Descrição de chapéu Incerteza fiscal

Falta apoio da ala política do governo à agenda de Haddad e Tebet, diz Mansueto Almeida

Ex-secretário do Tesouro afirma que, se incerteza fiscal não for debelada, haverá aumento de juros

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Brasília

Especialista em contas públicas e ex-secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida faz, em entrevista à Folha, um duro diagnóstico da crise de credibilidade sobre as contas públicas do governo, que já dura dois meses e tem provocado a disparada do dólar e o aumento das expectativas de inflação no Brasil.

Mansueto diz que falta uma mensagem com convicção da ala política do governo de apoio aos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) às medidas de corte de gastos e compromisso de que o teto de gastos do novo arcabouço não não será alterado.

"O ministro Haddad tem dado mensagens boas, ele cresceu ao longo do tempo, e ele é uma pessoa do PT e muito ligada ao Lula, o que significa que ele tem uma certa liberdade com o presidente. Mas o que está faltando é o seguinte: [saber] se há um apoio do governo à agenda econômica dos ministros Haddad e Simone Tebet ou não. E não está claro", diz o economista-chefe do BTG Pactual.

Se a incerteza fiscal persistir, haverá aumento de juros no Brasil, afirma ele, que defende medidas estruturais, mas também outras como a fixação de um teto para a dedução de despesas com saúde no Imposto de Renda.

Sobre as críticas do governo ao mercado, ele responde: "O mercado todo está perdendo muito dinheiro, justamente porque os juros estão subindo, o real está perdendo valor, a Bolsa está caindo. O que o mercado hoje mais torce é que o governo consiga se comunicar melhor e que mostre que vai cumprir com a regra fiscal".

Brasília, 12-FEV-2020. (REUTERS/Adriano Machado)/
Economista-chefe do BTG e ex-secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida. - Adriano Machado/REUTERS

O Brasil vive uma crise de credibilidade da política fiscal. O governo fala em terrorismo fiscal e os agentes do mercado financeiro cobram uma resposta. Qual o seu diagnóstico?
O mercado está questionando a credibilidade do plano fiscal do governo. Vamos lembrar que, no ano passado, mais ou menos no final de março, as coisas começaram a melhorar no Brasil, o governo divulgou o plano fiscal.

Era baseado em duas estratégias. Primeiro, num ajuste de mais ou menos R$ 300 bilhões de reais. Um déficit primário de R$ 200 bilhões no primeiro ano e terminaria o governo com um superávit de R$100 bilhões.

A outra perna do plano era o limite para o crescimento real do gasto de 2,5% real ao ano. O ajuste de R$ 300 bilhões o mercado nunca acreditou, porque era muito grande e baseado num forte aumento de arrecadação. Mas a outra parte do plano, que era o teto para o crescimento do gasto, o mercado acreditou e isso foi fundamental para a melhoria do preço dos ativos.

Quais as razões, então, da crise agora?
Como o crescimento de despesa obrigatória é muito forte, com uma parte grande do Orçamento da despesa do governo federal crescendo acima de 2,5%, todo mundo começa a fazer o cálculo e falar que possivelmente eles [o governo] vão ter que cortar a despesa discricionária, o que inclusive significa cortar um pouco também do investimento em 2025 e 2026.

A piora foi que, depois da mudança de meta fiscal, começou-se a questionar: e se eles tiverem problema de cumprir a outra parte da regra fiscal, que é o limite de 2,5%, vão contingenciar, cortar a despesa, mudar a regra do crescimento do gasto ou simplesmente aumentar o teto?

Qual a consequência dessa incerteza?
A gente não escutou da ala política do governo nenhuma mensagem com convicção falando que serão mais comedidos com o crescimento da despesa porque tem um limite de 2,5% para ser respeitado. Ninguém escutou absolutamente nada sobre isso.

A ministra Simone Tebet [Planejamento e Orçamento] colocou o debate de desvinculação, e o próprio ministro Fernando Haddad um pouco. Mas da ala política, que é o que importa, ninguém escuta essa mensagem. Toda semana o mercado está puxando para cima a expectativa de inflação e consolidando a tese de que o governo vai mudar a regra fiscal, e isso está fazendo preço. Ficamos oito semanas com a expectativa de inflação de 2024 e 2025 aumentando. São dois meses.

A política fiscal está sangrando, já que são dois meses sem resposta do governo? Qual o risco de continuar nessa trajetória ruim de falta de coordenação de expectativas?
Vai depender muito dos sinais do governo. Os efeitos ruins na economia já estão acontecendo. Por exemplo, no início do ano, a corrente majoritária do mercado era de que o ano terminaria com a taxa de juros entre 8,5% a 9,5%. O juro de um dígito era quase que consensual. O cenário era de que a economia se aceleraria ao longo do ano e a gente iria para um segundo semestre bom.

