EUA proíbem importação de combustível nuclear da Rússia

Após 2 anos da Guerra da Ucrânia, Biden tenta cortar dependência do urânio enriquecido de Putin

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São Paulo

Após dois anos do início da Guerra da Ucrânia, os Estados Unidos determinaram a proibição da importação de urânio enriquecido da Rússia, o principal fornecedor estrangeiro do combustível de usinas nucleares para o país.

A medida, segundo a estatal russa do setor, Rosatom, poderá desestabilizar os preços no mercado mundial, dominado pelo país de Vladimir Putin.

A usina nuclear americana de Three Mile Island, na Pensilvânia, palco de um acidente em 1979
A usina nuclear americana de Three Mile Island, na Pensilvânia, palco de um acidente em 1979 - Jonathan Ernst - 15.mar.2011/Reuters

A medida americana foi proposta em uma lei apoiada por oposição e situação no Congresso, sendo assinada nesta segunda (13) pelo presidente Joe Biden. "É ridículo que tenhamos demorado tanto para chegar aqui, mas estou feliz que chegamos", afirmou o presidente da União dos Produtores de Urânio dos EUA, Scott Melbye.

O cenário era inusitado, mas refletia as realidades do mercado energético. Logo quando os tanques de Putin cruzaram a fronteira ucraniana, em 24 de fevereiro de 2022, os EUA baniram a importação de petróleo e gás russos.

Isso foi fácil porque Washington comprava poucos hidrocarbonetos da Rússia, ao contrário da Europa, que demorou um ano para reduzir de forma substancial sua dependência, particularmente do gás natural. Ainda assim, o produto ainda é enviado por dutos que passam pela Ucrânia, com Moscou pagando pedágio à rival Kiev, a países do continente.

Com o urânio enriquecido, principal fonte de energia dos 93 reatores comerciais dos EUA, era diferente. Em 2023, a Rússia forneceu 24% do produto usado pelos americanos, ficando atrás apenas dos produtores locais, donos de 27% do mercado. Assim, o setor ficou fora das draconianas sanções ocidentais a Moscou devido à invasão.

Isso gerava cerca de US$ 1 bilhão (R$ 5,2 bilhões) anuais para os russos, que enfrentam o apoio americano a Kiev no campo de batalha ucraniano. Para complicar, Washington acusa a Rosatom de fornecer materiais essenciais ao esforço de guerra russo, como combustível para foguetes.

Para a alegria das empresas americanas do setor, a legislação prevê a liberação de US$ 2,7 bilhões em incentivos para aprimorar processos produtivos e prevê compensações até 2028 para quem tiver de fechar reatores devido à falta de combustível novo.

Se a hoje paralisada capacidade de enriquecimento americana for estimulada, há a possibilidade de o Brasil ser favorecido. O país tem a oitava maior reserva do mineral no mundo.

Apesar de ter qualificação técnica para enriquecer o produto, até aqui a prática era a de enviar apenas o concentrado do produto, conhecido como "yellow cake", para ser processado e gaseificado no exterior, retornado na forma de pastilhas para serem usadas nas usinas de Angra 1 e Angra 2.

Nos últimos cinco anos, esse ciclo de exportação e importação foi interrompido. Segundo a estatal INB (Indústrias Nucleares do Brasil), o envio para o exterior será retomado neste ano, assim como os sempre anunciados planos de virar um grande exportador de urânio.

No contexto americano, o cenário tende a voltar a ser como era na Guerra Fria, quando os produtores domésticos dominavam o mercado usando urânio comprado de aliados. Hoje, dois deles estão entre os donos das maiores reservas do mundo, a Austrália (1ª) e o Canadá (3ª). Em 2023, os canadenses respondiam por 27% da compra do urânio bruto, seguidos pelos cazaques, com 25%.

A partir do fim da União Soviética, em 1991, a Rússia passou a usar o desarmamento nuclear estabelecido em tratados em seu favor. Os núcleos de urânio que servem como primeiro estágio dessas armas foram desmantelados e transformados em combustível.

É um produto especialmente desejado, por ter alto teor de enriquecimento, na casa dos 90%, enquanto pastilhas comuns usadas no mundo têm 3%. O desmonte dos arsenais russos mudou a realidade do mercado, dando a liderança global à Rosatom.

Além das considerações geopolíticas, há a questão ambiental. A energia nuclear está no centro dos debates acerca de matrizes mais limpas para o futuro, não sem polêmica, dado que quando desastres acontecem, a exemplo de Three Mile Island (EUA, 1979), Tchernóbil (Ucrânia soviética, 1986) e Fukushima (Japão, 2011), as consequências podem ser desastrosas.

Por outro lado, como disse em janeiro à Folha o diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica, Rafael Grossi, há uma "tempestade perfeita" favorecendo a matriz nuclear, que vive um momento de expansão e modernização.

Ela decorre tanto da necessidade de os países cumprirem metas de corte de emissão de carbono do Acordo de Paris quanto da insegurança no fornecimento de outros insumos energéticos explicitado com as sanções aos hidrocarbonetos russos devido à guerra.

Nos EUA, o governo Biden estabeleceu uma meta ambiciosa, de produção 100% limpa de eletricidade em 2035. O único meio de chegar lá, com as tecnologias atuais, é com o emprego das usinas nucleares, que respondem por metade da eletricidade sem emissão de carbono do país hoje. Em 2023, a energia nuclear respondeu por 18,6% da produção de eletricidade no país, ante 10% no mundo.

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