Discriminação racial tira R$ 14 bilhões de trabalhadores negros no Brasil, diz estudo

Além de maiores salários, brancos também tiveram aumentos reais superiores; mulheres negras são metade do 1% mais pobre

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São Paulo

Ter sido alvo de discriminação ao buscar um emprego marcou para sempre a trajetória de Carmem Brito, 59. Ela conta que, com o orçamento doméstico apertado, tentou trabalhar como garçonete, mas foi rejeitada por ser negra e estar acima do peso.

Incentivada pelo pastor de sua igreja, começou a cozinhar para eventos religiosos. Rapidamente, expandiu para casamentos e festas, criando o Brito Buffet com o marido. Após interromper o serviço na pandemia, quando a família vendeu pratos pelo iFood, ela investiu em propaganda e hoje emprega cerca de 30 pessoas em Goiânia.

"O que passei me fez a mulher de negócios que sou hoje. A outra empresa continua atuando no mercado, mas o meu buffet hoje é tão bom ou melhor que o outro. Foi difícil, mas mudou tudo na minha vida", conta.

A imagem mostra uma chef de cozinha em um ambiente ao ar livre, cercado por árvores. Ela está vestido com uma camisa azul e calças escuras, posando ao lado de uma mesa de madeira com pratos dispostos. Cadeiras brancas estão alinhadas ao redor da mesa, e luzes penduradas entre as árvores criam uma atmosfera acolhedora.
Carmem Brito, que abriu um buffet após sofrer discriminação - Witynon Rodrigues/Divulgação

Além de causar sofrimento pessoal, a discriminação racial tem um preço econômico. Se os trabalhadores negros tivessem salários e empregos semelhantes aos dos brancos, eles ganhariam aproximadamente R$ 103 bilhões a mais, sendo que R$ 14 bilhões podem ser atribuídos à discriminação no mercado de trabalho.

As diferenças restantes dos salários dos brasileiros estão associadas a outros fatores, como educação, tipo de emprego e local de moradia.

A estimativa é de um estudo inédito do Neri (Núcleo de Estudos Raciais), do Insper, a partir da PnadC (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - Contínua), considerando vagas, informais e outras modalidades de trabalho, como os que atuam por conta própria, para pessoas de 25 a 65 anos.

O trabalho foi formulado pelos pesquisadores Alysson Portella, Michael França (colunista da Folha) e Rodrigo Carvalho. Para os cálculos, eles consideraram não apenas empregados, mas também as pessoas fora da força de trabalho.

Na comparação entre o segundo trimestre de 2023 e o mesmo período de 2024, o salário médio de trabalhadores negros é 42% menor que o de brancos (R$ 2.858 ante R$ 4.956). Entre as mulheres, essa diferença é de 40% (R$ 2.278 ante R$ 3.813).

Só a discriminação racial tira R$ 328,11 dos homens negros (em relação a brancos) e R$ 295,86 entre mulheres.

Para estimar quanto dessa diferença de ganho pode ser atribuída apenas à discriminação racial, comparações foram feitas entre pessoas com as mesmas características (idade, tipo de ocupação, grau de instrução), sendo a raça o fator que distingue esses trabalhadores.

A taxa de desemprego é maior para os homens negros que para homens brancos (4,77% ante 3,5%), e para as mulheres negras é maior que para as mulheres brancas (7,95% ante 5,35%) no mesmo período.

Os economistas do Insper apontam que, além de maiores salários, trabalhadores brancos tiveram reajustes reais superiores aos conquistados pelos trabalhadores negros.

As mulheres negras tiveram aumento interanual real de 5,46%, e os homens negros, de 4,46%. Por outro lado, as mulheres brancas tiveram um aumento real médio de 6,54%, e os homens brancos, de 7,44%.

Nesse sentido, olhar para o topo e a base da pirâmide é revelador: homens brancos representam 56% do 1% mais rico, seguido por mulheres brancas (28%), homens negros (11%) e mulheres negras (5%).

Em contrapartida, na base, as mulheres negras são 50% do 1% mais pobre, seguidas por homens negros (26%), mulheres brancas (14%) e homens brancos (10%).

Os pesquisadores avaliam que a estimativa da massa salarial perdida por discriminação racial pode orientar políticas públicas contra o racismo, destacando o impacto econômico da desigualdade.

Segundo Portella, nos fatores que independem da discriminação, a desigualdade poderia ser reduzida com investimentos em educação, reduzindo diferenças regionais.

"Nas questões que dizem respeito à discriminação, seria importante estabelecer ações afirmativas. No setor público, com cotas em concursos; no setor privado, com incentivos. Nos Estados Unidos, empresas que são fornecedoras do governo federal precisam ter um percentual mínimo de trabalhadores negros."

O Brasil poderia exigir isso de tomadores de financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), por exemplo, diz ele.

Para França, é fácil compreender por que há mais mulheres negras na base da distribuição de renda e mais homens brancos no topo.

"Nossa estrutura socioeconômica ainda oferece diversas vantagens a certos grupos. No caso do homem branco pobre, embora ele enfrente a desvantagem da classe social, não carrega o fardo dos vieses raciais e de gênero ao longo de sua vida."

Com o passar de várias gerações, esse sistema de vantagens e desvantagens perpetua a presença expressiva de homens brancos no topo, diz.

"Para avançar, mulheres, negros e até mesmo homens brancos de classes menos favorecidas precisam despender muito mais esforço do que um homem branco da elite."

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