Descrição de chapéu dia dos pais paternidade

Licença-paternidade estendida vira trunfo para empresas, mas poucos têm acesso

Apesar de funcionários demonstrarem interesse por afastamento por mais tempo, adesão de empresas ainda é considerada baixa

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Lara Barsi
Niterói

Com a Constituição garantindo apenas cinco dias de licença-paternidade, empresas brasileiras que desejam melhorar seus índices de atração, retenção e satisfação de funcionários veem o aumento do tempo concedido no benefício como um trunfo.

Contudo, esta é uma realidade de uma fatia seleta de trabalhadores. Levantamento da VR, empresa de soluções para recursos humanos, mostra que 79% dos pais tiraram os cinco dias regulares, ou seja, 8 a cada 10 colaboradores tiveram apenas o tempo estabelecido pelo regime CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) para se afastarem do trabalho para os cuidados com o bebê. Os dados foram extraídos de uma base de 28 mil empresas que utilizam os serviços de gestão de capital humano da VR.

Dois homens sorriem junto de um menino, que aparenta ter cerca de dois anos. Os três estão em um local aberto, com grama verde e céu azul. O homem à esquerda usa uma camiseta de manga curta azul e o homem da direita usa uma camiseta branca. No centro, o menino usa um babeiro azul claro e uma camiseta azul escura.
Webster Baroni (esq.), 52, com o filho Noah e o marido - Arquivo pessoal

O gerente de projetos da Sanofi, Webster Baroni, 52, ficou afastado do trabalho por seis meses quando seu filho Noah, 2 anos e meio, nasceu. Ele ficou responsável pelo cuidado integral do bebê, uma vez que seu marido, que é empresário e professor de educação física, não conseguiu se afastar do trabalho.

"Todos os colegas com quem eu compartilhava o fato de ter a licença estendida ficaram surpresos ao descobrir o tempo que eu poderia ficar com o meu filho. Eles diziam: ‘nossa, como eu gostaria de ter tido esses meses quando meu filho nasceu’", afirma.

Segundo Webster, a iniciativa partiu da própria Sanofi. "Você se aproxima mais da família, se aproxima mais dos parentes. Cria-se uma rede solidária até dentro da empresa, com mais empatia e união entre os funcionários. Minha dedicação sempre foi muito grande, mas hoje tenho um orgulho ainda maior", diz.

O head de pessoas e cultura da Sanofi Brasil, Pedro Pittella, vê vantagens como a redução do estresse e da ansiedade dos colaboradores e o aumento na conexão com a empresa. "A licença está alinhada à nossa preocupação com o bem-estar dos funcionários e permite que homens e mulheres vivenciem com equidade o momento da parentalidade", afirma.

De acordo com Pittella, em 2024, quinto ano do benefício na empresa, a licença alcançou 73% de adesão. Este percentual, nos dois primeiros anos de implementação, foi de 48%.

Camila Bruzzi e Caroline Burle, presidente e presidente-adjunta, respectivamente, da Coalizão Licença Paternidade, afirmam que as empresas que adotam a licença ampliada têm conseguindo fortalecer a atração e retenção de talentos e a criação de ambientes de trabalho mais inclusivos, o que estimula outras empresas a seguirem a tendência. A aliança é formada por indivíduos, empresas e instituições que atuam em prol da extensão da licença de forma remunerada e obrigatória no Brasil.

Os colaboradores da Diageo Brasil também podem usufruir de seis meses de licença. O chefe de finanças e estratégia comercial, César Silva, 37, e o diretor de marketing do cliente, Alain Lamenza, 35, são alguns dos exemplos de funcionários que optaram por ficar 180 dias com os filhos recém-nascidos.

"Minha experiência foi incrível. Além de estar perto da Manuela que é a recém-nascida, pude aproveitar o Lucas, meu filho mais velho de 3 anos. Reforcei também os laços com a minha esposa, Vanessa, podendo cuidar dela nos primeiros meses da maternidade", diz César Silva, que adicionou 20 dias de férias à licença.

