'Empreendedor acorda todo dia desempregado e tem que correr atrás', diz empresário

Na contramão da febre, Fabio Rodrigues desaconselha abertura de negócio por amadores

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Fabio Rodrigues, autor do livro "Na Dúvida, Não Empreenda!"
Fabio Rodrigues, autor do livro "Na Dúvida, Não Empreenda!" - Divulgação
São Paulo

A lista de motivos errados para abrir um negócio, na opinião do empresário Fabio Rodrigues, 43, é longa. Se seu objetivo é ter liberdade, viver sem chefe, enriquecer rapidamente ou fugir do desemprego, não empreenda, avisa.

É o que ele costuma falar aos amigos que lhe pedem dicas para realizar o sonho da empresa própria —conselhos reunidos agora no livro “Na Dúvida, Não Empreenda!”.

O volume foi escrito para pessoas que estão no mercado de trabalho e pensam em sair, trajetória semelhante à sua. Depois de trabalhar como executivo no setor de telecomunicações, Rodrigues abriu uma empresa própria, na área de marketing, em 2010. 

Apesar do título do livro, o autor se diz um entusiasta do empreendedorismo —desde que a empreitada seja iniciada com cautela. “É a coisa mais séria que você pode fazer, porque vai pegar todo dinheiro que tem guardado e arriscar.”

O melhor motivo para dar esse passo, em sua opinião, é vocação. Trata-se de uma carreira como qualquer outra e, por isso, exige aptidão. “É preciso ter controle sobre a ansiedade. No mesmo dia você fecha uma reunião que queria e tem um problema com o produto. Quem não está acostumado a uma montanha-russa de emoções se perde.”

Ao tomar a decisão, é importante deixar de lado a imagem glamourosa do dono de startup. Ter isso na cabeça é como escolher ser chef pensando nas estrelas Michelin e não nos legumes a picar, diz. 

“Em 90% do tempo você não vai fazer o que ama: vai trabalhar com contador, advogado, pagar boleto, falar com banco. São coisas muito enfadonhas”, afirma. “Você vai em palestras de empreendedorismo e te dizem: ‘Vem, vai ser fácil, na crise é que é bom’. E não é.”

Histórias inspiradoras de pessoas que montaram algo com R$ 20 mil reais omitem o fato de que, nos primeiros anos, é difícil o negócio dar lucro e deve-se bancar todo o custo de vida nesse período sem ganhar salário.

Tem mais chances de sucesso, em sua opinião, quem tenta montar algo próximo de sua área de atuação, em vez de uma startup com um produto inovador. Seu conselho vai na contramão de muitos livros de autoajuda: fique na sua zona de conforto.

Quem trabalha com comida, exemplifica, pode até abrir uma lavanderia, mas é bom começar ofertando serviço para restaurantes. “No seu meio, você domina o jargão. Atenda quem você conhece, ligue para sua rede, identifique um problema que te causava dor e trabalhe nele.”

Começar com algo complexo demais, aliás, pode ser ruim, porque é provável que não se consiga executar uma boa ideia. “Como na carreira, você não sai da faculdade e vira diretor. Tem gente que já quer virar unicórnio [empresa que vale mais de US$ 1 bilhão]. É preciso antes sobreviver aos primeiros anos.”

Se estiver decidido a empreender, a primeira coisa a fazer é buscar capacitação. Os cursos para executivos, de gerenciamento de equipes de alto rendimento, por exemplo, são pouco úteis quando é você o responsável por tudo, desde consertar a internet que caiu.

“Faça primeiro cursos de fluxo de caixa, oratória e vendas. Monte um repertório de ferramentas”, afirma. 

Também ajuda conversar com donos de pequenos negócios —melhor a padaria aberta há décadas do que a startup do momento. Assim como não se aprende a correr vendo vídeos de Usain Bolt, não se vira um grande empresário ouvindo palestras de diretores da Apple, diz Rodrigues.

“Seu tio empreendedor entende de processos trabalhistas, modelos tributários. Mas você não vai até ele”, afirma.

Sócios podem ajudar a dar confiança, mas só agregam quando têm funções complementares. Se sair do emprego com um colega da mesma área, em um ano a companhia terá dois diretores de marketing e nenhum financeiro.

Desde que começou a empreender, Rodrigues já teve oito negócios. Em sua opinião, reconhecer que algo não está dando certo logo e mudar de rumo não é problema. Pior é a empresa que vai bem em um mês e mal no outro, que sobrevive por anos sem dar lucro. Nessas horas, é preciso reconhecer a hora de parar.

“O empreendedor acorda todo dia desempregado e tem que correr atrás. Se você não tiver motivação para acordar todo dia nessa situação, não pode ser empresário”, diz ele. 

No entanto, há uma diferença entre resiliência e teimosia —caso de persistir em algo que perde dinheiro. “É melhor parar, fechar a empresa, pensar no que poderia ter feito melhor, ainda com dinheiro para investir, e tentar de novo.”

Dicas para abrir uma empresa com cuidado

Reflita bastantes sobre as suas razões para empreender 
Não abra uma empresa só porque está chateado com seu chefe, foi demitido ou se acha velho demais para o mercado. Você tem muito a perder se não proceder com muito cuidado e preparo 

Tenha certeza de que sua empresa resolve um problema real 
Busque dentro da sua área de conhecimento alguma melhoria possível em produtos, serviços ou processos. Verifique se esse problema incomoda mais pessoas, e se elas estariam dispostas a pagar por isso. Então, construa sua empresa a partir disso. Não é preciso ter uma ideia espetacular 

Avalie bem a necessidade ou não de ter um sócio  
Parceiros devem ter perfis complementares e exercer atividades distintas: um produz, o outro vende, um programa, outro faz a gestão. Se as funções são as mesmas, talvez você não precise empreender com outra pessoa

Construa uma reserva financeira antes 
Não se monta um negócio sem dinheiro. E são necessários dois montantes: um para abrir e gerir a empresa, outro para viver enquanto ela não dá lucro. Se um dos dois acabar antes da hora, o empreendimento e você estarão em apuros
 
Aprenda a controlar o fluxo de caixa 
A gestão do fluxo de caixa é o ponto mais importante de qualquer empresa —deve ser executada pelo dono do novo negócio diariamente. É preciso prever todo o dinheiro que sai e entra da empresa, por dia, para no mínimo seis meses à frente 

Mobilize sua rede de contatos  
Comece vendendo seus serviços ou produtos aos amigos primeiro. Mantenha-se em sua zona de conforto, falando sobre algo que você entende

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