Adesão a incentivo para energia renovável soma seis Itaipus e pode custar R$ 113 bi ao consumidor

Projetos com 85 GW de potência se habilitaram a benefício; um quinto do volume é da Casa dos Ventos

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Rio de Janeiro

A corrida pela manutenção de benefícios em projetos de energias renováveis superou em muito a projeção inicial do governo e pode custar ao consumidor mais de R$ 100 bilhões, segundo projeções de grandes consumidores de energia.

A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) anunciou na última semana que 1.983 usinas manifestaram interesse em aderir à medida provisória 1.212, editada pelo governo federal em abril, que prorroga o prazo para descontos no uso das redes de transmissão e distribuição de energia.

Torres Eólicas da cidade de Dom Inocêncio (PI), um dos locais mais atrativos para a geração desse tipo de energia no país. - Eduardo Anizelli/Folhapress

Ao todo, há uma capacidade instalada de 85,4 GW (gigawatts), seis vezes à da hidrelétrica Itaipu e mais do que o dobro dos 34 GW esperado pelo governo quando editou a MP sob críticas de especialistas e grandes consumidores.

A Frente Nacional dos Consumidores de Energia estima que, se todos os projetos entrarem em operação, o consumidor brasileiro pagará até R$ 113 bilhões em sua conta de luz pelos próximos 20 anos para sustentar o desconto dado aos geradores.

É pouco provável, porém, que todos eles saiam do papel: muitos empreendedores habilitaram projetos ainda em busca de compradores para a energia. Ainda assim, o setor questiona a prorrogação de subsídios a energias que já se mostram competitivas.

"É um negócio que deixa a gente preocupado, porque o próprio governo insinua que é contra jabutis [em projetos de lei], mas bota [o incentivo] numa medida provisória", diz o presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, Luiz Eduardo Barata.

O desconto dado às renováveis foi encerrado em 2022, mas o MME (Ministério de Minas e Energia) patrocinou a prorrogação do prazo sob o argumento de que precisa adequar o cronograma ao atraso na construção de linhas de transmissão para o transporte da energia.

Grandes consumidores reclamam que lobbies de segmentos específicos vêm provocando aumento dos subsídios cobrados na conta de luz e podem desorganizar de vez o setor elétrico brasileiro, que já convive com excedentes de energia.

A capacidade total dos projetos que aderiram à MP equivale a quase um quarto da capacidade instalada no Brasil atualmente, de 222,9 GW. Sua energia, em geral, é vendida no mercado livre, pressionando ainda os clientes das distribuidoras, que precisam ratear o custo da sobreoferta.

"A expansão da capacidade de geração garante que não vamos ter crise de energia, mas podemos ter uma baita crise econômico-financeira", alerta Barata. O incentivo prejudica mais pequenos consumidores, que são obrigados a ratear a parcela não paga pelos projetos subsidiados.

A grande maioria dos projetos que aderiu à MP é da fonte solar. São 1.514 projetos com 65,7 GW de potência. A energia eólica vem em segundo lugar, com 655 projetos e 19 GW. Há ainda pequenas centrais hidrelétricas e térmicas.

A empresa com maior número de projetos é a Casa dos Ventos, que tem quase um quinto de toda a capacidade prevista. Ela protocolou um total de 16,8 GW em usinas eólicas e solares. Os beneficiados terão que dar uma garantia de 5% do valor do projeto para assinar o termo de adesão e iniciar as obras em 18 meses.

A companhia disse à Folha, por meio de sua assessoria de imprensa, que vai definir, dentro do prazo de 90 dias estabelecido pela MP, quais os projetos em que realizará o aporte de garantias, "considerando o compromisso de iniciar as obras desses projetos em 18 meses".

É a segunda extensão do prazo para a concessão de incentivos a renováveis. Na primeira, em 2020, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) defendeu que o país não deveria "taxar o sol" e garantiu mais anos para que empresas garantissem o incentivo.

Desde 2023, o setor vem tentando prorrogar novamente o benefício por meio de jabutis em projetos de lei no Congresso. O tema chegou a ser incluído no PL das eólicas offshore (no mar), que está parado no Senado pelo excesso de jabutis, mas a MP do governo agilizou o processo de adesão dos projetos.

Para a indústria, a atuação do governo nesse caso vai no sentido contrário à promessa de reduzir os subsídios na conta de luz, que custaram aos brasileiros R$ 40 bilhões em 2023 -R$ 102 bilhões, se a conta considerar as operações financeiras que adiaram aumentos pela pandemia e pela seca de 2021.

Pesquisa feita pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) aponta que 55% dos empresários industriais brasileiros veem o excesso de subsídios do setor elétrico como um fator que afeta diretamente a competitividade da indústria.

O levantamento mostra ainda que 56% dos consumidores industriais não conhecem os subsídios embutidos na conta de luz.

Até a publicação deste texto, o MME não havia respondido ao pedido de entrevista sobre o tema, feito na quarta-feira (28).

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