Descrição de chapéu Folhajus Lava Jato, 10 anos

É preciso revisar acordo de leniência da Lava Jato para preservar empresas, diz diretor da Novonor

Compliance elogiado por autoridades cruza agenda de executivos com sistema que registra reuniões com autoridades

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A revisão do acordo de leniência fechado pela antiga Odebrecht, hoje Novonor, com a CGU (Controladoria-Geral da União) em 2018 é necessária para refletir a atual situação da empresa, que fatura hoje 10% do que faturava antes da Operação Lava Jato.

É o que defende Rafael Mendes, diretor de Integridade e Riscos da companhia, em entrevista à Folha. Uma década após o início da operação, as empreiteiras mais envolvidas nos escândalos de corrupção estão em Brasília tentando renegociar suas multas. A Novonor, por exemplo, em recuperação judicial, pagou apenas R$ 172 milhões dos R$ 2,7 bilhões acordados com o órgão seis anos atrás.

Rafael Mendes, diretor de Integridade e Riscos da Novonor (ex-Odebrecht) - Carlos Gueller/Divulgação/Novonor

Ele dirige o elogiado programa de compliance da empresa, adotado após a companhia assumir culpa nos escândalos em 2016, que já custou mais de R$ 500 milhões, afirma. Entre os sistemas adotados pela companhia, há até um que analisa as agendas do Outlook dos executivos para verificar se uma reunião com um agente público não foi registrada no sistema reservado a isso.

REVISÃO DE ACORDO DE LENIÊNCIA

É um dos primeiros acordos de leniência em matéria de corrupção celebrados na história do Brasil. As instituições brasileiras vêm passando por um grande aprendizado.

Você olha para uma empresa que tem 180 mil empregados, que como grupo fatura R$ 100 bilhões, e calcula uma multa. Mas a empresa, como resultado de todo esse processo, agora tem 13 mil empregados, fatura R$ 5 bilhões. Essas multas que você estabeleceu são realistas? Ou elas vão terminar de destruir a empresa, o que não é do interesse de ninguém? Um dos princípios do acordo de leniência é a preservação da empresa.

ESCÂNDALOS GLOBAIS

A gente analisou os maiores casos de corrupção e de delitos empresariais. Volkswagen, Airbus, as empresas de telecomunicação tiveram alguns casos muito grandes, Ericsson [telecom sueca], Veon [holandesa], Telia Sonera [sueca], Siemens [alemã]. Empresas que pagaram mais de US$ 1 bilhão de dólares em acordos. Todas tiveram receitas acima do nível do mar [maiores do que quando o escândalo foi revelado]. A nossa receita diminui para menos de 10% [do que era antes].

Nenhuma dessas outras empresas sofreu tamanho impacto de uma ação de aplicação de leis de corrupção como o Grupo Novonor e a OEC sofreram. Não são bases nem comparáveis. Talvez uma andada de lado ali por um ano, dois anos, e aí cresce.

Todas elas tiveram a sua aventura com o Departamento de Justiça [dos EUA], com autoridades europeias, pagaram pesadas multas, mas foi respeitado o princípio de preservação da empresa. Deve ser punida, mas não destruída.

OUTRAS EMPRESAS DO GRUPO NOVONOR

A OEC é hoje o nosso principal eixo estratégico para a continuidade da empresa. Muitas empresas [do grupo], ao longo desses anos, tiveram que ser desinvestidas, vendidas, os ativos todos de transporte, de infraestrutura, de saneamento.

[Como] A Atvos, que era uma empresa formidável de agroindustrial. Mais recentemente, a Ocyan, que era um braço de óleo e gás, que tem serviços de perfuração offshore, que tinha duas plataformas de produção de petróleo e serviços de manutenção offshore. Tivemos que vender justamente pela situação toda que ficou para a empresa, combinando uma dívida muito grande.

Ainda somos legalmente os titulares das ações que dão o controle da Braskem, estão todas dadas aos credores em garantia. Existe um mandato para vender, e o fruto da venda vai para os credores. Aí deixa de ser uma empresa do grupo.

