Em Davos, Trump venderá renascença dos EUA e acenará ao multilateralismo

Crédito: Evan Vucci/Associated Press Donald Trump durante encontro com o presidente de Ruanda Paul Kagame em Davos
Donald Trump durante encontro com o presidente de Ruanda Paul Kagame em Davos

LUCIANA COELHO
ENVIADA ESPECIAL A DAVOS (SUÍÇA)

Em seu aguardado discurso no Fórum Econômico Mundial, Donald Trump pretende dizer ao mundo que os EUA desejam permanecer integrados à comunidade internacional e a seus organismos e acordos, mas que algumas regras precisarão ser revistas, afirmaram altos funcionários do governo americano que acompanham o republicano em Davos.

A intervenção, que venderá a ideia de "renascença americana", está marcada para 14h (11h em Brasília) desta sexta-feira (26), último dos quatro dias do encontro anual do Fórum na cidade suíça, e deve durar de 10 a 15 minutos. A maior parte do discurso deve ser dedicada ao comércio e à tentativa de mostrar que os "EUA estão abertos para negócios novamente".

Após um primeiro ano de mandato no qual foi acusado de isolacionismo de forma recorrente, o americano quer apresentar uma imagem mais globalista, aberta ao diálogo multilateral e adepta da cooperação internacional. Em seus 12 meses no cargo, Trump prometeu deixar o Acordo de Paris sobre o clima tão logo a carência expire, em 2022, e abandonou a Parceira Transpacífico (TPP), dois tratados internacionais assinados por seu antecessor, Barack Obama.

Assim, pode ensaiar um gesto de boa vontade, abrindo a porta para, por exemplo, reintegrar os EUA aos dois tratados.

Segundo um dos funcionários do governo, o presidente "sempre considerou retornar ao TPP e ao Acordo de Paris, desde que anunciou sua retirada". O problema, segundo a Casa Branca, são as regras atuais com que esses acordos vigoram. Ele as vê como desvantajosas para os EUA, contudo estaria disposto a uma nova negociação, afirmou, indicando retórica semelhante àquela com que Trump trata o Nafta, o acordo de livre comércio com Canadá e México.

Trump, segundo os funcionários do governo, não deve entrar em questões específicas no discurso e nem citar países, mesmo quando falar daqueles que "não jogam de acordo com as regras" - uma alusão constante à China.

"Não é um discurso para dar nomes. Todo mundo sabe quais são esses nomes, o presidente já os disse outras vezes", disse o funcionário. "Ele falará sobre o envolvimento dos EUA no mundo, porém em termos igualitários e justos."

O americano pretende enumerar práticas que seu governo não tolerará de outros, como o roubo de propriedade intelectual (uma questão cara ao Brasil, que defende a quebra de patentes para a fabricação de medicamentos genéricos e que tem um histórico de pirataria audiovisual prevalente), subsídios industrial, transferência tecnológica forçada e dumping.

Como os demais governantes que subiram ao palco da plenária em Davos, Trump venderá seus feitos ressaltará as qualidades de seu país para atrair investimentos, especialmente o ambiente de negócios e a recente reforma tributária, recebida com entusiasmo pelos frequentadores do fórum, predominantemente executivos e empresários (mas não só eles).

Segundo o Fundo Monetário Internacional, a reforma, no curto prazo, será capaz de elevar a produção global e impulsionar o crescimento, ainda que restem dúvidas sobre seu efeito no médio prazo.

Regulação e custos de energia, com um incremento da produção, devem ser outros tópicos abordados. Por fim, Trump exortará a comunidade internacional a trabalhar junta em questões de segurança, sobretudo no combate ao terrorismo, e a cooperar em questões de paz e para a prosperidade de "homens e mulheres esquecidos" nos EUA e no mundo.

BOICOTE AFRICANO

Esta é apenas a segunda vez que um presidente dos EUA participa do encontro anual do Fórum em pessoa (Bill Clinton veio a Davos em 2000), o que alimentou expectativas e mudou a rotina do evento, que sempre foi essencialmente europeu e está em sua 48ª edição, desde a chegada de Trump, no meio da tarde de quinta (25).

Segundo a organização, a participação de americanos neste ano é um recorde, na casa das centenas —o número exato não foi divulgado.

Na manhã de sexta, o trânsito de helicópteros era mais intenso do que de costume sobre a pequena cidade dos Alpes suíços. A segurança foi reforçada, com corredores bloqueados e dupla checagem de credenciais, e regras inéditas foram estabelecidas para aqueles que desejassem assistir ao discurso ao vivo, como uma antecedência de 90 minutos e o veto a líquidos no salão, garrafas d'água inclusive.

Muitos participantes já deixaram a cidade antes do término do encontro e não verão a performance do americano.

Além do discurso, Trump se encontrou nesta sexta com Paul Kagame, o presidente de Ruanda e atual líder da União Africana. Segundo seus assessores, entretanto, um pedido de desculpas não aconteceu.

Há duas semanas, o presidente se referiu a países africanos e ao Haiti como "países de merda" durante uma reunião de trabalho, segundo alguns dos presentes (ele nega). Empresários e autoridades do continente ameaçam se levantar no meio do discurso.

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