Gigantes da economia brasileira serão afetados por aperto na emissão de títulos isentos de IR

CMN publicou resoluções que buscam vedar de títulos do agronegócio e mercado imobiliário empresas que não são do setor

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Brasília

Gigantes de diversos setores da economia brasileira, com capital aberto na Bolsa, devem ser atingidos pela decisão do CMN (Conselho Monetário Nacional) de fechar as brechas para a emissão de títulos de renda fixa —LCA, LCI, LIG, CRA e CRI— isentos do Imposto de Renda.

Apesar de serem destinados para financiar atividades do agronegócio e do mercado imobiliário, esses títulos também passaram a ser emitidos por empresas e bancos cujas atividades principais não guardam relação direta com esses setores produtivos.

Bancos e empresas, como o Burger King, a locadora de veículos Localiza, o BTG Pactual, as redes Raia Drogasil (de farmácias e drogarias), Dasa (de saúde) e Rede d’Or (de hospitais) e até mesmo a estatal Petrobras, fizeram emissões desse tipo.

Projeção em 3D da loja temática do Burger King, na avenida Paulista
Projeção 3D da loja temática do Burger King na Avenida Paulista; empresa emitiu R$ 500 milhões em CRA - 14 nov. 2023/Divulgação

O aperto foi aprovado nesta quinta-feira (1º) por meio de duas resoluções do CMN. O diagnóstico que sustentou a mudança regulatória começou no ano passado.

E, ao contrário de outras medidas em estudo, que o governo discutiu abertamente com agentes do mercado de capitais antes de tomar a decisão, dessa vez tudo foi mantido em sigilo para evitar uma corrida de emissões de última hora no mercado.

O objetivo da medida foi criar regras para os lastros (ativos ou operações de garantia) que podem ser usados para ancorar a emissão desses títulos. Na prática, os atos dizem claramente que apenas empresas que atuem diretamente nos setores imobiliários e agrícolas poderão realizar essas operações.

As empresas se aproveitavam de uma brecha na legislação, que não deixava claro quais empresas poderiam usar esse expediente e quais operações poderiam ser financiadas. As ações, portanto, não eram ilegais, inclusive sendo aprovadas pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

A CVM não se manifestou oficialmente. Interlocutores apontam que o papel do órgão é apenas regulamentar o que estava previsto na lei, então não havia impeditivo para que as solicitações das operações fossem aprovadas. Agora, no entanto, ressaltam que há uma limitação com as novas resoluções.

Uma das empresas que vem usando o CRI, instrumento dedicado ao mercado imobiliário, é a gigante do sistema hospitalar Rede D'Or, com hospitais nas principais cidades brasileiras. A última emissão, em agosto do ano passado, buscava captar R$ 1 bilhão.

Um dos objetivos da empresa com as emissões é pagar os aluguéis de suas unidades, além de investir em obras de infraestrutura e expansão.

A Rede D'or foi uma das primeiras a usar esse expediente para arcar com os aluguéis de suas unidades, o que ficou conhecido no mercado como CRI de aluguel. Até pouco tempo atrás, essas emissões eram feitas por empresas do setor imobiliário ou que tinham créditos para usar como lastro. E os recursos financiavam construção ou compra de imóveis.

Em nota, a Rede D'or justificou que se posiciona atualmente como uma das "grandes incorporadoras imobiliárias" do Brasil, ao ter construído desde 2018, quando emitiu CRIs pela primeira vez, mais de 300 mil m² e ter disponibilizado aproximadamente 2.000 novos leitos hospitalares.

"Esses projetos ampliaram a capacidade de atender a população e fomentaram a indústria da construção civil gerando milhares de empregos. A destinação dos recursos advindos das emissões de CRIs observou o marco legal, a legislação vigente e obedeceu estritamente uma lista predefinida de investimentos imobiliários", afirma a empresa, em nota.

A Raia Drogasil também anunciou em agosto do ano passado a emissão de CRIs no valor de R$ 700 milhões. O comunicado da empresa afirmou que os recursos seriam destinados a "gastos, custos e despesas relacionados ao pagamento de aluguéis não incorridos pela emissora".

A Zamp, que controla a operação da rede de fast-food Burger King no Brasil, também anunciou há poucos dias a emissão inicial de CRAs no valor de R$ 500 milhões, valor que pode ser aumentado em 25%.

Esses recursos seriam usados para reembolsar despesas incorridas nos 24 meses anteriores ao encerramento da oferta e para o pagamento de futuros contratos para a compra de carne in natura de determinados fornecedores.

A Petrobras afirmou, por meio de sua assessoria, que as emissões foram feitas com base na legislação em vigor. Segundo a estatal, contratos imobiliários possibilitaram a geração de recebíveis que serviram de base para emissões de CRISs "em termos e condições consideradas atraentes para a companhia"

Procurada, a Zamp não respondeu até a publicação desta reportagem. Também não se manifestaram a Localiza e o BTG. A Raia Drogasil e a Dasa disseram que não vão comentar a decisão.

A Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) afirmou, em nota, que está analisando os impactos das resoluções que foram divulgadas pelo CMN no mercado de capitais.

A entidade ainda acrescentou que essas medidas "aumentam a eficiência da política pública no suporte aos setores do agronegócio e imobiliário, o que contribui para o desenvolvimento e para o constante aprimoramento do mercado de capitais".

Para a Febraban (Federação Brasileira de Bancos), a decisão do CMN contribui para clarificar o escopo e a emissão desses papéis, garantindo que as operações negociadas e formalizadas por meio destes títulos permaneçam adequadas e atendendo aos propósitos que levaram à sua criação.

"Os bancos possuíam autonomia para realização de operações dentro dos parâmetros legais e infralegais. Todas as operações contratadas visaram suprir as necessidades dos setores através de instrumentos regulamentados, que traziam o melhor custo e que melhor se adequavam às necessidades de toda a cadeia", afirma a Febraban em nota à Folha.

Sócio da consultoria Tax Group e especialista em direito contratual e societário do agronegócio, Rafael Sperotto, afirma que ainda é preciso esperar os desdobramentos da medida, mas pondera que a medida pode trazer taxas mais atrativas porque o produtor rural estava dividindo esse mercado com outras empresas, inclusive seus próprios fornecedores.

O temor, segundo ele, é se o apetite do investidor vai continuar. "Vamos ter um melhor direcionamento de recursos para o agronegócio."


Os títulos

LCI (Letra de Crédito Imobiliário) e LCA (Letra de Crédito do Agronegócio)
Títulos de renda fixa emitidos por bancos com lastro em crédito imobiliário ou do agronegócio

LIG (Letra Imobiliária Garantida)
Papéis emitidos por bancos ou outras instituições financeiras, como associações de poupança, sociedades de crédito e companhias hipotecárias

CRI (Certificado de Recebíveis Imobiliários) e CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio)
Papéis emitidos por instituições securitizadoras, a partir de dívidas de empresas, também com objetivo de financiar os setores imobiliário e agrícola

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