Índia mira economia chinesa, mas receio com governo Modi é entrave

Investimento privado a longo prazo está estagnado e capital estrangeiro, em queda no país

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Alex Travelli
Nova Déli | The New York Times

A economia da Índia está em alta. Os preços das ações estão nas alturas —entre os melhores desempenhos do mundo. O investimento do governo em aeroportos, pontes, estradas e infraestrutura de energia limpa é visível quase em todos os lugares. Analistas projetam um aumento do produto interno bruto (PIB) do país de cerca de 6% neste ano —maior do que o esperado para Estados Unidos ou China.

Há, porém, um problema: o investimento das empresas indianas não está acompanhando o ritmo. O dinheiro que os empresários colocam no futuro de seus negócios —por exemplo, novas máquinas e fábricas— está estagnado. Esse capital está em baixa em proporção à economia da Índia. Enquanto o dinheiro entra nos mercados de ações da Índia, o investimento de longo prazo do exterior tem diminuído.

Primeiro ministro indiano Narendra Modi fotografado na cidade e Nova Déli, na Índia
Primeiro ministro indiano Narendra Modi fotografado na cidade e Nova Déli, na Índia - Adam Abidi/Reuters

Luzes verdes e vermelhas estão piscando ao mesmo tempo. Em algum momento em breve, o governo precisará reduzir seus gastos extraordinários, o que poderia pesar sobre a economia se o dinheiro do setor privado não aumentar.

Ninguém espera que a Índia pare de crescer, mas um aumento de 6% não é suficiente para atender às ambições da Índia. Sua população, agora a maior do mundo, está crescendo. Seu governo estabeleceu uma meta nacional de alcançar a China e se tornar uma nação desenvolvida até 2047. Esse tipo de salto exigirá um crescimento sustentado mais próximo de 8% ou 9% ao ano, segundo a maioria dos economistas.

A falta de investimento privado também pode representar um desafio para Narendra Modi, o primeiro-ministro desde 2014, que se concentrou em tornar a Índia um lugar mais fácil para empresas estrangeiras e indianas fazerem negócios.

Modi está em modo de campanha, enfrentando eleições na primavera e mobilizando a nação para aplaudir seus sucessos. O investimento lento não é algo que executivos, banqueiros ou diplomatas estrangeiros gostam de discutir, com medo de parecerem pessimistas. Mas os investidores estão jogando pelo seguro enquanto a economia sinaliza tanto forças quanto fraquezas.

Um ponto de acordo generalizado é que a Índia deve se beneficiar da desaceleração da China, motivada por uma crise imobiliária em curso. As tensões geopolíticas da China com o Ocidente também representam uma oportunidade para a Índia, ao motivar empresas estrangeiras a transferir a produção da China para outros países.

Sriram Viswanathan, um sócio-gerente de origem indiana da Celesta, um fundo de capital de risco do Vale do Silício, descreve investidores "querendo preencher o vácuo que foi criado na cadeia de suprimentos".

"Isso, eu acredito, é a oportunidade para a Índia", disse ele.

O Banco Mundial aplaudiu o compromisso da Índia com os gastos em infraestrutura, que aumentaram durante a pandemia, quando o setor privado precisava de resgate. Desde então, o governo tem se empenhado ainda mais, pagando por melhorias em estradas, portos e fornecimento de energia que antes desencorajavam o investimento empresarial.

Contudo, o Banco Mundial, cuja missão é impulsionar as economias em desenvolvimento, diz que é crucial que esses bilhões de gastos do governo estimulem um aumento nos gastos corporativos. Seus economistas falam de um "efeito de atração", que ocorre quando, por exemplo, um novo porto ao lado de um novo parque industrial atrai empresas para construir fábricas e contratar trabalhadores. No ano passado, o banco disse que previa uma atração iminente, como tem previsto há quase três anos.

"Para acelerar o crescimento da confiança, o investimento público não é suficiente", disse Auguste Tano Kouamé, diretor do Banco Mundial para a Índia, em uma coletiva de imprensa em abril. "Você precisa de reformas mais profundas para fazer o setor privado investir."

A falta de confiança ajuda a explicar por que os mercados de ações estão batendo recordes, mesmo enquanto os investidores estrangeiros estão se afastando de investir na economia indiana por meio de startups e aquisições.

Os mercados de ações em Mumbai, a capital comercial da Índia, valem quase US$ 4 trilhões (R$ 19,5 trilhões), acima dos US$ 3 trilhões (R$ 14,7 trilhões) do ano passado, tornando-os mais valiosos do que os de Hong Kong. Os pequenos investidores da Índia têm sido uma grande parte disso, mas negociar ações é rápido e fácil, em comparação com comprar e vender empresas. Um recente investimento estrangeiro direto médio anual de US$ 40 bilhões (R$ 196 bilhões) encolheu para US$ 13 bilhões (R$ 64 bilhões) no último ano.

