Descrição de chapéu Folhainvest

Crédito privado ainda sente efeito da crise na Americanas

Prêmio de risco pago nas emissões de debêntures recua, mas permanece em nível pré-crise da varejista

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A divulgação do rombo bilionário da Americanas, em janeiro de 2023, abalou o crédito privado brasileiro. Um ano após o evento, que se agravou com o caso Light, esse mercado ainda não se recuperou plenamente. Enquanto a aversão ao risco persiste, a melhora gradativa desde então é fruto de um cenário macroeconômico mais positivo e de emissões de debêntures do setor de saneamento.

"Não podemos dizer que o mercado de crédito privado se recuperou completamente do episódio Americanas. Ainda não voltamos ao patamar [de spread anterior], mas tem como a taxa cair para o nível pré-Americanas", diz Marcelo Mello, presidente da SulAmérica Vida, Previdência e Investimentos.

Mulheres observam painel eletrônico da B3, a Bolsa de Valores de São Paulo
Mulheres observam painel eletrônico da B3, a Bolsa de Valores de São Paulo; negociação de debêntures ainda não retomou patamar pré-crise da Americanas - Amanda Perobelli /REUTERS

A taxa a que Mello se refere é o prêmio de risco pago pelos títulos. Ele se traduz no spread, a diferença entre o retorno desses papéis e o CDI, taxa que acompanha a Selic (atualmente em 11,75%).

O escândalo contábil da varejista e a crise na concessionária de energia aumentaram a percepção de risco do mercado, que considerou a possibilidade de contaminação sistêmica, com uma quebra em cadeia de outras emissoras. Americanas e Light são emissoras de diversos títulos de dívida, que estão com pagamentos suspensos. A desconfiança do mercado é que outras companhias também viessem a faltar com suas obrigações.

"Esse episódio colocou em xeque a credibilidade de diversas instituições do mercado financeiro. Desde os bancos, que não conseguiram pegar isso, até as agências de rating. Fora os auditores financeiros e os acionistas de referência [LTS], que também têm a Ambev", diz Caio Domenico Schettino, diretor de alocação da Criteria Investimentos.

E, quanto maior a percepção de risco, maior o retorno ofertado, já que investidores cobram mais para financiar as companhias mais arriscadas. Além disso, as debêntures (títulos de dívida das empresas) perderam valor de mercado, com detentores dos papéis se desfazendo deles a qualquer preço. E a taxa remuneratória reflete isso numa relação inversamente proporcional. Quando o ativo fica mais barato, seu juro tende a subir, e vice-versa.

Segundo dados da gestora JGP, antes de a Americanas revelar as suas "inconsistências contábeis", em 11 de janeiro do ano passado, o spread das debêntures brasileiras cuja rentabilidade está atrelada ao CDI era de 1,85%. Ou seja, uma debênture pagava 1,85% a mais que um CDB que rende 100% do CDI, por exemplo.

Na semana seguinte, esse spread chegou a 837,67%, segundo dados da gestora JGP. Sem considerar ativos da Americanas, ele estava em 2,16%.

"A precificação de tudo no mercado mudou porque o psicológico do investidor foi muito afetado. Virou quase uma caça às bruxas, de quem seria a próxima Americanas, se alguma empresa usava os mesmos artifícios de maquiagem financeira", diz Domenico.

Em fevereiro, o estresse do mercado se agravou e o spread chegou a 3,95%, maior patamar desde 2020, quando o mercado de crédito privado sofreu forte desvalorização com o início da pandemia de Covid-19. A partir do segundo semestre de 2023, essa diferença de juros passou a baixar e, atualmente, voltou a 2,16%. Isso quer dizer que o mercado ainda cobra mais para financiar as empresas em razão do episódio Americanas.

"Até empresas sólidas tiveram que subir o spread em razão da Americanas. O mercado fica cauteloso, acha que vai contaminar todas as empresas, mas não é o caso", diz Vinicius Romano, diretor de renda fixa e analista CNPI da Suno Research.

De acordo com o especialista, no ano passado era comum encontrar debêntures no mercado que pagavam uma taxa de remuneração de 6,5% a 7%, no caso das atreladas à variação do IPCA. Agora, diz ele, o máximo que se encontra é 6%.

Não foi só o spread, a oferta também foi afetada. Em relação a 2022, a emissão de debêntures no ano passado (até novembro) caiu R$ 101 bilhões em termos reais (descontando o IPCA), indo para R$ 196,6 bilhões, segundo dados da Anbima.

"A ocasião fechou as portas [do mercado]. Muitas empresas que estavam na esteira para emitir [títulos de crédito provado] desistiram. Realmente atrapalhou, foi bem ruim", diz Romano.

A partir da metade de 2023, as emissões voltaram com grandes nomes da infraestrutura, especialmente por causa dos leilões de concessão da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro), que levaram as vencedoras a buscar financiamento via debêntures.

Outro fator que contribuiu para a retomada do crédito privado foi a perspectiva de juros mais baixos no Brasil e nos Estados Unidos. Juros mais baixos são benéficos ao mercado de capitais, pois reduzem o custo de capital e reduzem a atratividade da renda fixa.

"A parte macroeconômica ajudou mais na recuperação do mercado, especialmente no último trimestre, do que a melhora na percepção de risco", diz Romano.

Segundo o setor, a melhora deve se fortalecer em 2024. Mello, da SulAmérica, estima uma emissão maior que em 2023, mas ainda menor que em 2021, quando a Selic estava em níveis historicamente baixos.

Ele também prevê que a tributação de fundos exclusivos pode estimular o setor de crédito privado, especialmente os ativos incentivados, que têm isenção de IR, como debêntures de infraestrutura.

"Com a maior demanda dessas debêntures, a taxa de remuneração vai cair, mas o investidor não deve deixar de priorizar boas geradoras de caixa com baixo endividamento", diz Mello

A recomendação dos especialistas para os investidores é aproveitar essa última janela de oportunidades antes que o spread caia.

"Apesar de a margem ter diminuído, os prêmios ainda estão atrativos e os maiores riscos são o cenário externo e o fiscal brasileiro", diz Romano. Ele recomenda debêntures de infraestrutura, com destaque para empresas de energia, rodovias e saneamento.

Já Domenico Schettino, da Criteria, também vê boas oportunidades no setor de saúde, construção civil, transporte e logística, além das debêntures de infraestrutura. "Você consegue encontrar players que são líderes nos seus mercados", diz.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.