Trabalhadores da Samsung entram em greve pela primeira vez na Coreia do Sul

Sindicato e empresa não chegaram a acordo sobre aumentos; negócio de chips de memória luta para recuperar liderança

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Jin Yu Young Meaghan Tobin
Seul e Taipé | The New York Times

Os trabalhadores da Samsung, empresa que domina a economia da Coreia do Sul, entraram em greve nesta sexta-feira (7) [noite de quinta (6) no Brasil] pela primeira vez na história.

A ação ocorre enquanto a Samsung Electronics luta para recuperar sua vantagem na fabricação de chips de memória, componente crítico nos sistemas avançados de inteligência artificial que estão reformulando rivalidades de longa data entre empresas de tecnologia globais.

A expectativa é que os funcionários da divisão de chips sejam a maioria dos que não se apresentaram para trabalhar nesta sexta —a greve está programada para durar um dia. Representantes do sindicato disseram que não houve acordo em várias rodadas de negociações sobre aumentos salariais e bônus.

Trabalhadores da Samsung Electronics protestam em frente ao prédio da empresa em Seul, na Coreia do Sul - Anthony Wallace - 7.jun.2024/AFP

"A empresa não valoriza o sindicato como parceiro de negociação", disse Lee Hyun Kuk, vice-presidente do Sindicato Nacional da Samsung Electronics, o maior entre os cinco grupos trabalhistas da empresa.

Ele diz representar 28 mil membros, cerca de um quinto da força de trabalho global da Samsung, e que quase 75% deles votaram a favor da greve em abril.

Lee disse que os trabalhadores do sindicato não receberam bônus no ano passado. No passado, alguns haviam recebido remuneração extra de até 30% de seus salários. "Parece que tivemos um corte de salário de 30%", disse.

O trabalhador médio do sindicato ganhou cerca de 80 milhões de wons no ano passado (R$ 308 mil, ou R$ 25,6 mil mensais).

Um representante da Samsung Electronics disse que a empresa estava tentando chegar a um acordo com o sindicato, mas se recusou a comentar mais sobre a greve.

Veículo com o logo do sindicato que organizou greve em frente ao prédio da Samsung em Seul - Anthony Wallace/AFP

A paralisação, contudo, não deve afetar a produção da Samsung. Ela foi programada para ocorrer entre um feriado nacional e o fim de semana, em um dia em que muitas pessoas na Coreia do Sul planejavam tirar folga.

Em um pequeno comício em frente à sede da Samsung em Seul na manhã desta sexta, os trabalhadores se reuniram enquanto os organizadores tocavam músicas de protesto pelos alto-falantes. Não foi possível verificar quantos trabalhadores ao todo participariam da greve.

Ainda assim, trata-se de um momento constrangedor para a empresa, que tem tentado tranquilizar clientes e investidores de que seu negócio de chips pode atender às demandas do boom da inteligência artificial.

"A Samsung é uma empresa altamente respeitada no setor de semicondutores de memória; eles foram líderes por décadas. Mas perderam a liderança tecnológica para concorrentes", disse Nam Hyung Kim, analista da empresa de pesquisa de mercado Arete Research. "A greve do sindicato não é nada comparada a muitos dos problemas que eles estão enfrentando neste momento", disse.

Enquanto os chamados chips lógicos fazem os computadores funcionarem, os chips de memória permitem que eles armazenem informações.

Eles estão em tudo, de smartphones até geladeiras. Computadores avançados usam muitos dos dois tipos, e os sistemas de IA generativa dependem de chips de memória de alta largura de banda e alta resistência para gerar textos, imagens e outros tipos de conteúdo.

A Samsung tem sido a maior fabricante de chips de memória do mundo há anos e relatou cerca de US$ 1,4 bilhão de lucro nessa divisão no primeiro trimestre deste ano. Mas isso após quatro trimestres seguidos de prejuízos. A empresa encerrou o ano passado com a receita mais fraca em mais de uma década.

Apesar das perdas, a Samsung permaneceu a maior fabricante de chips de memória do mundo em receita e participação de mercado no ano passado, de acordo com a TrendForce, empresa de pesquisa de mercado.

