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'Brasileiras fazem plástica demais e destroem seus rostos', diz dono da L'Occitane

Reinold Geiger fala das dificuldades dos negócios no Brasil, onde criou uma marca, um festival de música erudita e um teatro

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Trancoso (BA) 

Quando enumera as dificuldades que encontrou para implementar seus negócios no Brasil, o bilionário austríaco Reinold Geiger, 76, presidente global do Grupo L'Occitane e criador de sua versão nacional, a L'Occitane au Brésil, cita burocracias e impostos, mas também um inusitado entrave cultural.

"As pessoas no Brasil fazem muita cirurgia plástica", avalia. "Começam com 30 anos. Aí, aos 40, têm que fazer uma segunda cirurgia. Aos 50, uma terceira. E, na verdade, estão destruindo seus rostos", decreta.

"Acredito que as pessoas começarão a perceber isso e a descobrir que existem cuidados faciais muito eficazes", completa, puxando a sardinha para o ramo de seu grupo, que tem 7.500 funcionários em 35 países, sendo mais de mil apenas no Brasil.

O bilionário austríaco Reinold Geiger, presidente global da L'Occitane e idealizador do festival Música em Trancoso, no palco do festival para saudações de abertura das apresentações
O bilionário austríaco Reinold Geiger, presidente global da L'Occitane e idealizador do festival Música em Trancoso, no palco do festival para saudações de abertura das apresentações, em março de 2024 - Rafa Rocha/Divulgação

Dono de um patrimônio líquido de US$ 2,4 bilhões (cerca de R$ 12 bilhões), segundo o Bloomberg Billionaires Index, Geiger adquiriu a então pequena L'Occitane en Provence em 1994, depois de uma temporada em Nova York.

"Ficou evidente para mim que as pessoas estavam poluindo demais. Nunca fui um fanático ecológico, mas não tinha como não notar que as pessoas saíam das lojas com 15 sacolas plásticas. Era evidente que isso seria dramático no futuro. E, hoje, esse drama chegou."

Em suas mãos, a empresa se tornou uma gigante global dos cosméticos naturais, um mercado que tem crescido na esteira da tendência de valorização de produtos livres de químicos como petrolatos e parabenos. A chamada "clean beauty" deve movimentar R$ 120 bilhões no mundo em 2024, segundo o British Beauty Council.

"Quando você tem a sorte de ter uma empresa que está indo bem, não pode simplesmente ignorar o resto. Precisa ajudar a combater as mudanças climáticas, precisa ajudar as pessoas pobres, precisa promover um pouco de cultura", afirma Geiger, que mantém há 20 anos uma mansão em Trancoso, no sul da Bahia, com chalés para hospedar dezenas de convidados simultâneos.

Há 12 anos, o bilionário criou o festival Música em Trancoso, dedicado à programação erudita, e mandou construir uma sede monumental para o evento, o Teatro L'Occitane, um gigante de concreto e aço erguido no meio da mata atlântica que custou cerca de R$ 40 milhões aos bolsos de Geiger.

Subutilizado e com alto custo de manutenção, o teatro virou um elefante branco, que o empresário agora quer tornar autossustentável, sob nova administração.

Em meio a especulações sobre sua sucessão no grupo internacional, Geiger defende os investimentos filantrópicos que fez em Trancoso. "Não faz sentido ser rico se você está no cemitério."

O sr. tem uma casa em Trancoso há 20 anos, onde construiu um teatro monumental no meio da mata para abrigar o festival de música erudita que criou há 12 anos. Como começou essa relação com o Brasil?
Nasci nas montanhas na Áustria e eu tinha o sonho de viver em Nova York, Londres, Paris e Rio de Janeiro. Comecei em Nova York, onde morei por um ano, depois Londres, e depois Paris, onde fiquei porque me casei.

Só fui ao Rio 15 anos depois, quando me envolvi com a L'Occitane. Tínhamos um distribuidor em São Paulo e vim para prospectar investimentos no Brasil. Mas é muito caro desenvolver negócios aqui.

Por quê?
Para conseguir uma boa loja, você tem que pagar o chamado "key money" [dinheiro pago pelo ponto]. Não dá para pegar dinheiro emprestado dos bancos porque a taxa de juros é muito alta. As regras, as leis e os impostos são diferentes em cada estado. E você precisa ter muitas pessoas trabalhando nisso na empresa, quando, em outros países, não precisa de ninguém especializado nisso.

Agora fizeram uma mudança nos impostos, mas não sei se ela vai simplificar tudo mesmo. Espero que sim.

Então por que criou uma marca brasileira do seu grupo, a L'Occitane au Bresil?
Temos subsidiárias em 35 países. China, Estados Unidos, México... E o país mais difícil para trabalhar é o Brasil. Se você importa produtos para o Brasil, os impostos são enormes, e o produto fica caro. Mas eu me apaixonei totalmente pelo Brasil.

Quando conheci Trancoso, parecia que ali era possível levantar a mão para o céu e tocar Deus. Ao mesmo tempo, era como uma Saint-Tropez dos anos 1960.

Se eu quisesse voltar ao Brasil com muita frequência, precisava ter um grande negócio aqui, ou não teria motivo para vir. Então desenvolvemos a L'Occitane au Brésil.

