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Abril retira do ar textos sob suspeita de terem sido escritos por IA

Procuradas desde janeiro para explicar a mudança, nem editora nem responsável pela revista Bebê responderam

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São Paulo

Nos primeiros 25 dias de janeiro, 311 textos publicados no site da revista Bebê da Editora Abril tinham como assinatura Vanessa Tavares —é o equivalente a mais de 12 textos diários. Tavares, porém, não consta no expediente do veículo, e a reportagem não conseguiu encontrar seus contatos ou quem a conhecesse.

No final de janeiro, um dia após contato da Folha para questionar sobre suspeita de plágio e uso de inteligência artificial na produção das reportagens, quase todos os textos com a assinatura de Tavares foram excluídos do site.

Em 22 das matérias publicadas pela revista —arquivadas pela Folha antes que fossem excluídas do site—, há trechos idênticos aos de textos publicados antes por veículos de comunicação como Folha, UOL, O Globo, a concorrente revista Crescer (da Editora Globo) e a estatal britânica BBC.

Os textos da Bebê assinados por Tavares também reproduziram depoimentos de entrevistados que haviam sido entrevistados com exclusividade por jornalistas de outros veículos, sem crédito de autoria —um exemplo é a entrevista dada à Folha pelo médico Renato Kfouri, vice-presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), usada em texto da revista de 17 de janeiro, sobre a inclusão da vacina contra Covid no Calendário Nacional de Vacinação Infantil.

Matéria da revista Bebê assinada por repórter fictícia indica remédios para crianças sem consultar fontes. Texto cita Iboprufeno para tratar febre, sem citar contraindicação para dengue.
Assinatura de Vanessa Tavares em texto sobre saúde de crianças, gestantes e puérperas, no site da revista Bebê - Reprodução/Revista Bebê

Pesquisa no LinkedIn tampouco leva a uma jornalista freelancer com esse nome. Assessorias de imprensa citadas por Tavares em matérias, como a Agência A+, também dizem jamais terem sido procuradas pela suposta jornalista.

Ferramentas que ajudam a detectar se textos foram produzidos por meio de inteligência artificial, como Smodin e GPTZero, indicam que as reportagens assinadas por Tavares usaram parcialmente essa tecnologia. No estágio atual dessas ferramentas, porém, a análise delas não basta para garantir que o texto foi feito por IA, segundo a consultoria especializada no tema Newsguard.

Em nenhuma das reportagens havia aviso de que tivessem sido produzidas com auxílio de inteligência artificial.

Procurada desde 25 de janeiro para comentar as coincidências entre os textos da Bebê e de outros veículos, a suspeita de uso de IA sem transparência e a dificuldade de localizar a repórter que os assinava, a Editora Abril não respondeu até a publicação desta reportagem.

Na mesma data, por telefone, Helena Galante, diretora responsável por Bebê quando os textos assinados por Tavares foram publicados, disse não ter mais vínculo com a revista —ela continua na Abril, como diretora da Revista Cláudia.

Um dia após o pedido de esclarecimentos da Folha, em 26 de janeiro, o site de Bebê saiu do ar, e voltou no dia 31 sem praticamente todos os textos assinados por Tavares —17 matérias genéricas, em que não havia indício de plágio, tiveram a assinatura substituída por "Da Redação" ou por "Undefined" —indefinido, em inglês.

Desde então, apenas um texto foi publicado no site da revista Bebê, sobre ultrassom morfológico. A retirada dos textos sob suspeita foi noticiada em 28 de fevereiro pelo Aos Fatos.

Procuradas mais uma vez na semana passada para explicar a mudança no site, nem a Abril nem Galante responderam.

Segundo funcionários da Abril que falaram com a Folha sob condição de anonimato, a Editora Globo notificou a editora sobre os supostos casos de plágio. Procuradas, a Editora Globo e a Revista Crescer não quiseram comentar.

Antes que fossem ao ar mais de 300 textos assinados por Vanessa Tavares, duas jornalistas que antes abasteciam o site foram demitidas —uma editora e uma repórter, que pediram para não serem identificadas.

Para o professor de jornalismo digital da USP Rodrigo Ratier, informar o leitor do uso de IA em caso de conteúdos produzidos de forma autônoma é o critério ético mínimo.

Outros veículos, como o UOL, já criaram repórteres artificiais, mas avisam que o material foi gerado por IA no correr do conteúdo.

"Ainda assim, legar à IA toda a produção do texto é uma escolha que envolve riscos."

Outro indício de que a inteligência artificial generativa pode estar por trás dos textos assinados por Vanessa Tavares é o volume de produção. A equipe editorial da revista Bebê publicava entre um e dois textos por dia, número que chegou a mais de 20 em alguns dias, após o início das publicações de Tavares.

Embora apagados, os textos marcados com o nome "Vanessa Tavares" continuam indexados no Google e aparecem em buscas. Os links, porém, redirecionam para uma página de endereço "removed=true", que indica a remoção.

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