Agora, tem um cenário hoje radicalmente diferente. Tivemos uma surpresa de crescimento no primeiro trimestre, mas o cenário hoje é de juros 10,5%. Alguns começam a apostar num aumento da taxa de juros. A incerteza está impactando a expectativa de inflação, coloca o Banco Central numa situação difícil.

O BC não tem muito o que fazer, não pode reduzir juros com a expectativa de inflação crescendo há dois meses. A gente não escuta o contraponto do governo. Ao contrário, muitas vezes a gente escuta algumas declarações que aumentam ainda mais o risco e a incerteza do mercado.

Se a incerteza fiscal persistir, pode levar até mesmo à alta dos juros?
Sem dúvida. Podemos ter uma continuidade de deterioração de expectativa, e isso pode levar a um certo momento que o BC tenha que aumentar a taxa de juros.

Qual o gatilho para interromper a sangria? O presidente Lula disse que não vai fazer as medidas estruturantes…
Mesmo que eles não façam uma medida que tenha efeito imediato agora, nos próximos 12 meses, mas [precisa de uma medida] que fosse uma sinalização para depois, alguma coisa de desvinculação [de despesas] para daqui a dois anos, a partir de 2026, o que for, já seria algo que o mercado aceitaria. Mas no curto prazo, eles têm que provar que vão cumprir com os 2,5% de teto do arcabouço.

Como provar isso?
O governo sinalizar que de fato vai fazer um contingenciamento preventivo, por exemplo, seria uma medida que mostraria que o governo está disposto a cumprir o teto de 2,5%. Hoje, muita gente questiona até mesmo se o governo não vai tentar alguma medida para burlar a regra fiscal. Esse tipo de dúvida não pode persistir, porque aí vai ficar muito difícil reduzir os juros e o câmbio melhorar.

Se a gente tivesse hoje declaração de ala política falando ‘nós teremos que ser mais comedidos com o crescimento do gasto público, porque tem um teto de 2,5% para ser respeitado’, o mercado imediatamente melhoraria. Só em ter o sinal correto. Mas hoje não tem essa mensagem.

Não tem essa mensagem nem do ministro da Fazenda, Fernando Haddad? Não é preciso uma fala mais forte dele?
A equipe econômica colocou isso em debate. Tem que ficar mais claro o apoio do governo à equipe econômica. A equipe econômica fala das medidas necessárias, mas ela não fala de forma enfática que ‘o teto será cumprido, nós vamos controlar a despesa em tanto, esse programa vai ter que ter um crescimento menor’. Não tem essa mensagem muito clara, porque não tem a mensagem clara também vindo da ala política do governo.

O ministro Haddad perdeu o controle das expectativas?
A credibilidade do Ministro da Fazenda é percebida como sendo um apoio que ele tem do presidente da República. O que está agora causando uma grande apreensão no mercado é saber o seguinte: o ministro Haddad, que ganhou credibilidade, que hoje é um ministro muito mais forte do que era no início do governo, continua com um apoio muito grande do Presidente da República para medidas necessárias ou não? Esse apoio não é tão consolidado? Esse apoio é de todo o governo ao Ministro Haddad, à agenda econômica, ou não?

O ministro Haddad, ele tem dado mensagens boas, ele cresceu ao longo do tempo, e ele é uma pessoa do PT e muito ligada ao Lula, o que significa que ele tem uma certa liberdade com o presidente. Mas o que está faltando é o seguinte: [saber] se há um apoio do governo à agenda econômica dos ministros Haddad e Simone Tebet ou não. E não está claro.

Você é economista fiscalista, tem uma memória de números invejável e várias vezes já disse que, se não tiver ajuste pelo lado de gastos, os impostos vão aumentar. Ainda tem espaço para aumentar a carga tributária?
Eu acho que não se esgotou. Só que aquela medida do PIS/Cofins [medida provisória que restringiu o uso de créditos] não era uma medida boa. Ainda tem espaço para mudanças no rol de medidas que a gente chama de gasto tributário, benefícios, temos espaço para mudanças.

Quais?
Por exemplo, no Brasil há uma diferença muito grande de tributação entre alguém que está com carteira de trabalho registrada e uma pessoa jurídica personalíssima que presta consultoria.

Você está falando da pejotização?
Exatamente. A pejotização é algo que ainda precisa passar por mudanças. Tem uma série de regras também que permite às pessoas que o contribuinte abata da sua renda tributável para reduzir o pagamento de imposto, que também não faz muito sentido.

Por exemplo, o que você pode abater com gasto privado de educação tem um limite. Você não pode abater 100% do seu gasto privado com educação, mas em saúde pode. Nenhum país do mundo que você tem sistema público universal de saúde, como o do Brasil, permite ao contribuinte abater 100% do gasto privado com saúde da renda tributável. O Brasil perde R$ 25 bilhões com essa regra. Não é questão de acabar, mas colocar um limite.

