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Agricultores argentinos demoram a exportar e atrapalham planos de Milei

Entrada de dólares cai; produtores temem uma nova desvalorização do peso, e chuvas atrasam colheita

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São Paulo

A combinação de fortes chuvas, preços baixos e expectativa de uma nova desvalorização da moeda faz a venda de soja na Argentina ser a mais lenta em uma década e alimenta um dos maiores temores do governo de Javier Milei: a falta de dólares.

Até maio, os agricultores haviam colhido cerca de 60% da área plantada de soja, ficando atrás até mesmo do ritmo de colheita da safra anterior, que foi afetada por uma seca histórica.

Com isso, a entrada de dólares pelas vendas de grãos despencou 38%, na comparação com maio do ano passado (de US$ 4,21 bilhões para US$ 2,61 bilhões) , de acordo com relatório de junho do Ciara-CEC (Câmara da Indústria de Óleos da República Argentina e Centro Exportador de Cereais, na sigla em espanhol).

Um agricultor conduz máquina em campo de soja no interior da Argentina, em um dia de céu limpo e ensolarado
Agricultor colhe soja de um campo em Pergamino, na Argentina - Matias Baglietto/Reuters


Segundo a Bolsa de Valores de Rosário, até o último dia 5, ainda restavam cerca de 26,7 milhões de toneladas de soja para vender. Quando considerada também a mercadoria já vendida, mas ainda não precificada, o total é de 35,7 milhões de toneladas.

A Argentina é um dos maiores exportadores globais de óleo de soja e farelo. O complexo oleaginoso e cerealífero, incluindo o biodiesel e seus derivados, contribuiu com 50,1% do total das exportações do país em 2023, de acordo com dados oficiais.

Por isso, o governo depende dele para a entrada de dólares, e assim seguir com seu plano de ajuste para conter a inflação e terminar com a limitação de compra da divisa norte-americana (o chamado "cepo").

Enquanto isso, os agricultores dão como quase certo que Milei irá desvalorizar a moeda. O governo do ultraliberal começou assim, com uma megadesvalorização do peso —e a expectativa por uma nova medida como essa faz sentido.

O mercado aponta que a cotação oficial, com uma correção de 2% ao mês, está defasada. A diferença entre o câmbio oficial e os dólares paralelo (blue) e financeiro hoje ronda os 40%.

O ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil Welber Barral lembra que sempre há uma queda de braço entre os exportadores de commodities na Argentina e o governo.

Segundo ele, a demora nas vendas acontece tanto pelo agronegócio esperar um melhor preço no mercado internacional quanto por saber que, se vender tudo de uma vez e em seguida ocorrer uma desvalorização, perderá dinheiro.

"O governo tenta criar incentivos para que eles liquidem logo os dólares da exportação, para assim aumentar as reservas no Banco Central. Os exportadores, por outro lado, especulam."

Em um informe publicado na segunda-feira (17), o FMI (Fundo Monetário Internacional) pediu que o governo elimine o chamado "dólar exportador" (ou blend) até o fim de junho.

Por meio dele, os exportadores podem receber até 80% das exportações em dólar oficial e 20% em dólar CCL (contado con liqui), mais vantajoso e um dos tipos mais utilizados em operações no mercado financeiro.

A equipe do ministro da Economia, Luis Caputo, descarta no momento qualquer mudança nesse sentido.

Durante a campanha, Milei dizia que o caminho para terminar com o "cepo" era a dolarização e o fim do Banco Central. Agora, o presidente diz apenas que o fim da restrição para a compra de dólares está "cada dia mais próximo".


Além da desconfiança sobre o futuro do câmbio, o freio nas vendas é uma combinação de clima ruim e preços baixos da soja, avalia Dante Romano, pesquisador do Centro de Agronegócios da Universidade Austral, no centro de grãos de Rosário, na província de Santa Fé.

Os agricultores costumam negociar as vendas antes que a safra seja totalmente colhida. Eles geralmente começam a colheita em abril, mas com as chuvas, conseguiam colher por dois dias e ficavam cinco dias parados, conforme contou à agência Reuters um produtor de Pergamino (a 222 km de Buenos Aires).

No início deste ano, os agricultores estavam recebendo cerca de US$ 270 por tonelada, segundo Romano, o que incentivou o produtor a manter seus estoques de soja e esperar que o mercado se recuperasse.

"O agronegócio estava tendo prejuízo com esses preços, o que deixou as vendas totalmente paralisadas", justifica Romano.

"Sempre tentam justificar que a demora é por algum feriado, condições climáticas ou outros problemas que atrasam o embarque. Até pode acontecer, mas tem, na verdade, essa queda de braço, de ficarem retendo exportações de olho em uma desvalorização", rebate Barral.

Milei também não tem podido contar com a entrada de dólares do lado da indústria. As liquidações de divisas do setor, que tinham crescido nos três primeiros meses do ano, voltaram a cair em abril (-38%, na comparação com o ano passado).

O dado foi publicado na terça-feira (18), pela UIA (União Industrial Argentina), que também apontou que a indústria local teve queda de 14,2% em abril, na comparação com o mesmo mês de 2023, e que foram fechados mais de 15 mil postos de trabalho.

Já em maio, as principais quedas interanuais registradas foram no setor automotivo (-27,9%) —de grande importância para o comércio bilateral com o Brasil—, no de produção de cimento (-27,1%) e no de máquinas agrícolas (-22,9%).

A atividade está próxima do seu ponto mais baixo, e o setor enfrenta dificuldades com a baixa demanda e a alta de custos, diz a entidade.

GOVERNO TEM DIAS DE ALÍVIO, APÓS DIFICULDADES NO CONGRESSO

Antes da aprovação no Senado da chamada Lei de Bases (que agora volta para a Câmara), o governo Milei atravessava uma semana ruim, de aumento do dólar e do risco país e um crescimento da desconfiança por parte do mercado.

Depois que o texto finalmente passou pelo Senado, ainda que em uma versão mais enxuta que a prevista por Milei, a Casa Rosada teve dias de alívio, podendo contar ainda com um aceno por parte da China, com a renovação de um contrato de swap cambial de US$ 5 bilhões até 2026.

Com o destravamento da Lei de Bases, o risco soberano argentino, medido pelo Embi (do JP Morgan), caiu 9,4%, de 11 a 14 de junho —embora tenha voltado a subir em ritmo lento desde então.

"Sem dúvida, foi o melhor dia do governo na economia", avalia o analista argentino Christian Buteler. "A aprovação da lei ressalta a capacidade do governo de governar, apesar de ter uma minoria legislativa", diz.

Foi nessa mesma semana que o Indec (Instituto Nacional de Estatística e Censos) divulgou que a inflação do país havia desacelerado para 4,2% em maio, ante 8,8% do mês anterior, em outra vitória do governo.

O FMI também aprovou uma revisão das metas da Argentina, liberando um desembolso de cerca de US$ 800 milhões.

Mas o governo ainda tem o desafio de demonstrar que as medidas aplicadas para conter a alta de preços são sustentáveis —mesmo economistas próximos ao presidente apontam que elas têm um limite e que a inflação pode parar de cair ou até ter um repique neste mês.

Com Reuters

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