O bilionário suíço que é visto pelos conservadores dos EUA como o 'novo George Soros'

Coproprietário do Chelsea, Hansjorg Wyss tem uma fortuna estimada em mais de US$ 10 bilhões

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Emily Birnbaum
Bloomberg

Seus olhos estão fixos em um olhar gélido, seus lábios se curvam em um rosnado.

Abaixo do retrato há um aviso: "Influência estrangeira nas eleições dos EUA".

Segue-se um breve dossiê sobre a figura misteriosa na foto —um bilionário suíço "radical" com um "caixa eletrônico de dinheiro obscuro" e um plano secreto para os Estados Unidos, diz o texto.

Trata-se de Hansjorg Wyss, o homem que os conservadores americanos estão considerando como um novo George Soros, o empresário que virou filantropo e um vilão para a direita.

O bilionário suíço Hansjorg Wyss - Reprodução/National Geographic no YouTube

O relatório de oito páginas foi preparado pela Americans for Public Trust (APT), grupo ligado a Leonard Leo, um conservador influente.

E também ilustra como os republicanos estão tentando retratar Wyss como o próximo hipnólogo da esquerda.

À medida que as eleições presidenciais dos EUA de 2024 se aproximam, surgem questões preocupantes sobre o potencial de mais interferência eleitoral.

A comunidade de inteligência dos EUA alertou que a Rússia está novamente usando espiões, redes sociais e mídias estatais para minar eleições democráticas ao redor do mundo.

Mas a campanha conservadora contra Wyss oferece um vislumbre de algo mais familiar: como o "dark money" [dinheiro obscuro, em tradução livre] de difícil rastreamento é usado tanto pela direita quanto pela esquerda nos EUA polarizados de hoje.

De um lado estão operadores como Leo, que passaram décadas pressionando os tribunais americanos para a direita e agora estão arrecadando milhões para grupos contrários ao direitos ao aborto, às iniciativas de combate às mudanças climáticas e empresas e escolas consideradas "woke" [que apoiam causas identitárias, por exemplo].

Do outro lado estão doadores-influenciadores como Wyss, um patrono de longa data de causas relacionadas ao meio ambiente e à saúde.

Wyss, 88, tem poucas conexões conhecidas com Soros, além de uma agenda ambiental parecida. Mas sua riqueza tem circulado há anos pelo ecossistema liberal dos EUA, mesmo quando os democratas têm denunciado o dark money na política americana, que permite que grupos politicamente ativos protejam a identidade de seus doadores.

Para a direita, suas posições políticas, riqueza e origens estrangeiras inevitavelmente provocam comparações com Soros. Soros, que é judeu e sobrevivente do Holocausto, nasceu na Hungria. Os ataques contra ele frequentemente são vistos como antissemitas.

"O melhor tipo de defesa é o ataque", disse Caroline Fredrickson, pesquisadora sênior do Brennan Center for Justice, um think tank de Nova York, sobre o impulso conservador.

Os estrategistas republicanos como Leo querem tirar os holofotes de si mesmos e direcioná-los para liberais ricos como Wyss, disse. Fredrickson trabalhou para organizações que receberam financiamento de Wyss, incluindo o think tank liberal Demos.

Wyss e Leo se recusaram a ser entrevistados para esta reportagem. Quando Leo enfrentou escrutínio por seus laços com juízes conservadores da Suprema Corte em maio passado, ele disse ao New York Times: "Já passou da hora de o movimento conservador estar entre as fileiras de George Soros, Hansjorg Wyss, Arabella Advisors e outros filantropos de esquerda, lutando lado a lado na defesa de nossa Constituição e seus ideais".

A APT pagou mais de US$ 480 mil à CRC Advisors, empresa de consultoria de Leo, no ano passado, de acordo com declarações fiscais.

Ela recebe quase todo o seu dinheiro do DonorsTrust, um fundo conservador que recebeu centenas de milhões de dólares de grupos ligados a Leo, mostram as declarações.

Ninguém contesta que Wyss, um cidadão suíço que mora em Wilson, Wyoming, doou muito dinheiro nos EUA. Ele certamente tem muito dinheiro para doar.

Fundador da Synthes, fabricante de dispositivos médicos, e coproprietário do Chelsea, Wyss tem uma fortuna estimada em mais de US$ 10 bilhões, US$ 3 bilhões a mais do que Soros, de acordo com o Bloomberg Billionaires Index.

Wyss vendeu a Synthes para a Johnson & Johnson por US$ 19,7 bilhões em 2012.

Desde 2016, a fundação filantrópica de Wyss em Washington, a Wyss Foundation, doou mais de US$ 807 milhões nos EUA, principalmente para causas ambientais, de acordo com uma análise das declarações fiscais feita pela Bloomberg News.

No mesmo período, o braço de advocacia e lobby da fundação, o Berger Action Fund, doou mais de US$ 343 milhões para grupos liberais, entre eles aqueles que lutam contra os esforços republicanos de manipulação de distritos eleitorais e financiam PACs [political action committee, os comitês de ação política] democratas.

