ao desmatamento na Amazônia.

"Estamos falando de uma nova industrialização. Não estamos planejando trazer de volta a indústria dos anos 1970 ou 1980. Precisamos de uma nova indústria, que esteja combinada com a transformação verde", acrescenta Mello.

A estratégia visa reverter uma chamada "desindustrialização prematura", e os apoiadores de Lula dizem que os primeiros sinais são encorajadores.

A montadora chinesa BYD anunciou no ano passado que começará a produzir carros elétricos no nordeste do Brasil como parte de um investimento de R$3 bilhões.

O presidente local da empresa, Alexandre Baldy, diz que a decisão se deve ao compromisso de Lula com a descarbonização e seu encontro com o fundador da empresa em uma viagem à China.

"O plano econômico do governo é muito positivo", diz Baldy.

A chegada da BYD mostra que os recursos naturais do país podem se transformar em uma "indústria de ponta", segundo o executivo. "Para que paremos de pensar no Brasil como o país do futuro e invistamos no Brasil para que seja o país do presente."

Para auxiliar a produção nacional, o governo está cobrando tarifas sobre veículos elétricos importados.

No entanto, alguns economistas mainstream estão cautelosos em relação ao protecionismo e aos subsídios corporativos, argumentando que a proteção contra concorrentes estrangeiros historicamente levou a uma falta de competitividade na indústria brasileira, como a automobilística.

"Subsídios e incentivos a setores tendem a durar mais do que se imagina, com um impacto menor do que o esperado", diz Gustavo Arruda, economista do BNP Paribas.

E há pouco espaço para manobras no orçamento federal do Brasil, uma vez que cerca de 90% dele é destinado a itens não discricionários, como seguridade social e aposentadorias.

A administração pretende financiar gastos extras com aumento na arrecadação de receitas. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a intenção é acabar com isenções, brechas e evasões, em vez de aumentar a já elevada carga tributária geral do país.

Além das dúvidas sobre a viabilidade disso, a preocupação no meio corporativo é com o aumento dos níveis de endividamento. A dívida pública, atualmente em 74% do PIB, é relativamente alta para uma economia emergente. Céticos alertam para possíveis efeitos colaterais na inflação e na confiança dos investidores.

"Embora não esperemos que [a situação fiscal] desencadeie uma crise, o aumento do endividamento continuará expondo as fragilidades do Brasil", diz Arruda. "A necessidade de ajuste fiscal no futuro pode limitar os investimentos do setor privado."

"A questão mais crítica na mente de todo investidor de longo prazo ou mesmo de curto prazo é a estabilidade fiscal", diz Paulo Bilyk, CEO da gestora de ativos Rio Bravo Investimentos. "Todos terão que ficar de olho nos pecados do passado que estão tentando ser repetidos."

Após o impeachment de Dilma Rousseff, uma emenda constitucional foi aprovada que restringiu o crescimento do orçamento à inflação. Os investidores consideraram isso como a pedra angular da credibilidade fiscal.

Desde o retorno de Lula, ela foi substituída por um conjunto de regras mais flexíveis que, embora imponham certos limites, exigem que os gastos aumentem em termos reais. O novo quadro também promete superávits primários crescentes gradualmente —ou seja, antes dos pagamentos de juros— após o equilíbrio das contas em 2024.

Embora a meta de déficit zero deste ano seja defendida por Haddad, Lula sugeriu que ela pode não ser alcançada. Ele está enfrentando pressão de seu próprio partido para gastar mais antes das importantes eleições municipais em outubro.

Simone Tebet, ministra do Planejamento, defende o novo quadro fiscal como "sustentável" e afirma que os investimentos federais como proporção do PIB estão "muito abaixo da média mundial. Portanto, não há motivo para falar sobre excesso ou ineficiência nos gastos públicos".

Embora Lula afirme que sua passagem anterior pelo cargo seja evidência de sua credibilidade fiscal —seu primeiro mandato de quatro anos é reconhecido por aderir em grande parte à ortodoxia econômica— críticos o acusam de ter iniciado posteriormente uma fase mais expansionista adotada por Dilma Rousseff.

E embora um Congresso poderoso dominado por conservadores possa resistir a mudanças radicais, as dúvidas dos investidores persistem.

A visão de Lula de reviver indústrias pesadas tradicionais enquanto estimula setores inovadores será testada no complexo portuário de Suape.

O gerente geral da refinaria da Petrobras, Márcio Maia, diz que sua expansão dobrará a capacidade de processamento, ajudando a reduzir a dependência das importações de diesel. "É muito importante para a Petrobras e para o Brasil."

No entanto, assim como outros estados do ensolarado nordeste, Pernambuco também é apontado como um potencial polo para o hidrogênio verde (H2) —um combustível limpo produzido a partir de eletricidade renovável.

A governadora Raquel Lyra (PSDB) descreve isso como um "novo ciclo de desenvolvimento".

"E temos uma janela de oportunidade extraordinária", diz ela. "O H2 verde poderia ser exportado para a Europa, que está em crise por causa da guerra na Ucrânia."

O grupo francês de energia renovável Qair está planejando um projeto de H2 verde de R$ 21 bilhões no porto, mas o executivo local Gustavo Silva diz que o setor precisa de regulamentação e incentivos. Um projeto de lei está em tramitação no Congresso.

"O governo precisa criar subsídios para esse mercado", acrescenta ele. "Estaremos competindo com outros países que oferecem cenários altamente competitivos."

O estaleiro Atlântico Sul foi fechado em 2019 e posteriormente entrou em recuperação judicial. Mas, à sombra de suas gigantescas gruas gêmeas, a atividade retornou com manutenção, reparos e fabricação de equipamentos para plataformas de petróleo.

O CEO Roberto Brisolla diz que o negócio já estava melhorando a produtividade antes de sua crise, atingindo níveis de produção por trabalhador não muito distantes dos líderes mundiais sul-coreanos.

Agora, está diversificando sua carteira de pedidos para não depender da Petrobras no futuro, de olho em oportunidades como torres para parques eólicos offshore.

"Desse governo, vemos um plano", diz Brisolla. "É um momento de renovação, há expectativas e otimismo. Mas ainda há um longo caminho a percorrer."

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