Hospital no Iraque enfrenta dificuldades com vítimas de Mossul

BALINT SZLANKO
YESICA FISCH
DA ASSOCIATED PRESS

O hospital de Qayara às vezes recebe tantos cadáveres que não é possível armazená-los na câmara refrigerada, e eles precisam ser deixados nos corredores. Dentro do mortuário, os corpos são simplesmente depositados no chão, porque não há recipientes, e às vezes são empilhados uns sobre os outros de maneira grotesca e apenas envoltos, da forma como chegaram, em um cobertor.

Os corpos são baixas dos combates em Mossul, onde forças iraquianas apoiadas por unidades da coalizão liderada pelos Estados Unidos vêm enfrentando a facção extremista Estado Islâmico há mais de cinco meses pelo controle da cidade.

"Pedimos prateleiras, mas não recebemos coisa alguma", disse o Dr. Mansour Marouf, cirurgião chefe do hospital, com uma expressão de desânimo.

O hospital sitiado de Qayara é um dos apenas dois hospitais públicos em um raio de 193 quilômetros entre Mossul e a cidade de Tikrit, no centro do Iraque. Ele está lotado de baixas enviadas pelas clínicas de campo que funcionam em Mossul. A atividade no hospital espelha a intensidade das operações: na sexta-feira, 21 óbitos foram registrados, e no sábado zero.

Desde sua reabertura, em janeiro, depois que Qayara foi retomada do Estado Islâmico por forças do governo iraquiano, o hospital atendeu a mais de dois mil pacientes, entre os quais 600 feridos em combate.

O hospital também responde por tratamentos gerais de saúde, o que inclui serviços de maternidade, para as centenas de milhares de pessoas que vivem nas áreas adjacentes. Mas não recebe apoio do governo –os salários dos médicos –e só eles– são cobertos por uma organização assistencial estrangeira. O hospital só tem seis cirurgiões, e eles ficam tão ocupados quanto os feridos começam a chegar que não conseguem dormir mais que algumas horas em períodos que podem se estender por diversos dias. Só há duas salas de operações e 50 leitos em funcionamento, porque os andares superiores do edifício foram destruídos nos combates, o que deixa apenas o térreo utilizável. Também falta equipamento médico.

"É vergonhoso dizer, mas não recebemos qualquer ajuda nem apoio do governo, mesmo que a cidade tenha sido liberada oito meses atrás", disse o Dr. Mansour.

Ele disse que a única ajuda pública que eles obtiveram foi do governo local, que envia inspetores forenses ao hospital a cada duas semanas para tentar identificar os mortos que chegam sem documentos e desacompanhados de parentes. Tudo mais, incluindo o equipamento e os suprimentos médicos perecíveis, é pago pela Women and Health Alliance International (WAHA), uma organização assistencial estrangeira cujo foco são as questões de saúde.

O Dr. Mansour chegou a contemplar a possibilidade de que o hospital esteja sendo ignorado pelas autoridades devido a suspeitas que elas talvez abriguem quanto aos moradores locais, que passaram dois anos sob o domínio do Estado Islâmico. "Mas todos os funcionários foram verificados pelos serviços de segurança, de modo que o governo não pode justificar sua inação com isso", ele disse.

A situação do hospital revela o quanto são desiguais os resultados dos esforços do governo iraquiano para reocupar as áreas perdidas para o Estado Islâmico em 2014. As operações militares, auxiliadas por uma coalizão liderada pelos Estados Unidos, vêm prosseguindo de maneira razoavelmente eficiente, ainda que devagar, mas a prestação de serviços públicos e a reconstrução da maioria das cidades liberadas mal começaram, ou nem começaram.

O Dr. Mansour recordou uma visita de um comissário de assistência humanitária da União Europeia ao hospital, semanas atrás, quando foi anunciado que a União Europeia doaria US$ 42,5 milhões em verbas de emergência ao Iraque, este ano, com parte dos recursos destinada aos serviços de saúde. Perguntado se a ajuda havia chegado, o cirurgião só riu.

"Solicitamos muitas coisas. Enviamos muitas listas. E sempre que pedimos alguma coisa, nos dizem que a ajuda chegará, mas coisa alguma acontece", ele disse.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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