Empresas lançam aplicativos de mesada digital e cartão de crédito para crianças

Na pandemia, dinheiro para lanche na escola migrou para gasto no ambiente digital

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Andrea Vialli
São Paulo

Fintechs e bancos digitais descobriram o nicho dos produtos financeiros voltados a crianças e adolescentes, que incluem aplicativos de mesada virtual, cartões de débito e crédito pré-pagos e ferramentas de educação financeira —tudo sob a supervisão dos pais.

A tendência é reflexo da digitalização do setor e do amadurecimento das startups financeiras. Nos Estados Unidos, a fintech Greenlight se tornou o primeiro unicórnio desse nicho —unicórnios são startups que superam US$ 1 bilhão em valor de mercado.

A mexicana Mozper, que oferece cartões de débito físicos e virtuais para crianças, escolheu o Brasil como primeiro mercado no seu roteiro de expansão, já com site em português e aplicativo disponível para download.

Com a ascensão dos bancos digitais e das fintechs, o país vai começar a ver uma onda de hiperespecialização desse mercado, com produtos cada vez mais voltados a nichos. O de crianças e jovens é um deles, pois é uma tendência forte em mercados mais maduros”, diz Bruno Diniz, sócio da consultoria Spiralem, focada em inovação no mercado financeiro.

Eduardo Schroeder e Fábio Rogério, fundadores da Tindin
Eduardo Schroeder e Fábio Rogério, fundadores da Tindin - Divulgação

Por aqui, bancos digitais começam a olhar para o segmento com nova roupagem. É o caso do Inter, que lançou a conta Kids em junho de 2020.

O produto financeiro, voltado para o público de 0 a 17 anos, foi originalmente formulado para que os pais garantissem uma poupança para os filhos recém-nascidos. Mas a demanda do público adolescente surpreendeu: desde o lançamento já foram abertas mais 352 mil contas Kids.

A conta é 100% digital e não cobra taxas de abertura e manutenção. Os pais fazem o cadastro por meio do aplicativo do banco, com envio de documentos das crianças, e recebem um cartão de débito com o nome do filho.

A conta corrente pode também ser movimentada pelo jovem por celular ou tablet, sob a supervisão dos adultos.

Ao abrirem as contas, os pais buscam investir na educação financeira e na autonomia dos filhos, além de conseguirem acompanhar seus gastos, afirma Priscila Salles, diretora de marketing do banco.

Segundo ela, muitos adolescentes utilizam o aplicativo para compras no universo virtual —games, aplicativos de entrega de comida e de transporte.

A conta já oferece a possibilidade de o usuário investir em renda fixa e, neste mês, lançará o home broker, que permitirá o aporte em renda variável por menores de 18 anos. “O jovem de 16 anos sabe que pode comprar ações de empresas com R$ 10, e isso se reflete no interesse em começar a investir”, diz a executiva.

Também voltado para crianças e adolescentes, o Neagle Bank surgiu da demanda dos próprios criadores, os youtubers Gabriel Soares e Victor Trindade, ambos com 23 anos.

Donos da FanStar Produções, agência de gerenciamento de influenciadores digitais, e do canal Neagle, com 7 milhões de inscritos, os jovens já ganhavam dinheiro com a plataforma de vídeos desde os 15 anos e sentiram que havia espaço para criar o banco digital, que foi lançado em agosto de 2020.

Com a ajuda do amigo e sócio Mário Augusto de Sá Filho, 23, formado em engenharia da computação, o modelo de negócios foi criado.

Victor Trindade, Mário Augusto Sá,  Gabriel Soares, fundadores do Neagle Bank
Victor Trindade, Mário Augusto Sá, Gabriel Soares, fundadores do Neagle Bank - Divulgação

O Neagle Bank oferece uma conta digital na qual é possível ao adolescente movimentar uma mesada virtual, fazer transferências entre contas, utilizar um cartão de crédito pré-pago e comprar créditos de jogos digitais.

Também existe a opção de uma conta premium, com um programa de benefícios que inclui conteúdo exclusivo produzido pelos youtubers e cashback (devolução de parte do valor gasto) em compras dentro do aplicativo. A conta digital com as funções de transferência via Pix e cartão de débito virtual não têm custo, e o plano especial custa R$ 99/ ano.

“Havia uma lacuna de serviços financeiros voltados para menores de idade no Brasil, enquanto nos EUA esse segmento está crescendo rapidamente e gerando unicórnios”, diz Sá Filho, diretor-executivo do Neagle Bank.

Desde o lançamento, a fintech soma 260 mil usuários cadastrados e 70 mil contas abertas para movimentação financeira, sendo que a maioria dos correntistas têm entre 13 a 17 anos.

O administrador de empresas Cassio Elisabetsky, 59, abriu uma conta no Neagle Bank para seu filho Lorenzo, 13, com o objetivo de ensiná-lo a administrar sua mesada de R$ 100 e lhe dar maior autonomia em suas compras digitais de jogos, filmes e séries.

Antes, o garoto recebia a mesada em dinheiro para usar no colégio, mas a pandemia levou a maior parte dos gastos para o ambiente digital. “Ao aprender a usar seu dinheiro no mundo virtual, acredito que ele vai gerenciar melhor os gastos no mundo físico e também poupar”, diz.

Ensinar finanças para o público infantojuvenil foi a motivação para os sócios Eduardo Schroeder, 40, e Fábio Rogério, 34, de Maringá (PR), fundarem a plataforma Tindin, em 2018.

A startup oferece lições de educação financeira por meio de um ambiente virtual de aprendizagem gamificada, ou seja, que utiliza a dinâmica dos jogos online para engajar os usuários. Permite aos pais gerenciarem uma carteira digital para os filhos, definindo critérios para mesadas fixas e variáveis. Também introduz, de forma lúdica, conceitos de investimento.

“No Brasil, a cultura da desorganização financeira vem dos tempos da hiperinflação. Os pais dessa geração buscam para os filhos uma educação financeira que eles próprios não tiveram”, diz Schroeder, diretor-executivo da Tindin.

Com 30 mil usuários, a carteira digital da startup é voltada para um público entre 6 e 14 anos de idade e tem versões gratuita e paga —que, ao custo de R$ 7,90 mensal ou R$ 65,50 anual, permite movimentações para um número ilimitado de dependentes e conteúdos educativos exclusivos. O tíquete médio das mesadas é em torno de R$50/mês.

Em 2020, a Tindin passou a atuar também junto a escolas, já que educação financeira se tornou parte do currículo do ensino fundamental em escolas públicas e privadas.

A empresa desenvolveu uma solução, também gamificada, que hoje é o carro-chefe do negócio, graças a uma parceria com o grupo Somos Educação, que tem uma base de mais de 1,5 milhão de alunos de ensino fundamental e médio em todo o país.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.