PROJETOS FUTUROS

A nossa estratégia é justamente ir onde a gente entende, com nossa capacidade de engenharia e de lidar com a complexidade, seja de relevo, comunidades locais, desafios climáticos, desafios de como mobilizar equipes. Inclusive como cuidar das equipes em lugares inóspitos como no meio da selva, do deserto, nos Andes.

Simplesmente contratar obra que é uma estrada simples, plana, do ponto A até o B em 30 km, não é o tipo de obra que a OEC quer. Os números e os tamanhos e a magnitude e a complexidade de que nós somos capazes de fazer, poucos são.

A gente está fazendo uma obra de um terminal oceânico de combustíveis e gás e petróleo em Angola, que foi abandonada no meio do caminho por uma empreiteira de outro país, que não conseguiu lidar com a complexidade de Angola.

Nós estamos lá há 40 anos. Nós somos contratados porque existe o entendimento da Sonangol, a companhia de petróleo de Angola, de que somos capazes de fazer. É um negócio faraônico em termos de dimensão. Uma falésia de 60 metros de altura. Tivemos que trazer 34 tanques de gás liquefeito de petróleo da China, cada um tem o tamanho de um submarino, e tinham que subir esses 60 metros de falésia para serem acomodados ali para fazer o armazenamento de gás.

São projetos que têm desafio de prazo ou de engenharia, pouquíssimas empresas são capazes de fazer.

INVESTIMENTO EM COMPLIANCE

De 2015 a 2022, investimos mais de R$ 500 milhões considerando custo dos monitoramentos externos independentes, escritórios de advocacia, empresas especializadas nas "big four" [EY, PwC, Deloitte e KPMG], consultorias especializadas em contabilidade forense, canal de denúncia, treinamento de compliance, "due diligence" [investigação] de terceiros.

CONTROLES INTERNOS

Nossos controles financeiros e programa de integridade são centralizados e abarcam todas as nossas operações, unidades de negócio e empresas do grupo no mundo inteiro.

Não faz muita diferença se você está no Peru, Brasil ou Panamá, você vai ter que aprovar o terceiro que vai receber qualquer sorte de pagamento utilizando o mesmíssimo processo de "due diligence" que é feito pela minha equipe.

Temos canal de denúncia em três idiomas, disponível em todos os lugares onde operamos.

Monitoramos oito tipos de transações que a gente considera de risco, que tradicionalmente indicam que você deveria ter um olhar especial, como contratação de terceiros, interações com agente público, oferta ou aceitação de brindes e presentes e hospitalidade.

Temos regras específicas para contabilizar todos os custos de um determinado projeto dentro de um mesmo centro de custos, para você conseguir reconstruir a história daquele projeto, dizer quanto gastou, para quem pagou, com qual finalidade.

Cruzamos informações dos nossos sistemas de compras com o nosso sistema de reembolso de despesas, com o nosso sistema de aprovação de viagem, com o e-mail e o Outlook, o calendário das pessoas.

Uma reunião com um prefeito precisa ser registrada no sisteminha que a gente tem para as interações com agente público. A gente busca nos calendários a reunião que esqueceram de avisar.

DENÚNCIAS

De janeiro de 2016 para cá, são oito anos que não temos notícia de novos fatos relacionados a potencial envolvimento, investigação, denúncia propriamente dita pelo Ministério Público ou o que seja, inquéritos que tenham sido abertos que digam respeito a atos de corrupção praticados pela empresa. Oito anos que sequer temos notícia de investigação. Às vezes vemos manchetes: 'novos escândalos da Odebrecht no México'. Você vai ver é de 2008.

RENOVAÇÃO

Nós fizemos uma renovação muito profunda. Em torno de 240 pessoas ocupavam cargos de primeira linha, diretoria executiva e conselheiros de administração do grupo em 2014 para 2015. 217 desses executivos e conselheiros deixaram a empresa desde então.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.