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Bloco com Suíça e Noruega desiste de esperar UE e avança em acordo comercial com Mercosul

Efta decide, após falas de Macron, negociar tratado com sul-americanos de forma independente

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Brasília

O bloco econômico formado por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein mudou sua estratégia em relação à negociação de um acordo comercial com o Mercosul e decidiu não esperar mais a conclusão das conversas dos países sul-americanos com a União Europeia.

Com isso, o Efta (Associação Europeia de Livre Comércio) comunicou ao Mercosul que tem interesse em prosseguir com o acordo de forma desvinculada das tratativas entre os sul-americanos e a UE.

O principal sinal nessa direção foi o agendamento de uma reunião presencial entre os negociadores dos dois blocos em Buenos Aires, prevista para meados de abril —o processo estava praticamente paralisado e os diplomatas vinham fazendo conferências virtuais sem uma periodicidade definida.

Representantes da Efta (Associação Europeia de Livre Comércio) e do Mercosul em negociação de acordo comercial
Negociadores do acordo de livre comércio entre Efta (Associação Europeia de Livre Comércio) e Mercosul em 2019 - EFTA Secretariat - 24.ago.2019/Divulgação

Antes do futuro encontro na Argentina, parlamentares de Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein vão realizar, entre quarta (20) e sexta (22), uma visita ao Brasil justamente para defender a conclusão do acordo.

A delegação deve ter uma reunião com o vice-presidente Geraldo Alckmin, que acumula a função de ministro do Mdic (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços).

Há também agendas previstas no Itamaraty e no Ministério do Meio Ambiente, além de encontros com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).

Menos badalado, o entendimento inicial do Mercosul com o Efta foi alcançado em 2019, cerca de dois meses depois do anúncio do acordo comercial entre a União Europeia e o bloco formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.

Na época em que a conclusão das negociações foi anunciada, as estimativas do então Ministério da Economia indicavam que o acordo Mercosul-Efta representaria um incremento do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro de US$ 5,2 bilhões em 15 anos.

A equipe econômica também previa um aumento de US$ 5,9 bilhões nas exportações brasileiras e de US$ 6,7 bilhões nas importações, totalizando uma elevação de US$ 12,6 bilhões na corrente comercial do Brasil.

Em um primeiro momento, ambas as negociações sofreram dos mesmos problemas. Os países do Efta, em especial a Noruega, enxergavam na política ambiental do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) —marcada por desregulamentação e avanço do desmatamento— um obstáculo para a conclusão das conversas.

Em agosto de 2019, a então primeira-ministra da Noruega, Erna Solberg, chegou a declarar em entrevista que o tratado chegava em "péssimo momento" em razão de uma onda de incêndios na Amazônia.

Mesmo depois do início do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2023, o tema pouco avançou. A principal razão era que o Efta tinha decidido esperar o desfecho do acordo UE-Mercosul. Como o texto espelha uma série de termos e artigos do tratado com a União Europeia, muito mais amplo e naquele momento prioritário para o Mercosul, o Efta não via sentido em fazer tratativas de forma paralela.

A percepção mudou com as sucessivas declarações do presidente da França, Emmanuel Macron, contra o acordo UE-Mercosul. No fim do ano passado, o francês classificou o tratado como "antiquado". "Se não posso explicá-lo a nenhum europeu, não vou defendê-lo internacionalmente", disse Macron na época da reunião global do clima da ONU (COP) nos Emirados Árabes Unidos.

Poucos dias depois, o gabinete de Macron afirmou que os europeus não fechariam o tratado com o Mercosul.

A resistência da França e as eleições do Parlamento Europeu agendadas para junho —com a posterior renovação do braço executivo da UE— tornam qualquer avanço do acordo neste ano praticamente impossível, na visão de negociadores.

Com esse diagnóstico, negociadores do Efta informaram no início deste ano aos membros do Mercosul que aceitavam "passar na frente" da União Europeia.

O embaixador da Noruega no Brasil, Odd Magne Ruud, disse à Folha que o acordo Mercosul-Efta deve impulsionar a cooperação comercial e econômica entre o bloco sul-americano e seu país, "fortalecendo o comércio internacional de maneira significativa".

"Estamos satisfeitos com o acordo já negociado. É importante ressaltar que negociamos de forma independente da União Europeia e esperamos que as negociações entre o Mercosul e a Efta sejam concluídas rapidamente", disse.

De acordo com estimativa feita pelo bloco europeu, o volume de comércio entre Efta e Mercosul aumentou quase quatro vezes em vinte anos, atingindo 7,4 bilhões de euros (cerca de R$ 40,45 bilhões) em 2023.

A Noruega atua como coordenadora, pelo lado dos europeus, das negociações com o Mercosul. Do outro lado, o mesmo papel é exercido pela Argentina.

Para o governo do Brasil, a disposição dos Efta foi vista também como uma oportunidade de enviar um recado político à União Europeia: o de que o Mercosul está aberto a fechar entendimentos comerciais com outros sócios. Em dezembro, os sul-americanos anunciaram a conclusão de um acordo de livre comércio com Singapura.

De acordo com pessoas que acompanham as tratativas ouvidas pela Folha, há pendências ainda sobre a mesa em relação ao Efta, mas as barreiras não são consideradas como intransponíveis.

Há pontos em aberto em temas como compras governamentais (que trata da possibilidade de empresas europeias participarem de licitações nos países do Mercosul e vice-versa), acesso a mercados, meio ambiente, regras de origem e administração de cotas tarifárias.

No capítulo ambiental, um dos principais espinhos nas negociações com a União Europeia, o Brasil espera que os delegados do Efta apresentem uma proposta de texto na reunião de abril em Buenos Aires.

Outro ponto que pesa a favor é que o processo de ratificação do acordo é mais simples do que o da União Europeia. Na UE, o texto precisa, além do aval da Comissão Europeia, de aprovação no Parlamento Europeu. Grande parte do tratado precisa de apoio dos Legislativos dos 27 estados-membros, uma exigência que pode fazer o processo se arrastar por anos.

No caso do Efta, a tramitação é similar à do Mercosul. Os líderes assinam o documento finalizado, que depois segue para ratificação nos respectivos Parlamentos. Um potencial complicador é a Suíça, que tem um intrincado sistema de referendos para aprovar tratados comerciais.

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