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Prêmio Nobel

Decisões além dos números: o Nobel de Economia que veio da psicologia

Pesquisa de Daniel Kahneman, morto nesta quarta-feira (27) nos convidou a olhar para dentro de nós mesmos

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Deborah Bizarria

Economista pela UFPE, estudou economia comportamental na Warwick University (Reino Unido); evangélica e coordenadora de Políticas Públicas do Livres

Pode ser surpreendente para quem está acostumado a ver economistas lidando principalmente com temas como PIB, desemprego e taxa de juros, mas a ideia de um psicólogo recebeu o Prêmio Nobel de Economia. O responsável por esse feito foi Daniel Kahneman.

O seu trabalho ampliou nossa compreensão sobre como as pessoas tomam decisões econômicas. Ele utilizou princípios da psicologia cognitiva para explorar os processos mentais envolvidos na formação de julgamentos e na tomada de decisões.

Uma de suas contribuições mais famosas foi a Teoria do Prospecto, desenvolvida com Amos Tversky. A teoria sugere que as pessoas avaliam as opções enquadrando a decisão em forma de perdas e ganhos, em vez de considerarem apenas os resultados finais, como preconizava a visão econômica predominante.

Daniel Kahneman durante palestra no Fórum Econômico Mundial em Davos, Suíça, em 2013 - World Economic Forum

Uma consequência desse arcabouço é o Efeito Certeza, no qual as pessoas preferem um resultado certo a um resultado incerto, mesmo que o valor ponderado pelas probabilidades seja menor.

Por exemplo, as pessoas em geral preferem receber $ 450 com certeza a arriscar uma chance de 50% de ganhar $1000.

Similarmente, um segundo cenário inverte a situação para perdas: você tem a opção de perder R$ 500 com 100% de certeza ou ter 50% de chance de perder R$ 1100. Neste caso, muitas pessoas escolhem a opção arriscada, na esperança de evitar completamente a perda. Esse comportamento ilustra uma preferência pelo risco quando se trata de evitar perdas.

Além disso, a Teoria do Prospecto introduz o conceito de sobrepeso e subpeso de probabilidades. Isso significa que as pessoas tendem a dar mais peso do que deveriam a eventos de baixa probabilidade e menos peso a eventos de alta probabilidade.

Por exemplo, alguém pode subestimar a alta probabilidade de desenvolver problemas de saúde devido ao fumo ou à má alimentação, continuando esses hábitos apesar dos riscos. Ao mesmo tempo, eventos com baixíssima probabilidade de ocorrer como reações adversas de medicamentos ou vacinas podem ser vistos como se tivessem muito mais chance de se concretizar.

Mas a obra que popularizou o Kahneman no público mais amplo foi o seu livro "Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar".

Nele, o autor propõe os dois sistemas que dirigem nossa forma de tomar decisão: o Sistema 1, rápido, intuitivo e mais emocional; e o Sistema 2, mais lento, deliberativo e mais lógico.

O autor argumenta que, embora o Sistema 2 seja capaz de analisar e fazer julgamentos complexos, é o Sistema 1 que guia a maioria das nossas decisões diárias sem que percebamos.

Essa interação entre os dois sistemas pode levar tanto a vieses cognitivos quanto a erros de julgamento, e ao mesmo tempo economizar energia mental.

Ainda no livro, Daniel Kahneman mergulha nos processos automáticos e inconscientes que moldam nosso pensamento.

As heurísticas, ou atalhos mentais, que o Sistema 1 emprega, facilitam as decisões rápidas sem o esforço deliberativo do Sistema 2. Porém, esses atalhos também nos expõem a erros sistemáticos de julgamento.

O efeito de ancoragem, por exemplo, demonstra como somos influenciados por informações iniciais, mesmo quando irrelevantes, como em descontos de produtos que costumam ter o valor original.

Já o viés de confirmação ressalta nossa tendência a selecionar e dar mais crédito a informações que reforçam nossas crenças existentes, ignorando evidências contrárias.

A partir desse mapeamento de vários vieses, empresas, governos e instituições têm empregado estratégias para fazer consumidores e cidadãos aumentaram seu consumo ou aderirem a políticas públicas. Muito além de afetar apenas decisões financeiras, os atalhos mentais afetam decisões cotidianas de hábitos de saúde, lazer e consumo.

A obra de Kahneman oferece uma janela para o entendimento de como tomamos decisões. Ao explorar os meandros de nossos processos de pensamento, nos fornece ferramentas para questionar nossas escolhas e, potencialmente, tomar decisões melhores.

Sua pesquisa não apenas contribuiu com a ciência econômica, mas também nos convidou a olhar para dentro de nós mesmos.

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