Descrição de chapéu Financial Times Cifras & Energia Limpa

Adoção de energia limpa não pode depender apenas de mercados, diz livro

'The Price is Wrong', de Brett Cristophers, analisa papel do Estado no desenvolvimento de fontes renováveis

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Jonathan Ford
Financial Times

Em 2021, um influente comentarista americano repreendeu seus compatriotas por estarem muito pessimistas em relação à transição energética no país.

Contrariando o senso comum, os Estados Unidos não estavam falhando em se tornar mais verdes, argumentou Robinson Meyer. Na verdade, estavam tendo sucesso —mesmo sem as políticas pró-clima mais agressivas de muitos países europeus.

Isso porque os custos da energia renovável estavam despencando. "À medida que as tecnologias se desenvolvem, elas ficam mais baratas", explicou Meyer. "Conforme ficam mais baratas, mais empresas as adotam."

Turbinas eólicas offshore na Teesside Wind Farm, em Redcar, no Reino Unido - Phil Noble - 7.nov.2023/Reuters

Essa ideia simples ofereceu raras razões para depositar esperança em nossas tentativas de lidar com as mudanças climáticas. O vento e a luz solar são, por definição, gratuitos. Reduza o custo de coletá-los o suficiente, diz o argumento, e seu avanço deveria ser implacável porque —bem, por que você não escolheria a energia limpa se fosse mais barata?

É uma fé que floresceu à medida que os custos da eletricidade renovável caíram —62% para turbinas eólicas offshore na década passada, e impressionantes 87% para solar.

Este é o ponto de partida do livro "The Price is Wrong" ["O Preço Está Errado", não publicado no Brasil], de Brett Christophers. Pesquisador britânico baseado na Suécia, Christophers escreveu vários livros provocativos sobre áreas como propriedade e gestão de ativos, desafiando a ideia de que os mercados sabem o que é melhor.

Agora, ele volta seu olhar cético para as mudanças climáticas e as tentativas dos governos ocidentais de afastar os consumidores dos combustíveis fósseis.

É um bom momento para tal avaliação, já que a narrativa de livre mercado sobre as mudanças climáticas se desgastou. Apenas quatro anos atrás, empreendedores prometiam construir parques eólicos tão baratos que não precisariam de nenhum subsídio público no Reino Unido. Isso se mostrou falso.

O leilão de energia eólica do ano passado não atraiu nenhuma oferta porque o subsídio oferecido não era alto o suficiente. O Reino Unido agora está planejando uma segunda rodada mais generosa.

Até mesmo Robinson Meyer, comentarista americano de mudanças climáticas, perdeu seu entusiasmo. Diante da indecisão do Congresso sobre a renovação de alguns créditos fiscais para energia limpa, ele alertou que o fracasso em fazê-lo "praticamente [selaria] o destino do planeta".

Por que é tão difícil separar a energia renovável do dinheiro público? Embora as taxas de juros mais altas e os preços do aço não tenham ajudado, Christophers argumenta que não conseguimos encontrar a resposta por uma razão estrutural: estamos olhando para a medida errada.

Não são apenas os preços relativos da energia que determinam quantos parques eólicos ou solares são construídos; mais importante é o quão lucrativos os empreendedores acham que esses investimentos serão.

E aqui está o problema: os retornos antecipados são pouco atraentes. Em média, os projetos renováveis ganham apenas de 5% a 8% sobre o patrimônio, relata Christophers, em comparação com mais de 15% para petróleo e gás.

Capa do livro "The Price is Wrong"
Capa do livro 'The Price is Wrong' - Divulgação

As razões para isso são muitas, e Christophers as analisa com expertise. O maior vilão, ele argumenta, são os mercados de eletricidade "desagregados" que os governos introduziram em todo o mundo.

Eles dividem o mercado entre geração, distribuição e varejo, permitindo que a competição ocorra em alguns pontos da cadeia —especialmente na geração. No entanto, esse processo gera preços muito voláteis para sustentar o investimento de capital inicial que os geradores renováveis (ou, melhor dizendo, seus credores) requerem.

Para neutralizar isso, estruturas de apoio devem ser incorporadas ao sistema, desde o acesso privilegiado ao mercado (fontes renováveis recebendo preços fixos garantidos, incluindo serem pagos por não produzir em dias ensolarados) até poder "socializar" custos adicionais, como a necessidade de geração de backup para lidar com oscilações. Essas estruturas, Christophers argumenta convincentemente, são uma característica, não um defeito.

Tudo isso parece nos deixar presos em uma espécie de "terra de ninguém energética" enquanto a descarbonização fica mais atrasada. Os combustíveis fósseis ainda geram 80% da eletricidade do mundo, praticamente o mesmo que há quatro décadas.

O único ponto positivo para as fontes renováveis é a China, mas lá o investimento é direcionado pelo Estado.

Trata-se, escreve Christophers, "de um exemplo clássico do que Antonio Gramsci chamou de interregno, quando o antigo —combustíveis fósseis— está morrendo, embora não morto, e o novo —energia limpa— não pode nascer completamente".

"The Price is Wrong" nem sempre é a leitura mais fluida. Ex-consultor, Christophers embala o livro com densos estudos de caso e estatísticas. Pode-se questionar seu entusiasmo pelas renováveis e se não há outras maneiras melhores de descarbonizar.

A energia nuclear, por exemplo, é mencionada apenas de passagem. Mas, como exposição de como os mercados de eletricidade funcionam —ou não— o livro é magistral.

Não é surpreendente que Christophers acabe pedindo mais intervenção do governo. Apenas o Estado, argumenta, tem "tanto a capacidade financeira quanto a capacidade logística e administrativa" para fornecer os vastos investimentos que serão necessários.

Se o Estado tem a sabedoria para fazer as escolhas técnicas corretas, ou a firmeza executiva, é menos certo.

Apesar de toda a conversa sobre New Deals à Roosevelt, os países ocidentais ainda parecem relutantes em intervir diretamente. O que está claro é que o mundo permanece em uma trajetória verde muito incerta. Se o preço estiver errado, as consequências podem ser realmente muito sombrias.

The Price is Wrong: Why Capitalism Won't Save the Planet

  • Preço R$ 48,49 (ebook)
  • Autoria Brett Christophers
  • Editora Verso, 565 pp.
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