Leilão do arroz foi erro político e quiseram me atingir, diz demitido da Agricultura

Neri Geller contradiz ministro, nega pedido de exoneração e afirma que Fávaro o ignorou após anúncio

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Brasília

Demitido após a revelação de problemas no leilão do governo para comprar arroz importado, o agora ex-secretário do Ministério da Agricultura, Neri Geller, diz que o leilão foi um erro político —mas não dele. Em sua visão, as denúncias tomaram uma grande proporção justamente para atingi-lo.

Geller, que comandava a área de Política Agrícola, diz que não teve responsabilidade sobre o leilão porque não atuou em sua elaboração. Ao contrário do que alegou o ministro Carlos Fávaro, ele afirma que não pediu demissão do cargo e que, na verdade, seu ex-superior não lhe atendeu quando tentou corrigir a informação sobre a saída da pasta.

"A forma com que foi conduzido [o leilão para a importação de arroz] foi um equívoco, gerou uma reação muito forte da oposição e do setor produtivo, instabilidade no Congresso. Se eu pedisse demissão, estaria assumindo uma parcela de um erro político que não é meu", diz à Folha.

Neri Geller, ex-secretário do Ministério da Agricultura, em audiência na Câmara em 2022 - Paulo Sergio - 5.jul.2022/Câmara dos Deputados

Nesta terça-feira (11), o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou a anulação do leilão para a importação de arroz, uma medida que havia sido tomada para minimizar o impacto nos preços da calamidade climática no Rio Grande do Sul.

O pregão virou alvo de críticas, por exemplo, por ter entre os vencedores uma loja de leites e um empresário que já confessou propina, como mostrou a Folha. Também surgiram suspeitas de favorecimento que respingaram em Geller.

A saída do secretário, inclusive, aconteceu junto com a anulação do leilão, no que foi interpretado como uma tentativa de vincular o então secretário ao fracasso da medida.

Reportagem do site especializado The Agribiz mostrou que a Bolsa de Mercadorias de Mato Grosso (BMT) e a Foco Corretora de Grãos, que foram criadas no ano passado pelo ex-assessor do então deputado federal Neri Geller, Robson Luiz de Almeida França, intermediaram a venda de quase metade do arroz importado que foi vendido no leilão da Conab.

O filho de Neri Geller, Marcelo Piccini Geller, é sócio em outro empreendimento de Robson Luiz de Almeida França.

Questionado se a desconfiança acerca de um possível conflito de interesses envolvendo seu filho eram direcionadas para atingi-lo, disse que "concorda 100%".

"O que eu fiz de errado? Com certeza tomou proporções muito grandes por causa disso", afirma.

Geller afirma que o responsável por intermediar o leilão deixou de ser seu assessor em 2020 e que França já atuava no setor antes de o secretário entrar no ministério. Diz também que a empresa do ex-auxiliar com seu filho foi aberta, mas nunca operou.

"É justo que os órgãos de controle fiquem de olho, mas não tem uma vírgula errada. Não posso coibir um ex-assessor meu de realizar a atividade dele. O erro deles, do meu filho também, foi nunca ter dado baixa na empresa, aí não teria dado todo esse imbróglio", diz.

Geller evita apontar quem foram os principais defensores do leilão para a importação de arroz. Acrescenta que defendeu uma posição mais cautelosa, como em outras soluções para o problema, como a redução da TEC (Tarifa Externa Comum) do Mercosul, ideia que teria apoio do Ministério da Fazenda.

Segundo ele, já era possível projetar, na época, que a maior parte da produção do Rio Grande do Sul não seria afetada pelas chuvas, porque já havia sido colhida.

Embora Geller evite apontar responsabilidades, seus aliados indicam que a proposta de importação foi defendida pela Casa Civil da Presidência, que via a necessidade de evitar a alta nos preços e queria a distribuição, e pelo próprio ministro da Agricultura.

Neri afirma que conversou com o Fávaro antes da reunião entre o ministro e o presidente Lula, na última terça-feira, e se colocou à disposição para defender sua posição.

Após o encontro, no entanto, Fávaro anunciou sua saída. O secretário diz que, então, tentou conversar com o seu superior, mas foi ignorado.

"Ele mandou a carta pedindo a minha exoneração a pedido. Eu não consegui falar com ele, ele não me atendeu. Aí pedi a correção, que a exoneração não foi a pedido", afirma Geller.

Questionado sobre como era a relação com Fávaro, Geller não quis comentar. Da mesma forma, não quis dizer se foi tratado como um "bode expiatório" para a crise do arroz —afirma apenas que "não teve esse intuito por parte do presidente Lula, não".

Em evento no Rio nesta quarta (12), Fávaro afirmou que o governo cancelou o leilão por não ter "compromisso com o erro" e disse que não há "caça às bruxas" nem "julgamento precipitado" na demissão de Geller.

Na conversa com a Folha, Geller, que é ligado ao Progressistas (partido do Centrão), mais de uma vez reforçou seu papel como interlocutor do petista dentro do agronegócio, tanto durante a campanha, quanto já no governo.

Enfatizando os feitos da pasta, diz defender o atual presidente por convicção e que jamais deixaria seu cargo "atirando".

"Agora, eu vou ser o culpado disso [do fracasso do leilão]? Se eu tivesse culpa, eu assumiria e pronto. Mas não é culpa minha. Não posso sair pedindo exoneração, como se eu estivesse saindo porque fiz alguma coisa errada. O que eu fiz de errado?", questiona.

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