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Bloqueio de R$ 15 bi no Orçamento atinge Farmácia Popular e Auxílio Gás

Programas que beneficiam mais pobres sofrem cortes após ministérios terem de travar despesas para cumprir arcabouço

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Brasília

O congelamento de despesas que a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) impôs no Orçamento de 2024 para cumprir com as regras do arcabouço fiscal atingiu o Farmácia Popular e o Auxílio Gás.

O bloqueio nos dois programas, que beneficiam a população mais pobre, será de R$ 2,3 bilhões e integra o pacote de contingenciamento anunciado pelo governo federal em julho, cujo valor total soma R$ 15 bilhões em despesas travadas. A cifra recaiu sobre gastos de ministérios, no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e nas emendas parlamentares.

O objetivo é manter o déficit dentro da margem prevista, entre zero e 0,25% do PIB (Produto Interno Bruto), num momento em que o governo busca afastar a desconfiança de agentes econômicos quanto a seu compromisso com as regras fiscais vigentes.

Ministérios e outros órgãos têm alertado o Planalto e a equipe econômica sobre a possibilidade de suspender ações que são bandeiras do presidente Lula, como a construção de unidades do Minha Casa, Minha Vida, caso o congelamento seja mantido por muito tempo.

O presidente Lula, ao lado da Ministra Nísia Trindade (Saúde), participam de cerimônia de sanção de projetos de lei relacionados à saúde, educação e justiça, no palácio do Planalto
O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao lado da ministra da Saúde, Nísia Trindade - Pedro Ladeira - 4.jun.2024/Folhapress

O ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), disse que a contenção de despesas é necessária, ainda que seja uma medida impopular. "Obviamente que corte é corte. Se precisa ajustar, ninguém vai estar com o sorriso na orelha, mas é necessário. O corte funciona com compromisso reiterado do presidente com a responsabilidade fiscal", afirmou após participar de reunião ministerial.

"Vida que segue e vai ter que ajustar isso dentro do cronograma de execução dos programas de cada ministério", acrescentou o ministro.

A ação orçamentária mais atingida até agora custeia a entrega gratuita de medicamentos pelo Farmácia Popular. Essa modalidade do programa teve R$ 1,7 bilhão bloqueado. A cifra equivale a cerca de metade do orçamento que ainda poderia ser empenhado (quando o valor é reservado).

Uma das bandeiras da Saúde sob Lula, o Farmácia Popular entrega gratuitamente remédios para diabetes, asma, hipertensão, glaucoma, Parkinson, entre outras doenças. No começo de julho, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, anunciou a ampliação do rol de produtos entregues de graça nas farmácias conveniadas.

O programa ainda subsidia descontos de até 90% em produtos como fraldas geriátricas e medicamentos para diabetes e doença cardiovascular.

O Farmácia Popular já havia perdido cerca de R$ 260 milhões durante o ano. A cifra também considera despesas canceladas na modalidade que oferece produtos com descontos.

Questionado, o Ministério da Saúde afirmou, em nota, que não haverá impacto no funcionamento do programa e na sua projeção de crescimento.

"O bloqueio no programa refere-se a uma reserva técnica que seria direcionada a outra iniciativa. Cabe ressaltar ainda que, caso necessário, há possibilidade de recomposição do valor durante o exercício por meio de remanejamentos", disse.

A Saúde afirmou que, mesmo com a contenção de gastos, o orçamento da iniciativa continuará maior que dos anos anteriores. Estão previstos, segundo a pasta, R$ 3,4 bilhões neste ano, o que significa aumento de 37% com relação a 2022 (R$ 2,48 bilhões), último ano governo Jair Bolsonaro (PL).

Já o Auxílio Gás teve R$ 580 milhões bloqueados, cerca de um terço do recurso que ainda pode ser empenhado do programa.

Pago a cada dois meses, o benefício custeia a compra de um botijão de gás de cozinha de 13 quilos. O valor a ser pago é definido conforme o preço médio do gás nos últimos seis meses, de acordo com pesquisa da ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). Em junho, o governo pagou R$ 102 a 5,81 milhões de famílias.

Podem ser beneficiadas pelo auxílio famílias inscritas no CadÚnico (Cadastro Único), com renda familiar mensal por pessoa menor ou igual a meio salário mínimo, hoje em R$ 1.412.