Mas, no início do ano, seu rival local, SK Hynix, reivindicou o primeiro lugar no mercado de chips de memória de alta largura de banda de nova geração, assim que a demanda por eles decolou.

Empresas que desenvolvem sistemas de inteligência artificial como a Nvidia correram para comprá-los. Os analistas dizem que a SK Hynix antecipou essa demanda antes que a Samsung o fizesse. O braço da Samsung que fabrica chips projetados por outras empresas também fica atrás dos concorrentes.

O resultado anual foi o maior déficit da história da empresa, de acordo com as declarações de Jun Young-hyun feitas a colegas quando assumiu a liderança da divisão de chips da Samsung no mês passado, após uma reorganização executiva.

Jun havia liderado anteriormente o negócio de chips da Samsung quando ultrapassou a Intel como a maior fabricante do mundo em receita. E ele comandou a divisão de baterias depois que a empresa descontinuou uma linha de smartphones depois que vários deles explodiram.

Um representante da Samsung disse que a empresa espera aumentar sua produção de produtos de memória de alta largura de banda em três vezes em relação ao ano passado e dobrar isso novamente em 2025.

A empresa disse que planeja investir cerca de US$ 200 bilhões até 2042 em um novo complexo industrial de semicondutores ao sul de Seul que está sendo desenvolvido pelo governo e que planeja gastar US$ 40 bilhões em instalações no Texas, nos Estados Unidos.

Desta vez, a busca de Jun por um retorno acontece enquanto a Samsung tenta superar anos de incerteza. Seu principal executivo, Lee Jae-yong, estava envolvido em um escândalo de corrupção que levou ao impeachment da ex-presidente Park Geun-hye.

Lee, a pessoa mais rica da Coreia do Sul, de acordo com a Bloomberg, é herdeiro da família que fundou a Samsung, o maior dos conglomerados familiares conhecidos como chaebol, que transformaram a Coreia do Sul em uma superpotência de exportação e influenciam quase todos os aspectos da sociedade.

Em fevereiro, ele foi absolvido de acusações adicionais relacionadas a uma fusão que o ajudou a garantir o controle sobre a empresa. Os problemas legais de Lee deixaram em destaque a influência da Samsung sobre a economia e a política da Coreia do Sul.

A Samsung foi fundada em 1938 pelo seu avô, Lee Byung-chul, como uma loja que vendia legumes e peixe seco. Rapidamente expandiu e criou a Samsung Electronics em 1969 para fabricar televisores e geladeiras, e logo em seguida, semicondutores.

Greves trabalhistas na Coreia do Sul não são incomuns. Desde fevereiro, mais de 10 mil jovens médicos pararam o trabalho em protesto contra os planos do governo de aumentar o número de estudantes de medicina admitidos. No ano passado, milhares de trabalhadores da construção civil se reuniram em descontentamento com as políticas trabalhistas do presidente.

Por décadas, a Samsung era conhecida por sua aversão ao trabalho organizado, e os sindicatos apareceram apenas nos últimos anos. Lee Hyun Kuk disse que alguns funcionários expressaram medo de se filiar.

"Nosso objetivo nesta sexta-feira não é afetar a linha de produção, mas sim enviar uma mensagem à administração de que atingimos um certo nível de maturidade", disse Lee.

Após a votação em abril, o sindicato realizou várias manifestações. Em uma tentativa de apelar ao público por apoio, planejou eventos para parecerem um festival de rua e organizou cantores de K-pop para entreter a multidão.

Desde a semana passada, quando o sindicato anunciou o dia de greve, um ônibus coberto com uma faixa com o slogan de protesto do sindicato —"opressão trabalhista, opressão sindical, não aguentamos mais!"— está estacionado em frente aos escritórios da Samsung perto do elegante distrito de Gangnam em Seul.

Os trabalhadores concordaram em tirar o dia de folga coletivamente e depois voltar ao trabalho, mas estão preparados para tirar dias adicionais no futuro se não conseguirem chegar a um acordo com a empresa, disse Lee.

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