Reduflação: por que falamos cada vez mais sobre o encolhimento dos produtos?

Fenômeno conhecido como 'shrinkflation' nos EUA é capturado pelos indicadores de inflação do país

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Jeanna Smialek
The New York Times

Os consumidores estão percebendo algo de errado. Sacos de batatas fritas cheios de ar. Latas de sopa com menos conteúdo. Embalagens de detergentes menores.

As empresas estão reduzindo o tamanho dos produtos sem reduzir seus preços, e postagens de consumidores no Reddit, TikTok e até na seção de comentários do New York Times demonstram indignação com a tendência, conhecida como "reduflação", ou "shrinkflation", em inglês.

A prática não é nova. Fabricantes têm encolhido discretamente seus produtos para evitar aumentar os preços há séculos, e os especialistas acreditam que se tornou uma estratégia empresarial óbvia desde pelo menos 1988, quando a Chock Full o'Nuts reduziu seu pote de café de cerca de 450 gramas para cerca de 360 gramas. Seus concorrentes seguiram o exemplo.

Supermercado em Chicago, nos Estados Unidos - Scott Olson/Getty Images via AFP

Mas a indignação hoje é maior. O presidente Joe Biden explorou essa angústia em um vídeo recente. "O que mais me deixa irritado é que os potes de sorvete realmente encolheram de tamanho, mas não de preço", disse.

As próprias empresas já estão criticando a prática em estratégias de marketing. Uma rede canadense lançou uma pizza "growflation", maior pelo preço de uma menor.

Mas como funciona a reduflação, economicamente falando? Se ela está acontecendo com mais frequência nos Estados Unidos, isso significa que os dados oficiais estão falhando em capturar a verdadeira extensão da inflação?

O encolhimento era generalizado em 2016

Pode ser difícil de acreditar, mas o encolhimento parece estar acontecendo menos hoje do que há alguns anos.

O governo ajusta os dados oficiais de inflação para levar em conta a redução dos produtos, e os pesquisadores que monitoram esses reajustes de tamanho observaram em 2023 menos casos do que alguns anos antes.

A redução de tamanho era frequente em 2016, quando a inflação estava baixa. Tornou-se mais rara após o início da pandemia em 2020, e mais recentemente começou a voltar aos níveis pré-pandêmicos, segundo analistas do Bureau of Labor Statistics.

Os economistas ainda observaram que o conjunto de produtos medidos mudou um pouco ao longo dos anos, tornando as comparações mais uma aproximação do que uma ciência exata.

Magnitude do encolhimento para alguns produtos é maior

Mesmo que ele não esteja acontecendo com tanta frequência, está tendo hoje um grande impacto em algumas categorias-chave, incluindo doces, detergentes e papel higiênico.

De 2019 a 2023, a reduflação fez a inflação para produtos como papel toalha e papel higiênico aumentar cerca de 3,6 pontos percentuais nos EUA, acima dos 1,2 pontos percentuais de 2015 a 2019.

O encolhimento também contribuiu mais fortemente para os aumentos de preços tanto em doces quanto em produtos de limpeza nos últimos anos.

Para snacks, a redução adicionou 2,6 pontos percentuais à inflação, em linha com o aumento visto de 2015 a 2019. O governo ainda não divulgou uma análise de quanto o encolhimento contribuiu para a inflação geral de 2019 a 2023.

Produtos de pior qualidade

A reduflação é um fenômeno capturado pelos dados oficiais de inflação dos EUA, mas uma outra força sorrateira que custa aos consumidores é ignorada pelas estatísticas. As empresas às vezes usam materiais mais baratos para economizar na produção, processo conhecido como "skimpflation". Isso é mais difícil para o governo medir.

Se o rolo de papel toalha tem o mesmo preço, mas tem menos folhas —reduflação—, isso aparece como um aumento de custo unitário que é adicionado à inflação oficial.

Se seu papel toalha é do mesmo tamanho, mas de repente passa a ser feito com material pior, o governo não registra isso como inflação.

Alimentos e produtos domésticos em geral não são ajustados diretamente por mudanças de qualidade além de tamanho e peso, segundo os estatísticos do governo.

Então, se a sua marca de congelados começar a usar óleo vegetal em vez de azeite, ou se sua embalagem abre-e-fecha perder o zíper, os dados de inflação não irão mostrar isso.

Empresas fazem isso porque funciona

As empresas optam por reduzir seus produtos em vez de cobrar mais por um motivo simples —os consumidores muitas vezes prestam mais atenção aos preços do que aos tamanhos.

Quando a quantidade diminui, "as pessoas podem notar, mas muitas vezes não notam", disse John Gourville, professor da Harvard Business School. "Você não vê um choque de preço."

Em um exemplo famoso, a Danone (Dannon nos EUA) costumava vender iogurtes em recipientes maiores do que seu concorrente Yoplait, 225 gramas versus 170 gramas.

Os consumidores estavam convencidos de que o iogurte da Danone era mais caro, não percebendo que era apenas maior. Por fim, disse Gourville, a empresa cedeu e encolheu sua embalagem.

"As vendas de iogurte da Danone, que caíram imediatamente após a redução do tamanho, desde então se recuperaram", mostrou o Times em 2003.

"E a Danone agora está embolsando um lucro maior em cada iogurte que vende." Nem todas as mudanças de tamanho são iguais.

Algumas podem ser sorrateiras, como aumentar o tamanho de uma reentrância na parte inferior de um pote ou aparar os cantos de uma barra de sabão.

Os consumidores têm dificuldade em reconhecer mudanças de tamanho quando ocorrem em três dimensões, disse Nailya Ordabayeva, professora associada da Tuck School of Business da Dartmouth, que estudou respostas dos consumidores.

"O cérebro é programado para fazer associações mais simples", explicou.

Além disso, observou, os consumidores podem estar dispostos a aceitar quantidades menores ou até mesmo preferi-las em alguns casos. Produtos ultraprocessados podem diminuir de tamanho para reduzir as contagens de calorias, por exemplo.

Consumidores podem resistir às mudanças

Quando as empresas estão apenas buscando seus lucros —e não seus consumidores— alguns especialistas em precificação se preocupam que a reduflação persistente possa afastar os compradores.

Quando os custos de matéria-prima estavam subindo e a inflação estava nas manchetes, os consumidores provavelmente entendiam que as empresas precisavam repassar parte desses aumentos. Eles até podem ter preferido produtos menores a preços mais altos, disseram vários especialistas.

Mas, agora, a inflação geral tem desacelerado —após atingir 9,1% em julho de 2022, havia recuado para 3,1% em janeiro. E os consumidores podem estar menos dispostos a aceitar a reduflação agora que as empresas enfrentam pressões de custo menos severas, especialmente porque os lucros das empresas de alimentos têm sido —e em muitos casos continuam sendo— altos.

Eles podem simplesmente se sentir enganados.

"Consigo ver os consumidores se tornando cada vez mais conscientes da existência da reduflação", disse Jun Yao, professor de marketing na Universidade Macquarie, na Austrália, que estudou a tendência.

E, à medida que mais cadeias e varejistas online exibem os custos unitários, os compradores podem estar mais atentos às mudanças de tamanho, disse Yao, uma consciência que poderia ajudar a resistir contra futuras reduflações.

A prática, disse ele, "pode dar errado e prejudicar a imagem da marca".

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