Ambos os grupos de Wyss afirmam que restringem doações para serem usadas diretamente para influenciar campanhas políticas nos EUA ou beneficiar candidatos específicos.

A lei federal proíbe que estrangeiros façam contribuições ou doações direta ou indiretamente relacionadas a eleições federais, estaduais ou locais ou anúncios que promovam candidatos políticos nos EUA.

Ao mesmo tempo, Wyss tem ocupado uma posição central em círculos concêntricos de influência.

Ele é membro do conselho do Center for American Progress, um think tank com laços estreitos com o establishment democrata.

Ele revelou ter doado mais de US$ 208 milhões para o Sixteen Thirty Fund, um centro de compensação para a esquerda que não divulga seus financiadores.

A Sixteen Thirty afirmou em um comunicado que não utilizou nenhum dinheiro de Wyss para trabalho eleitoral.

O Fund for a Better Future, uma organização de concessão de subsídios de tendência de esquerda, afirmou que "gerencia e monitora cuidadosamente" seus financiamentos para garantir que o dinheiro de Wyss não seja utilizado para fins eleitorais.

Marneé Banks, porta-voz das duas organizações sem fins lucrativos de Wyss, disse que ambas "proíbem que as doações sejam usadas para apoiar ou se opor a candidatos ou partidos políticos ou se envolver de outra forma em atividades eleitorais".

Mesmo antes de Soros, 93, anunciar no ano passado que se afastaria de sua rede política, conservadores estavam procurando por um suposto vilão para substituí-lo.

Outro grupo conservador, o Capital Research Center, rotulou Wyss em 2022 como "o novo George Soros".

A Americans for Public Trust apresentou uma queixa à Comissão Eleitoral Federal (FEC, na sigla em inglês) em 2021 alegando que os grupos de Wyss estavam violando as regulamentações de financiamento de campanha dos EUA que proíbem contribuições de estrangeiros.

A FEC investigou e em 2022 não encontrou evidências de irregularidades, embora o consultor jurídico geral da agência tenha criticado os grupos por não fornecerem evidências dos "acordos restritivos de doação".

No mesmo ano, a FEC citou Wyss por fazer US$ 119 mil em contribuições políticas diretas em violação da lei federal ao longo de cerca de 16 anos. A comissão se recusou a tomar medidas porque o prazo de prescrição havia expirado.

Nenhum dos grupos de Wyss foi acusado pelas autoridades federais de abuso de seu status como organizações sem fins lucrativos isentas de impostos.

Banks, a porta-voz dos grupos de Wyss, disse que "interesses de dinheiro obscuro" estão espalhando desinformação sobre Wyss e denegrindo seus esforços filantrópicos em áreas como conservação e saúde.

Suas organizações sem fins lucrativos estão em plena conformidade com a lei dos EUA, afirmou ela.

As declarações de Wyss não dissuadiram os grupos conservadores de atacá-lo.

"Vez após vez, Wyss fez alegações amplas sem qualquer evidência, e agora ele está atacando o único relatório público que expõe sua atividade política", disse Caitlin Sutherland, diretora executiva da APT. "Wyss se gabou abertamente de poder operar sem ser notado e está chateado depois de ser exposto".

Scott Walter, presidente do Capital Research Center, diz que a sugestão de que Wyss não influencia a política dos EUA é "ridícula por si só".

No entanto, a APT não tem evidências de que Wyss ultrapasse qualquer limite. Walter disse que está frustrado porque o bilionário não forneceu evidências de que não está exercendo influência.

"Você só precisa acreditar na palavra deles", disse Walter. "Se realmente existem restrições ou salvaguardas em vigor, isso deveria ser fácil de provar".

Os republicanos no Capitólio também estão atacando Wyss. Vários comitês da Câmara anunciaram que estão investigando o bilionário suíço e sua influência.

O Comitê de Meios e Recursos da Câmara está considerando se a lei deve impedir que estrangeiros criem grupos de defesa de interesses isentos de impostos.

Um projeto de lei de reforma eleitoral copatrocinado por 127 republicanos da Câmara proibiria todas as entidades isentas de impostos de gastar dinheiro de estrangeiros em eleições nos EUA. Tais propostas têm poucas chances de serem aprovadas no Senado, controlado pelos democratas.

"As únicas pessoas que devem influenciar os resultados das eleições americanas são os americanos", disse o deputado Jason Smith, republicano do Missouri, que preside o Comitê de Meios e Recursos da Câmara e é aliado do ex-presidente Donald Trump, que criticou a investigação politicamente conturbada sobre a interferência eleitoral da Rússia.

Mary Ziegler, professora de direito da Universidade da Califórnia em Davis, que estudou o dinheiro na política, diz que os conservadores tiveram que demonizar Soros por anos antes de transformá-lo em um bicho-papão para a extrema direita.

Hoje, os republicanos estão "testando" Wyss e outros para ver quem pode se tornar seu próximo Soros.

"Substituí-lo não será algo que acontecerá da noite para o dia", disse Ziegler.

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