Fotografia mostra uma família sentada em um ambiente de natureza, com céu azul e plantas verdes ao redor. O homem tem pele clara, barba e cabelo escuro, usa uma jaqueta e um óculos de sol. Ao lado dele está uma mulher de cabelos claros, óculos de sol e uma jaqueta bege. Entre eles está uma menina, que aparenta ter dois anos, de óculos de sol cor de rosa e jaqueta azul. Os três estão sorrindo.
Alain Lamenza, 35, com a esposa e a filha - Arquivo pessoal

"Estou há 12 anos na empresa e o que me mantém há tanto tempo são os valores e a cultura", diz Lamenza.

Funcionários do Grupo Boticário, um dos maiores grupos do setor de beleza do país com 20 mil colaboradores diretos, também têm direito à licença ampliada. O assistente da Força de Vendas Central Rodrigo Fernandes, 32, é um deles. Na empresa há 11 meses, Rodrigo pôde usufruir de 120 dias de afastamento para cuidar da filha recém-nascida Isabella de Moura.

Um homem de cabelo escuro e óculos segura um bebê acima do rosto. Ele está olhando para a criança e sorrindo. A menina usa uma calça rosa e um laço na cabeça.
Rodrigo Fernandes, 32, e a filha Isabella de Moura, de seis meses - Arquivo Pessoal

"O colaborador sente que ele e sua família são valorizados. Entende-se que a empresa preza pelo bem familiar. Voltei muito animado para trabalhar, com sentimento de dever cumprido", diz.

De acordo com o vice-presidente de Pessoas e Tecnologia do Grupo Boticário, Daniel Knopfholz, no período da licença, todos os benefícios são mantidos e o salário permanece sendo pago integralmente. A licença é ofertada para homens, casais homoafetivos e pais de filhos não-consanguíneos, com 120 dias obrigatórios, além de mulheres e pessoas que gestam, com até 180 dias.

"O retorno que escutamos dos nossos colaboradores só reforça como o benefício estimula que homens e mulheres possam exercer o seu papel familiar igualmente. Alguns pais assumem os cuidados do bebê e dividem as tarefas da casa, além de dar o apoio emocional às suas parceiras. A licença parental universal ainda mitiga o desenvolvimento do viés inconsciente de que as mulheres representam um 'risco' para as empresas", afirma.

Interesse por extensão da licença cresce

O levantamento "Radar da Parentalidade", realizado com 803 colaboradores em julho deste ano, aponta que 69% dos funcionários entrevistados acreditam que a existência de uma licença-paternidade estendida seria um fator relevante na decisão de um futuro pai por permanecer ou trocar de emprego. O benefício está entre os cinco mais importantes para eles.

O radar também revela que 82% dos pais desejam uma licença-paternidade estendida, sendo 34% deles superior a 21 dias, 26% superior a 120 dias ou mais (igualando todas as figuras parentais) e 22% de seis a 22 dias. Somente 11% concordam com os cinco dias atuais previstos na Constituição.

Embora seja mais comum a concessão de cinco dias de afastamento, empregadores veem no Programa Empresa Cidadã uma saída para tentar contemplar seus colaboradores. A licença-paternidade cidadã, instituída pela lei 11.770/08, prorroga os dias de afastamento para mães e pais após o nascimento do bebê. Para os homens, foram acrescidos 15 dias, ou seja, o tempo total de licença passa a ser de 20 dias.

O engenheiro de software Francisco Rodrigues, 29, trabalha para a startup de gestão financeira Arquivei desde abril de 2020. De lá para cá, teve dois filhos. Nas duas vezes, ele teve direito a mais de cinco dias de afastamento. Com o primeiro filho, pôde ficar 20 dias de licença, já com o segundo ficou 60 dias em casa.

"Pude me dedicar 100% à paternidade. Hoje não consigo imaginar como seria todo esse processo sem o período de licença estendida. Pude participar de todos os cuidados iniciais, dar banho, botar para dormir, levar para consultas. Senti que isso fortaleceu o vínculo com meus filhos", afirma.

A esposa de Francisco, a consultora do sono infantil Crissia Rodrigues, 29, não trabalhava em regime CLT durante as duas gestações, e não teve direito aos benefícios da licença-maternidade. Segundo ela, a presença do marido em casa foi fundamental para a divisão de tarefas domésticas e do cuidado com os filhos, diminuindo a sobrecarga no puerpério.