Tem uma série de medidas que o governo pode fazer para aumentar a arrecadação. No Brasil, quando você completa 65 anos de idade, automaticamente a sua faixa de isenção de Imposto de Renda, se você é aposentado ou pensionista, dobra. O Brasil perde com essa regra R$ 15 bilhões por ano. São coisas que o governo poderia fazer, como ter regras mais rígidas para o MEI [microempreendedor individual] e para o Simples.

Nada disso é fácil. Tem muita resistência. Mas o governo teria que entrar nessa briga. São medidas estruturais. Mesmo assim, teremos que fazer alguma coisa do lado da despesa.

Onde precisa focar?
Hoje, com a vinculação que existe de algumas despesas em relação à arrecadação e dos benefícios assistenciais e previdenciários ao salário mínimo, se der um aumento muito forte e real do salário mínimo, a despesa vai crescer num ritmo que não vai ser compatível com nenhum ajuste fiscal.

Mas esse é um debate que o presidente Lula interditou…
Tudo isso o governo tem que discutir, porque é a única forma de ter algum ajuste fiscal no Brasil. Vamos lembrar que 85% do gasto público federal, sem juros, está concentrado em previdência, assistência social, que é a BPC, Loas e Bolsa Família, e saúde, educação e trabalho, que é seguro desemprego e abono salarial. Se você não controlar o crescimento dessas despesas, não tem ajuste fiscal.

O que você faria? O governo deveria rever a política de valorização do salário mínimo? A Folha mostrou que o custo em quatro anos é de R$ 100 bilhões e de R$ 550 bilhões em dez anos.
Tem um custo muito alto. O IBGE acabou de divulgar a taxa de desemprego do final de maio, está em 7,1%. A menor desde 2014. A gente está no mercado de trabalho com o crescimento do salário real.

Hoje, a própria dinâmica do mercado de trabalho está puxando o crescimento dos salários. O problema da valorização do salário mínimo, se não há espaço político para o crescimento do salário mínimo ser zero, então vamos pelo menos discutir as várias propostas que têm da correção ser menor.

É um problema matemático. Como é que você vai conciliar 2,5% de teto de despesas, que você tem uma parte grande do Orçamento crescendo acima disso? Não tem muita opção.

O envio do PLDO (Projeto de Lei Orçamentária) de 2025 em agosto é mais um problema para o governo porque faltam receitas e é preciso cortar gastos. Qual é esse buraco nas suas contas?
A dificuldade maior que vemos é no próximo ano. Tem uma diferença de 0,5% do PIB que o governo precisa fechar. Possivelmente vai tentar fechar esse 0,5% do PIB com a arrecadação, com alguma coisa na área de receita. Dá mais ou menos R$ 60 bilhões. Mas tem que respeitar o limite de 2,5% do crescimento do gasto.

Dependendo do gasto de Previdência que vai ser realizado esse ano, automaticamente, isso influencia o gasto de Previdência projetado para 2025, porque a base de 2024 será maior. Vai ter que cortar alguma coisa de investimento para também respeitar os 2,5%% de limite de despesa.

Quanto será preciso de corte de despesas?
A depender do que acontecer com a Previdência, com essas despesas obrigatórias, talvez ele tenha que fazer um corte aí na casa de R$ 20 bilhões, mas ele vai precisar de arrecadação de mais ou menos 0,5% do PIB.

O presidente Lula chamou de cretinos quem disse que o dólar aumentou por conta da sua fala. Os fiscalistas são acusados de terroristas. Como vê esses ataques?
O mercado, na verdade, não é uma, duas, três ou quatro pessoas. São milhares de pessoas, e todo mundo reage à percepção. Não é questão de maldade ou bondade de mercado. Ao contrário, o mercado, no ano passado, reagiu muito bem a um plano fiscal, mesmo sabendo que ao longo desse governo a dívida pública bruta cresceria perto de dez pontos do PIB em quatro anos, e que o ajuste fiscal definitivo ficaria mais à frente.

Não há má vontade, não. Ao contrário, acho que hoje o mercado todo está perdendo muito dinheiro, justamente porque os juros estão subindo, o real está perdendo valor, a Bolsa está caindo. O que o mercado hoje mais torce é para que o governo consiga se comunicar melhor e que mostre que vai cumprir com a regra fiscal.

Se o juro cair, a Bolsa subir e o dólar ficar mais barato, vai ser bom para todo mundo, tanto para o mercado quanto para a economia real. A percepção de que o mercado é cheio de terrorista, que torce contra o governo, é justamente o contrário.

RAIO X | Mansueto Almeida, 56

É especialista em contas públicas. Ex-secretário do Tesouro Nacional e atual economista-chefe do BTG Pactual.

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