Descrição de chapéu Sabesp

Seca será batismo da Sabesp privatizada, diz diretor que comandou estratégia na crise hídrica de 2014

Para Paulo Massato, companhia precisa manter corpo técnico; se não, risco de desabastecimento é alto

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São Paulo

A diretoria da Sabesp privatizada deve assumir no começo de outubro, em meio à pior seca da história do Brasil. Com os níveis dos mananciais que abastecem a capital paulista em queda, a situação hídrica de São Paulo vai marcar "um bom batismo" para o novo comando da companhia.

A avaliação é de Paulo Massato, ex-diretor metropolitano da Sabesp, que comandou a estratégia para lidar com a crise hídrica dos anos de 2013, 2014 e 2015.

Conhecido na época por ter admitido publicamente que um rodízio de água de cinco dias seria uma solução, o engenheiro foi responsável pelas obras e "gambiarras" que buscaram contornar os problemas de abastecimento de água na região metropolitana de São Paulo.

O ex-diretor da Sabesp, Paulo Massato, durante CPI da àgua, em 2015, na Câmara Municipal de São Paulo - Davi Ribeiro - 25.fev.15/Folhapress

A diretoria da Sabesp privatizada deve assumir no mês que vem. O sr. acha que a seca vai ser o primeiro desafio?
Acho que é um bom batismo. Se não voltar a chover, será um bom desafio para a nova diretoria. Espero que a normalidade hidrológica se retome, mas a seca está forte.

Se acontecer, é preciso ter pessoal capacitado tecnicamente para construir uma solução. Esse é o ponto forte da Sabesp e acho que eles tentarão preservar [o corpo técnico] de todas as formas, mesmo essa nova direção indicada pela Equatorial.

Como o senhor descreve a crise hídrica de 2013, 2014?
Com certeza foi a pior crise de pluviometria que eu passei, porque pegou o sistema Cantareira. São Paulo está numa bacia hidrográfica pequena para abastecer uma cidade que cresceu muito.

A Grande São Paulo, por definição, sempre vai ter o risco de uma crise de abastecimento de água, devido à grande concentração populacional —hoje de quase 22 milhões.

Do ponto de vista histórico, foi a pior série de vazões contribuintes para as represas do Cantareira. A probabilidade de ocorrência era de 0,004%, ou seja, um evento a cada 250 anos.

Mas o que aconteceu foi uma confluência de fatores?
Foi um evento de ar quente e úmido que deu uma volta na Terra. Como se fosse um El Niño ao extremo. No Brasil pegou o Sudeste, muito em São Paulo, na bacia do Cantareira. O regime de chuvas começou a cair em 2010, 2011, 2012. Chegou em 2013 e deu aquela paulada.

O Cantareira, que abastece 9 milhões de habitantes, secou. Tivemos que fazer obras emergenciais, grandes obras. Fizemos duas barragens para aproveitar o chamado volume morto. Conseguimos adquirir inovação tecnológica para jogar água até o ponto de transferência. Essa obra permitiu manter o abastecimento para algo em torno de 4,5 milhões de pessoas.

Quais decisões cabiam ao sr. como diretor metropolitano?
Estou no setor de saneamento desde 1975. Conheço os mananciais, a topologia, a topografia, as cotas, as adutoras. Então eu tinha as propostas de soluções do que fazer. Eu contava com um time de engenheiros altamente qualificados, muito leais e dispostos a correr risco.

Dilma Pena [presidente da Sabesp na época] tinha confiança no que eu estava propondo e me deu carta branca para fazer o que precisava.

O governador [Geraldo Alckmin], óbvio, não queria assumir o ônus de deixar a população sem água. Ele foi alimentado por alguns amigos que diziam: "Sr. Geraldo, o japonês é quem sabe a solução. Ou acredita nele ou o senhor vai ficar sem abastecimento".

Essas coisas confluíram e acabamos assumindo todo o processo de execução das obras, de estratégias operacionais, de como fazer a distribuição do pouco de água que tinha.

O que não tínhamos, na verdade, era autonomia de comunicação. E eu entendo. Tinham os porta-vozes de comunicação do Palácio dos Bandeirantes, e acabavam dando diretrizes que nem sempre eram as melhores para levar a situação à população. Amenizavam as notícias.

Muita gente diz que o sr. foi responsável por evitar um colapso pior. Como avalia a sua atuação?
Tive perda total de cabelo em determinado momento. O estresse estava altíssimo. O controle da minha hipertensão com o médico era permanente. Trabalhava 17 horas todos os dias. Mal vi minha família. Foi um preço alto, mas sinto que conseguimos, junto com um timaço da Sabesp.

Fizemos obras de grande porte, com mão de obra própria: caldeiraria, mecânico, um pessoal que nós tínhamos e contávamos. É com esse pessoal que, mesmo privada, a Sabesp deve se preocupar em manter, senão o risco de desabastecimento é muito grande.

Eu me sinto satisfeito, foi um grande desafio. Se não tivéssemos feito as obras do volume morto, teríamos tido 9 milhões de pessoas sem água por 18 meses. Não há cidade que resista, não há governo que se mantenha. Seria um caos total.

A exposição midiática o incomodou?
Eu ficava irritado, porque a leitura dos jornalistas sempre era na procura de uma falha. E apareciam umas coisas malucas. Professor dizendo que no volume morto a água estava morta.

Criei algumas confusões. Uma vez o governador marcou uma entrevista, disse que não ia ter problema de abastecimento, falou das obras. Aí ele foi tomar um cafézinho e pediu para eu continuar. Aí eu falei: "Se não chover nos próximos dias, nós vamos fazer um rodízio: cinco dias sem água, dois com". Deu uma confusão enorme. E era verdade, não tinha mais de onde tirar soluções mágicas.

O que ficou de legado desse período?
De lá para cá, aumentamos muito a capacidade de reserva dos mananciais. Hoje temos dimensionamento para atender aos picos, o que facilitará, se houver uma nova crise, que faça transferência de águas entre os mananciais.

Se aquele evento de 0,004% de chance acontecer de novo, São Paulo pode ficar desabastecida?
Com o mesmo evento, com a mesma probabilidade, não tem mais risco para a região metropolitana de São Paulo. Não sou futurólogo, mas os eventos climáticos estão acontecendo no mundo todo, e um ainda mais extremo pode ocorrer.

O relatório de mananciais da Sabesp mostra que há 52,5% de volume armazenado, que está caindo 0,3% ao dia. Se continuar sem chover, o decaimento vai aumentar. Supondo que caia 10% ao mês, nós temos cinco meses [até zerar]. Eu acho que volta a chover antes, mas, e se não chover? Nós vamos ter uma crise.

Qual a solução definitiva?
Despoluir o rio Tietê e fazer com que ele, junto com o rio Pinheiros, voltem limpos para a represa de Billings. É um círculo contínuo. A população usa água, o esgoto é tratado, volta para o rio Tietê, que vai para o rio Pinheiros e ele volta para a Billings. Não acaba nunca essa água.

Eu não sei por que o nível dos reservatórios está caindo essa velocidade. Não deveria estar caindo com todo o sistema de reversão pronto. O sistema Rio Claro já está crítico, está com 26,7%. Acho um pouco esquisito. Não sei quais as regras a Sabesp está usando, mas é estranho essa velocidade de esvaziamento das represas hoje.


Raio X - Paulo Massato, 72

Funcionário da Sabesp de 1983 até 2020, foi diretor metropolitano da companhia entre 2004 e 2020. Hoje aposentado, presta consultorias gratuitas a grupos empresariais e companhias estaduais.

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