Clima azeda entre empresas e governo com MP que restringe crédito de PIS/Cofins

Há pressão sobre o Congresso para devolver medida e mobilizações para questionamento na Justiça

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São Paulo

A proposta da equipe econômica do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de restringir o uso de créditos de PIS/Cofins azedou o ânimo dos empresários com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Mais do que provocar queixas sobre prejuízos aos mais diversos setores da economia, que já são estimados em bilhões de reais, a proposta é avaliada como uma demonstração de que o governo está disposto a tirar dinheiro de onde puder para não cortar gastos.

Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, ao fundo; já há pressão para que parlamentares devolvam o texto da MP 1.227 - 08.04.24 - Pedro Landeira:- Folhapress

A limitação dos créditos tributários está prevista na MP (Medida Provisória) 1227 como alternativa para compensar a desoneração da folha de pagamento para 17 setores. A estimativa é que possa arrecadar R$ 29,2 bilhões neste ano e mais R$ 60 bilhões no ano que vem. O texto foi publicado na terça-feira (4) no Diário Oficial e já está valendo (leia abaixo o que mudou).

A Receita Federal batizou o texto de MP do equilíbrio fiscal. Nesta quinta-feira (6), a Coalizão das Frentes Parlamentares pediu que ela seja rejeitada, qualificando a proposta de MP do fim do mundo. Senadores já se posicionaram contra, e é esperada forte reação no Congresso, com apoio de segmentos empresariais, o que é interpretado como perda de apoio político do setor empresarial ao governo Lula.

Se não houver solução legislativa, a discussão tende a alimentar uma batalha judicial. O tema, por exemplo, mobilizou integrantes da Fiesp nesta quinta. Segundo o diretor jurídico, Flávio Unes, a entidade decidiu que vai apoiar questionamentos judiciais que venham a ser feitos no STF (Supremo Tribunal Federal) e orientou as associadas a reivindicarem seus direitos na Justiça se entenderem que seja necessário.

Praticamente todos os setores que compõem a base produtiva da economia nacional são afetados pela MP. Já ocorreram manifestações de entidades ligadas à indústria de forma geral e segmentos em particular, como óleo e gás, biocombustíveis, mineração, agronegócio.

Como os créditos são utilizados especialmente por exportadores, a limitação afeta inclusive a dinâmica financeira dos embarques internacionais e a competitividade dos produtos brasileiros no exterior. Já se fala em risco para embarques. Os compromissos assumidos estão mantidos, mas as tradings já estão refazendo as contas para negociações futuras, uma vez que o produto ficará mais caro.

A Abrasca, que representa mais de 450 companhias de capital aberto, qualificou a MP de "erro grave", afirmando que ameaça a reforma tributária, causa insegurança jurídica, afeta as operações das empresas e interrompe projetos de investimentos.

"O efeito nocivo dessa MP é de uma extensão nunca vista, por isso estamos presenciando um número tão grande de manifestações contrárias. Umas 80 entidades já se posicionaram, pedindo ao Congresso que faça a sua devolução", afirma Raul Jungmann, presidente do Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), que já divulgou nota alertando para os efeitos negativos da proposta.

A principal queixa é o componente surpresa da MP. Ninguém esperava nada parecido. Não houve consulta nem sinalização da Fazenda. Nenhum porta-voz do governo se manifestou sobre a MP também. A principal aparição do ministro Haddad nesta quinta foi na foto oficial com o papa Francisco em sua visita ao Vaticano.

Alguns representantes da iniciativa privada, que preferem não ter o nome citado, afirmam que o ambiente é de revolta. Alguns qualificam a proposta como calote e confisco, pois o crédito tributário é considerado um direito em inúmeros segmentos. Alguns falam que é preciso pôr o pé na porta, com manifestações contundentes, para mostrar que tudo tem limite.

Frase recorrente é que o "governo dá com uma mão e toma com a outra", numa alusão ao trabalho do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) pela neoindustrialização, de um lado, e a busca desenfreada por arrecadação via Ministério da Fazenda.

"A repercussão no setor industrial é muito grande, e o clima é de indignação", disse à Folha Mário Sérgio Telles, superintendente de economia da CNI (Confederação Nacional da Indústria). Na quarta, o presidente da entidade, Ricardo Alban, deixou a comitiva oficial do governo brasileiro em visita à Arábia Saudita e à China e retornou ao Brasil para tratar do tema. Ainda estava em voo até a publicação deste texto.

Telles qualifica a MP como um retrocesso. Lembra que compensação de crédito de PIS/Cofins é permitida há mais de 20 anos. O crédito referente à Previdência é uma conquista recente, de 2018, mas que foi negociada pelo setor empresarial com o governo. A própria CNI participou das discussões por dez anos.

No agronegócio, a MP fortalece o discurso da polarização do "nós contra eles". Já se fala que a medida é o prenúncio de que Lula 3 pode acabar imitando os governos argentinos peronistas, criando medidas que prejudiquem as exportações.

Em nota nesta quinta, a Aprosoja verbalizou o sentimento registrando que o setor rural e a agroindústria receberam a MP com "grande espanto e revolta".

"A Aprosoja Brasil e qualquer outra entidade séria prima pela implementação de ações em busca do equilíbrio fiscal. Contudo, o que vemos é a falta de um ajuste nos gastos do Governo. Pelo contrário, os gastos da máquina pública estão sempre aumentando", afirma o texto.

"E agora, surgem ações que se assemelham às 'retenciones' argentinas, país que destruiu a sua cadeia agropecuária nas últimas décadas e gerou instabilidade no câmbio e inflação descontrolada como consequência deste tipo de política distorcida."

Nesta quinta, numa demonstração de insatisfação coletiva, o IPA (Instituto Pensar Agropecuário) soltou nota subscrevendo 48 entidades para detalhar os prejuízos da MP. Entre os setores signatários estão soja, milho, café, frutas, algodão, carnes e óleo vegetal.

"Nestes primeiros dias, as empresas estão absorvendo os custos da MP, e vamos ver o que fazer no final de semana. Mas já sabemos que, para cumprir os contratos, os prejuízos são imensos", diz Leonardo Zilio, vice-presidente da Ubrabio (União Brasileira do Biodiesel).

A desoneração vale para 17 setores da economia. Entre eles está o de comunicação, no qual se insere o Grupo Folha, empresa que edita a Folha. Também são contemplados os segmentos de calçados, call center, confecção e vestuário, construção civil, entre outros.

ENTENDA O QUE MUDOU

Crédito do PIS/Cofins em geral

Serão compensáveis apenas na sistemática da não cumulatividade, sem compensação com outros tributos ou cruzada, exceto com débitos do próprio PIS/Cofins. Mantém-se a possibilidade de ressarcimento em dinheiro, mediante prévia análise do direito creditório.

Crédito presumido de PIS/Cofins

Espécie de benefício fiscal concedido a empresas. Leis mais recentes já vedam o ressarcimento em dinheiro, impedindo a tributação negativa ou subvenção financeira para setores contemplados, mas em oito casos a autorização permanecia.

A MP estende a vedação ao ressarcimento para os oito casos que permaneceram e que representaram R$ 20 bilhões pleiteados em 2023. Não se altera a possibilidade de compensação na sistemática da não cumulatividade, ou seja, o direito permanece, desde que haja tributo a ser pago pelo contribuinte.

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