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Países emergentes enfrentam R$ 155 trilhões em dívida, e papa pede ajuda aos mais ricos

Crise que dura décadas piora e dezenas de nações gastam mais em pagamentos de juros do que em saúde ou educação

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Patricia Cohen
Londres | The New York Times

A reunião do Vaticano sobre a crise global da dívida na semana passada não foi tão repleta de celebridades quanto aquela presidida pelo Papa João Paulo II há 25 anos, quando ele usou óculos de sol dados por Bono, o vocalista do U2.

Mas a mensagem que o atual papa, Francisco, entregou desta vez —para uma sala cheia de banqueiros e economistas em vez de estrelas do rock— foi a mesma: os países mais pobres do mundo estão sendo esmagados por dívidas impagáveis e as nações mais ricas precisam fazer mais para ajudar.

As nações emergentes estão lidando com uma impressionante dívida pública de US$ 29 trilhões (algo em torno de R$ 155 trilhões). Quinze países estão gastando mais com pagamentos de juros do que com educação, de acordo com um novo relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento; 46 gastam mais com pagamentos de dívidas do que com cuidados de saúde.

Imagem mostra pessoas andando em rua de uma favela. Casas se amontoam junto com fios em local de baixa renda. Há um carro vermelho estacionado na rua.
Villa 31, uma das maiores favelas da Argentina, localizada na região central de Buenos Aires - Guillermo Adami/Folhapress

Dívidas impagáveis têm sido uma característica recorrente da economia global moderna, mas a onda atual pode ser a pior até agora. No geral, a dívida governamental em todo o mundo é quatro vezes maior do que era em 2000.

O excesso de gastos ou má gestão governamental é uma causa, mas eventos globais fora do controle da maioria das nações têm impulsionado seus problemas de dívida. A pandemia de Covid reduziu os lucros das empresas e os rendimentos dos trabalhadores ao mesmo tempo em que os custos com saúde e ajuda aumentavam. Conflitos violentos na Ucrânia e em outros lugares contribuíram para o aumento dos preços de energia e alimentos. Bancos centrais aumentaram as taxas de juros para combater a inflação crescente. O crescimento global desacelerou.

Ambos os papas ligaram seus apelos ao que eles chamaram de Jubileu ou ano santo —uma celebração enraizada na Bíblia e ligada a um período em que escravos eram libertados e dívidas eram perdoadas.

A campanha do Jubileu de 2000 foi apoiada por uma coalizão improvável de líderes religiosos, músicos, acadêmicos, conservadores evangélicos, ativistas liberais e políticos. Mais de 21 milhões de pessoas assinaram petições apoiando o perdão da dívida. Isso resultou eventualmente em um esforço global extraordinário que eliminou mais de US$ 100 bilhões de dívidas de 35 nações pobres.

O Papa Francisco reviveu a ideia para o Jubileu da igreja em 2025. Nomeado cardeal na Argentina em 2001, no auge do colapso financeiro do país, Francisco viu de perto a miséria e os tumultos violentos que uma crise de dívida poderia causar.

Ele pediu uma transformação no sistema financeiro global além do perdão da dívida. "Vamos pensar em uma nova arquitetura financeira internacional que seja ousada e criativa", disse ele na semana passada.

Seu discurso reconheceu que os problemas de dívida deste século são muito mais complicados do que os do século anterior.

Hoje, a dívida pública mundial não é apenas maior, é diferente.

Naquela época, a dívida era detida principalmente por um punhado de grandes bancos de países ocidentais e organizações internacionais de desenvolvimento antigas. Hoje, além desses nomes estabelecidos, os países precisam lidar com milhares de credores privados e credores oficiais adicionais, como a China, além de uma variedade de acordos de empréstimo às vezes secretos regidos por diferentes regulamentações nacionais.

Muitos economistas e formuladores de políticas estão chegando à conclusão de que mecanismos e instituições, incluindo o Fundo Monetário Internacional, criados há 80 anos para lidar com países em dificuldades financeiras, simplesmente não estão mais à altura da tarefa.

É como ter um técnico de televisão craque que sabe como substituir tubos de raios catódicos, mas não placas de circuito.

Indermit Gill, economista-chefe do Banco Mundial, fez um ponto semelhante esta semana, quando o banco lançou seu último relatório econômico global, que alertou para o impacto paralisante da dívida em um momento de desaceleração do crescimento.

O alívio da dívida "é a parte mais fraca da arquitetura financeira global", disse Gill. Mudanças no endividamento, acrescentou, "exigem um novo quadro de reestruturação da dívida que ainda não temos em vigor".

As crescentes fricções entre China e Estados Unidos tornaram mais difícil resolver crises de dívida. E não há um árbitro internacional com autoridade sobre todos os credores —o equivalente a um tribunal de falências— para julgar disputas.

Além disso, o financiamento para instituições como o FMI não acompanhou o ritmo do crescimento da economia global ou do peso da dívida.

Martin Guzmán, ex-ministro das Finanças da Argentina, que também experimentou o impacto devastador da crise de dívida de seu país natal, esteve na reunião do Vaticano na semana passada. Em sua opinião, a ajuda do FMI às vezes é contraproducente, oferecendo empréstimos de resgate, agora com altas taxas de juros, que acabam aumentando a dívida onerosa de um país.

Ele também criticou as taxas extras, ou sobretaxas, que o fundo impõe aos devedores de alto risco em dificuldades, desviando fundos preciosos que poderiam ser usados para fornecer cuidados de saúde e reconstruir uma economia. Os cinco maiores mutuários —Ucrânia, Egito, Argentina, Equador e Paquistão— pagaram sozinhos US$ 2 bilhões em sobretaxas no ano passado, de acordo com o Centro de Pesquisa Econômica e Política. Em média, as sobretaxas acabaram elevando o custo de empréstimos para todos os países afetados em quase 50%.

Neste momento, as perspectivas para as nações endividadas são sombrias, dada a lentidão com que suas economias estão crescendo. As nações emergentes não têm dinheiro para pagar por educação crucial, infraestrutura, tecnologia e cuidados de saúde. Aproximadamente 60% das nações de baixa renda estão em situação de endividamento ou em alto risco de estresse da dívida, de acordo com o FMI.

Ao mesmo tempo, trilhões de dólares adicionais são necessários para proteger essas nações vulneráveis dos eventos climáticos extremos e permitir que atinjam as metas climáticas internacionais.

Após retornar da conferência no Vaticano, Joseph Stiglitz, ex-economista-chefe do Banco Mundial, disse que durante a campanha de dívida do Jubileu de 2000, "havia um otimismo de que tínhamos aprendido as lições", e que o programa de perdão da dívida "resolveria o problema no futuro".

"Obviamente não resolveu", disse ele. "O problema piorou muito mais do que poderíamos ter imaginado há 25 anos."

Este artigo foi originalmente publicado no The New York Times.

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