O MDS (Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome) disse que não haverá prejuízo ao auxílio ou qualquer outro programa social. A pasta afirmou que o congelamento da verba não é definitivo e pode ser revisto, "caso despesas que estavam inicialmente previstas deixem de ocorrer".

"Caso o desbloqueio do Orçamento Federal seja insuficiente, o MDS fará um remanejamento de recursos de outras ações discricionárias para garantir o pagamento do Auxílio Gás", disse o ministério.

O Painel do Orçamento registra nesta quinta-feira (8) cerca de R$ 13 bilhões em despesas já bloqueadas ou contingenciadas, valor que ainda subirá para R$ 15 bilhões.

Os órgãos públicos têm reclamado com a equipe econômica e o Planalto sobre a trava nas despesas. O Ministério das Cidades afirma que pode suspender a seleção de propostas para a construção de 30 mil unidades do Minha Casa, Minha Vida, em municípios de até 50 mil habitantes.

Já MIDR (Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional) alertou, em ofício obtido pela Folha, que a sua situação orçamentária é "critica e coloca em risco o atendimento à população brasileira e consequentemente o acesso às políticas públicas".

Em outro ofício, o Ministério dos Esportes citou esforço para direcionar recursos ao Bolsa Atleta no ano olímpico e disse que a pasta precisa se preparar para a Copa do Mundo feminina em 2027. "A ação de 'Promoção e Apoio ao Desenvolvimento do Futebol Feminino e Masculino e à Defesa dos Direitos do Torcedor' precisa ser fortalecida, em vez de ter seu valor bloqueado", afirma documento assinado pelo ministro Fufuca (PP-MA).

Os dados disponíveis apontam ainda bloqueios de R$ 934,4 milhões na ação do Ministério dos Transportes sobre "participação da União em projetos de concessões rodoviárias outorgadas à iniciativa privada". A trava atingiu mais de 80% da verba disponível nessa rubrica.

A pasta dos Transportes também bloqueou R$ 458 milhões dos R$ 577 milhões disponíveis para participação da União em projetos de concessões ferroviárias outorgadas ao setor privado.

Em nota, o órgão disse que o "bloqueio não vai prejudicar nenhuma das ações do Ministério dos Transportes, já que os projetos que poderiam precisar de aporte nos leilões ficaram reprogramados para o próximo ano".

ENTENDA A DIFERENÇA ENTRE BLOQUEIO E CONTINGENCIAMENTO

O novo arcabouço fiscal determina que o governo observe duas regras: um limite de gastos e uma meta de resultado primário (verificada a partir da diferença entre receitas e despesas, descontado a dívida pública).

Ao longo do ano, conforme mudam as projeções para atividade econômica, inflação ou das próprias necessidades dos ministérios para honrar despesas obrigatórias, o governo pode precisar fazer ajustes para garantir o cumprimento das duas regras.

Se o cenário é de aumento das despesas obrigatórias, é necessário fazer um bloqueio nos gastos, ajustando as contas. Se as estimativas apontam uma perda de arrecadação, o instrumento adequado é o contingenciamento.

Como funciona o bloqueio

O governo segue um limite de despesas, distribuído entre gastos obrigatórios (benefícios previdenciários, salários do funcionalismo, pisos de Saúde e Educação) e discricionários (investimentos e custeio de atividades administrativas).

Quando a projeção de uma despesa obrigatória sobe, o governo precisa fazer um bloqueio nos gastos discricionários com investimentos e custeio da atividade administrativa para garantir que haverá espaço suficiente dentro do Orçamento para honrar todas as obrigações.

Como funciona o contingenciamento

O governo segue uma meta fiscal, que mostra se há compromisso de arrecadar mais do que gastar (superávit) ou previsão de que as despesas superem as receitas (déficit). Neste ano, o governo estipulou uma meta zero, que pressupõe equilíbrio entre receitas e despesas.

Como a despesa não pode subir para além do limite, o principal risco para o não cumprimento da meta vem das flutuações na arrecadação. Se as projeções indicam uma receita menos pujante, o governo pode repor o valor com outras medidas, desde que tecnicamente fundamentadas, ou efetuar um contingenciamento sobre as despesas.

Pode haver bloqueio e contingenciamento juntos?

Sim. É possível que, em situação —hoje hipotética— de piora da arrecadação e alta nas despesas obrigatórias, o governo precise aplicar tanto o bloqueio quanto o contingenciamento. Nesse caso, o impacto sobre as despesas discricionárias seria a soma dos dois valores.

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