Descrição de chapéu Mercado imobiliário

Cambuci tem valorização com imóvel de baixo-médio padrão

De fácil acesso, bairro da região central vive boom de empreendimentos, mas carece de áreas verdes

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Paulo Vieira
São Paulo

O mercado imobiliário adora distorcer as fronteiras históricas e tradicionais dos bairros da cidade, puxando os limites das regiões em que tem empreendimentos em direção aos vizinhos mais afluentes.

Assim, Santa Cecília, mesmo depois da gourmetização, vira Higienópolis; Carrão se torna Tatuapé; Imirim, Santana. É um estratagema antigo e um tanto inócuo, pois se há algo que os paulistanos conhecem, são os limites de seus bairros.

Pois bem, Cambuci, bairro de que o mercado imobiliário poderia se ver tentado a chamar de Aclimação, ou quem sabe Liberdade, agora é Cambuci mesmo, 100% Cambuci, já se lê nas camisetas por lá.

Fachada da Paróquia São Joaquim, no Cambuci, cercada por casas e prédios
Fachada da Paróquia São Joaquim, no Cambuci, cercada por casas e prédios - Danilo Verpa/Folhapress

Faz sentido, o bairro tem localização centralíssima, acesso a meios de transporte, e, mais importante, grande potencial de valorização.

Já vem acontecendo: segundo a Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp), o valor do metro quadrado de lançamentos de apartamentos passou de R$ 6.904 do período 2020-2022 para R$ 9.588 entre 2022-2024. Um crescimento nominal da ordem de 40%.

Pedro Tenório, economista do Datazap, vê um "salto para outro patamar de preço" nos lançamentos do bairro em 2022. O índice de valorização de 29,48%, muito acima do 4,32% do ano anterior, é explicado, segundo ele, pela "conjuntura daquele momento", que unia "o preço da construção que aumentou muito durante a pandemia" e "as taxas de juros baixas que estimularam um boom do mercado imobiliário em 2021".

O Cambuci foi redescoberto antes disso, contudo. De um lugar coalhado de indústrias de pequeno e médio porte para os prédios residenciais que não param de subir, houve a inclusão de largas áreas do bairro na categoria Zona Especial de Interesse Social (Zeis 3) no Plano Diretor de São Paulo nos anos 2000.

Categoria à feição para fazer surgir diversos projetos que seriam incluídos no plano habitacional Minha Casa, Minha Vida. Só a construtora Plano&Plano tem 12 empreendimentos no bairro assim enquadrados, com 3 337 residências.

E os responsáveis pelos lançamentos agora enxergam a tradição e a história do Cambuci como grande ativo. Um dos destaques é o imaginário do pintor Alfredo Volpi, cambuciense emérito.

Volpi penetra de maneira implícita nos nomes das torres do lançamento mais rumoroso dos últimos tempos do bairro, o Pátio Central, fincado em terreno de impressionáveis 100 mil m²: os edifícios Bandeiras, Cores e Arcos já estão prontos; o Matizes, ainda não.

Os apartamentos têm dois dormitórios, com opções de 50 m² e 54 m². Os preços, segundo o site, começam em R$ 380 mil e há, na área comum, piscinas para adultos e crianças, bicicletário, academia, quadra de esportes, espaço para coworking e galeria comercial. O lançamento é da Direcional, que tem projetos em outros nove estados do Brasil.

Em fase final de pintura e acabamento, o Aneri Cambuci é outro grande lançamento que homenageia, se não um cambuciense, uma rua do bairro, a Dona Ana Néri. Ana Néri (1814-1880) é considerada pioneira da enfermagem do Brasil por ter servido voluntariamente na Guerra do Paraguai. A primeira escola de enfermagem do país tem seu nome.

O lançamento, da construtora Econ, tem 293 unidades de 36 m² numa torre única de 25 andares. A ele se juntam os projetos da Plano&Plano no Cambuci, voltados ao público do programa Minha Casa, Minha Vida.

São dois grandes edifícios, o Plano&Mais Cambuci e o Plano&Vila Cambuci, este ainda não concluído, ambos com apartamentos de cerca de 32 m² e valores de unidades entre R$ 200 mil e R$ 290 mil.

Padrão

O Cambuci está no top 5 entre os bairros com previsão de lançamento de apartamentos de padrão médio-baixo este ano em São Paulo, segundo levantamento da administradora de condomínios Lello feito com 250 incorporadoras.

Esse padrão tem valor médio de produto de R$ 382 mil e metro quadrado de lançamento de R$ 9 mil (contra R$ 710 mil e 15,2 mil/metro quadrado, respectivamente, do padrão considerado médio de bairros como Pinheiros, Vila Mariana e Moema).

Com tudo isso, nem mesmo o mais bairrista morador do Cambuci deverá defender o bairro de um problema sério: sua baixa arborização.

Na ferramenta publicada pela Folha no dia do aniversário de São Paulo, em 25 de janeiro, baseada no Cadastro de Contribuintes Mobiliários da prefeitura de São Paulo, é possível ver que áreas verdes perfazem apenas 16% do bairro.

Uma triste ironia para um bairro que leva o nome de uma fruta da mata atlântica, um dia abundante por ali. Pior ainda: não há parques e são poucas as praças na região.

Mas o estratagema do começo deste texto poderia considerar que o parque da Aclimação, uma quadra a oeste dos limites tradicionalmente estabelecidos para o Cambuci, é, por que não, Cambuci; e que a esplanada da avenida Dom Pedro 1º, próxima do Museu do Ipiranga, tem lá sua beleza.

Esse tipo de paisagem pode ganhar mais interesse com uma narrativa que inclua aí um boteco tradicional ou um restaurante daqueles que você precisa descobrir.

Para o boteco concorre o clássico A Juriti, na Amarante, travessa curiosamente em diagonal da Lins de Vasconcelos. A casa, com 67 anos nas costas, se autodefine como rainha dos aperitivos e oferece rã, lula, ostra, mexilhão e frango à passarinho, entre outros.

E melhor falar das padarias do bairro do que dos restaurantes. Há ao menos duas interessantes no Cambuci, a Big Bread Prime, que chegou a estar entre as finalistas de sua categoria do concurso Padocaria de 2022, que elege anualmente as melhores de São Paulo; e a Ana Néri, que, esta sim, oferece muito valor agregado se antiguidade contar.

A padaria está na ativa desde 1923, ainda que desde 1956 em outro imóvel da mesma rua Dona Ana Néri – mas isso ninguém precisa saber.

O estabelecimento foi fundado por um italiano, Gaetano Costabile, filho de um padeiro napolitano cuja morte precoce motivou a migração de sua família. Durante a Segunda Guerra, forneceu pães aos paulistanos por meio de cartões de racionamento.

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