Trouxemos pessoas da França para estabelecer um laboratório aqui, na região de Campinas. Hoje, o laboratório é administrado por brasileiros, que desenvolvem produtos muito bons.

Foi menos complicado criar uma nova empresa no Brasil?
Levou muito tempo para obtermos todas as permissões necessárias para nossa fábrica funcionar e vender seus produtos. Se o Brasil não fosse muito, muito burocrático, poderíamos ter começado a empresa dois anos antes.

Há também dificuldades na criação de novos produtos. Quando você cria um novo produto, ele precisa ser aprovado por uma autoridade [Anvisa], e isso leva muito tempo.

Mas tenho certeza de que a L'Occitane au Brésil tem muito potencial porque os produtos são ótimos. Queremos começar a exportá-los.

O que o mercado brasileiro representa para as suas duas marcas aqui?
Para o nosso grupo, é muito pouco. Talvez 2,5%. No Brasil, tem outro problema. As pessoas fazem muita cirurgia plástica. Começam com 30 anos. Aí, aos 40, têm que fazer uma segunda cirurgia. Aos 50, uma terceira. E, na verdade, estão destruindo seus rostos.

Hoje, há um grande número de mulheres em idade muito avançada. Elas pareceriam muito melhores se não tivessem feito todas essas cirurgias plásticas. Acredito que as pessoas começarão a perceber isso e a descobrir que existem cuidados faciais muito eficazes.

A L'Occitane é uma marca com produtos naturais antes de isso se tornar algo desejado por consumidores e lançou compromissos públicos com economia circular do plástico e zero emissão de carbono até 2050. Isso coloca a empresa em posição de vantagem no mercado de hoje?
Eu me interessei pela L'Occitane depois que morei em Nova York e percebi o quanto se poluía ali. Nunca fui um fanático ecológico, mas não tinha como não notar que as pessoas saíam das lojas com 15 sacolas plásticas. Que você comprava uma maçã, que era colocada numa sacola plástica, e essa sacola era colocada dentro de outra sacola plástica. É ridículo. Era evidente que isso seria dramático no futuro. E, hoje, esse drama chegou.

Trinta anos atrás, quando eu vi a L'Occitane, pensei que a demanda por esse tipo de produto cresceria. Nos últimos dez anos, cosméticos com ingredientes de base natural cresceram muito mais do que qualquer outra coisa.

E, quando você tem a sorte de ter uma empresa que está indo bem, não pode simplesmente ignorar o resto. Precisa ajudar a combater as mudanças climáticas, precisa ajudar as pessoas pobres, precisa promover um pouco de cultura.

O Teatro L'Occitane, erguido em meio à mata atlântica, em Trancoso, pelo bilionário austríaco Reinold Geiger, presidente global da marca de cosméticos L'Occitane, para sediar o festival Música em Trancoso, de música erudita e popular, idealizado por ele - Divulgação

Foi isso o que o levou a criar um festival de música clássica em Trancoso e construir um teatro de R$ 40 milhões no meio da mata para sediá-lo?
Queríamos fazer algo para as pessoas locais. O Brasil tem uma personalidade forte, mas não havia cultura real em Trancoso 20 anos atrás. Se você traz cultura, muda o ambiente.

A vida é dura, as pessoas trabalham duro, então, é preciso se divertir. Trouxe para cá um dos diretores do festival de música mais famoso da França, em Salzburgo, e um arquiteto que fez uma das casas daquele festival, que desenhou um prédio muito bonito.

Custou bastante dinheiro, mas não faz sentido ser rico se você está no cemitério.

Há especulações sobre sua sucessão no grupo L’Occitane e uma recente movimentação para tornar a empresa fechada depois que seu capital foi aberto na Bolsa de Hong Kong. Essa questão também atinge seu legado em Trancoso, financiado pessoalmente pelo sr. até o ano passado?
Sobre Hong Kong, a questão é outra. Fizemos o IPO [oferta pública de ações] da empresa na Bolsa de Hong Kong, mas lá não é mais o lugar certo para ter a empresa aberta.

A situação está delicada, e os investidores internacionais não gostam muito de Hong Kong. Depois da Covid e da maneira como a China lidou com ela, todo mundo está com um pouco de medo de lá.

Sobre o festival e o teatro, financiei a construção e sua manutenção, além de 80% dos custos de todas as edições anteriores. Pode-se dizer que isso não é um problema, porque eu tenho recursos para financiá-lo.

Mas, agora, é importante que toda essa organização seja autossustentável e tenha patrocinadores brasileiros, porque é um evento do Brasil. Eu posso morrer amanhã. Em dez dias vou esquiar. Há muitas geleiras. Se eu cair em uma geleira...

RAIO-X

Reinold Geiger, 76
É um bilionário austríaco, formado engenheiro pelo Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça. Teve pequenas empresas de embalagens e de turismo antes de adquirir, em 1994, a então pequena empresa francesa de cosméticos com base em produtos naturais L'Occitane en Provence, que, sob sua direção, se tornou um fenômeno global com valor de mercado estimado em R$ 20 bilhões

A jornalista viajou a convite do festival Música em Trancoso

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