Uma das razões pelas quais as empresas estão observando e esperando para fazer investimentos é o poderoso governo nacional de Modi.

Por um lado, os negócios desejam estabilidade na liderança política, e a Índia raramente, se é que alguma vez, teve um líder tão bem estabelecido. Ele destruiu o principal partido de oposição em três grandes eleições em todo o território de fala hindi em dezembro e parece ser um favorito para a reeleição este ano. Modi é vocalmente pró-negócios.

Seu governo desempenha um papel marcadamente intervencionista na gestão da economia, de uma forma que pode tornar perigoso para as empresas colocarem suas apostas.

Em agosto, o governo anunciou restrições repentinas à importação de computadores portáteis, para estimular a produção interna. Isso levou as empresas que dependem deles a uma queda livre, e a medida foi quase tão rapidamente retirada. Da mesma forma, em julho, o governo impôs uma taxa retroativa de 28% às empresas de apostas online, arrasando uma indústria de US$ 1,5 bilhão (R$ 7,3 bilhões) da noite para o dia.

Empresas próximas a Modi e seu círculo político têm se saído especialmente bem. Os exemplos mais proeminentes são a Reliance Industries de Mukesh Ambani e o Grupo Adani, conglomerados que alcançam diversas áreas da vida indiana. Seu poder de mercado combinado tem crescido gigantescamente nos últimos anos: as ações principais de cada empresa valem cerca de seis vezes mais do que quando Modi se tornou primeiro-ministro.

Algumas empresas menores têm sido alvo de operações de alto perfil por parte de agências de fiscalização tributária.

"Se você não é um dos dois A's" —Adani ou Ambani— pode ser perigoso navegar pelas vias regulatórias da Índia, disse Arvind Subramanian, economista da Universidade Brown que serviu no governo de Modi como principal conselheiro econômico de 2014 a 2018. "Investidores domésticos se sentem um pouco vulneráveis", acrescentou.

Os últimos nove anos do governo Modi melhoraram muitas coisas no ambiente de negócios para todos. Sistemas cruciais funcionam melhor, muitos tipos de corrupção foram controlados e a digitalização do comércio abriu novas arenas para o crescimento.

"O que é realmente complexo e interessante sobre esse fenômeno Modi é que há muita empolgação e manipulação", disse Subramanian. "Mas isso é construído sobre uma base de conquistas".

Ainda assim, autoridades estrangeiras encarregadas de trazer bilhões de investimentos para a Índia reclamam que grande parte das dificuldades tradicionais de fazer negócios na Índia persiste. A mais citada com frequência é a burocracia. Muitos funcionários se envolvem em todos os níveis de aprovação, e continua sendo dolorosamente lento obter decisões judiciais, quanto mais aplicá-las.

Outro fator que impede investimentos de longo prazo é uma ponto fraco persistente na história de crescimento da Índia. A fonte mais poderosa de demanda, aquela que investidores estrangeiros e empresas domésticas cobiçam, está entre os consumidores mais ricos. Em uma população de 1,4 bilhão, cerca de 20 milhões de indianos estão indo bem o suficiente para comprar produtos de consumo europeus, construir casas de luxo e fortalecer o setor automotivo de alto nível.

A maioria do restante da população está lutando contra a inflação nos preços de alimentos e combustíveis. Os bancos estão concedendo crédito aos consumidores de ambos os tipos, mas menos às empresas, que temem que a grande maioria de seus clientes esteja apertando os cintos nos próximos anos.

"No momento, não há evidências de que os investidores se sintam tranquilizados em relação à Índia", disse Subramanian.

Mas ele permanece esperançoso. O crescimento anual, mesmo que inferior a 6%, não é algo para ser desprezado. A infraestrutura nova e melhorada deverá atrair mais investimentos privados eventualmente. Os benefícios da riqueza do consumidor, mesmo que distribuídos de forma desigual, podem ao longo do tempo elevar mais rendas.

A maior incógnita é se a Índia pode conquistar uma parcela significativa dos negócios globais da China. O exemplo mais proeminente é a Apple, a megacompanhia de US$ 3 trilhões (R$ 14,7 trilhões), que está lentamente transferindo parte de sua cadeia de suprimentos para longe da China. Seu caro iPhone tem apenas 5% do mercado indiano. Mas atualmente cerca de 7% dos iPhones do mundo são fabricados na Índia —e o JPMorgan Chase estimou que a Apple pretende aumentar isso para 25% até 2025. Nesse ponto, todas as possibilidades se tornam viáveis para a Índia.

"Devemos manter nossas mentes abertas", disse Subramanian.

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