"Foi importante, pois é um período muito significativo para a família. É um bebê novo chegando, com muitas demandas, uma mudança de rotina. Ter a presença do pai nesse momento é essencial. Essa é uma oportunidade que poucas mães têm", diz.

A Arquivei, empresa em que Francisco Rodrigues trabalha, faz parte do Programa Empresa Cidadã e, por isso, aderiu à licença-paternidade de 20 dias em 2021. Porém, desde março do ano passado, estendeu o benefício para 60 dias.

Dos 331 colaboradores da empresa, 15 funcionários homens já usufruíram da extensão da licença. Desse total, 11 utilizaram também a prorrogação-paternidade da política interna, que oferece bônus financeiro, kit de bebê e plano de saúde ao recém-nascido sem desconto.

O especialista de remuneração e benefícios da Danone Brasil, Ariel Epifanio, 32, é pai da Clara Antonella, 2. Após o nascimento de sua filha, o colaborador pôde usufruir de 50 dias de afastamento, sendo 30 dias de férias e 20 dias de licença-paternidade. Segundo ele, o benefício estendido foi um dos motivos pelo interesse em ingressar na empresa.

"Ter tido 20 dias de licença remunerada foi excelente, porque eu pude aproveitar melhor os primeiros dias da Clara em casa e pude ajudar minha esposa na adaptação dessa nova jornada", afirma o colaborador, que considera a licença como um incentivo para os pais no retorno ao trabalho. "O funcionário estará mais motivado e tranquilo, sabendo que a empresa contribuiu para este momento tão especial", completa.

Segundo a gerente sênior de RH da Danone Brasil, Giselly Viveiros, a companhia aderiu ao Empresa Cidadã logo após seu lançamento, em 2008. Viveiros afirma que a Danone trata a licença-paternidade como uma licença para o segundo cuidador, ou seja, pai biológico, adotivo ou pai/mãe de uma relação homoafetiva têm os mesmos benefícios: 20 dias remunerados e a opção de 30 dias adicionais não remunerados.

Aumento da licença é discutido

Tramita no Congresso um projeto de lei que prevê a alteração da licença-paternidade. O PL n° 3.773/23 visa ampliar os dias de afastamento do pai, além da criação do salário-parentalidade e da permissão para a alternância entre pais e mães nos períodos das licenças paternidade e maternidade.

Se aprovado, a lei fará com que a licença seja ampliada para 30 dias nos seus dois primeiros anos de vigência. O projeto prevê que o afastamento aumente de forma gradual: nos terceiro e quarto anos da lei, a licença passa a ser de 45 dias; a partir do quinto ano, a duração será de 60 dias.

Há também a previsão do parcelamento em até dois períodos da licença-paternidade, sendo o primeiro de, no mínimo, metade do tempo total do benefício e tendo que ser concedido imediatamente depois do nascimento, adoção ou guarda judicial. A nova lei também prevê o pagamento do salário-paternidade, nos mesmos moldes da licença-maternidade.

A CDH (Comissão de Direitos Humanos) do Senado aprovou, no início do mês passado, o projeto de lei, que seguirá para análise e votação da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).

"Entendo que pode haver dificuldades [na aprovação], considerando que uma grande parte dos empresários são contra a licença-paternidade ser estendida, por entenderem que não traz benefícios ao pai e que pode atrapalhar os negócios. Entretanto, o Brasil traça caminhos que buscam garantir igualdade de gênero, de modo que a convivência do pai com o filho em seus primeiros meses de vida ganha força significativa nesse contexto", diz a advogada especialista em direito do trabalho, Yara Leal Girasole.

Em dezembro do ano passado, o STF (Supremo Tribunal Federal) determinou ao Congresso a aprovação de uma lei para garantir a regulamentação da licença-paternidade no país e fixou um prazo de 18 meses para que fosse votada uma legislação nesse sentido. Após o prazo, caso a determinação não fosse cumprida, caberia ao Supremo definir o período da licença.

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