É ruim que ex-presidentes se metam na política, diz Javier Corrales

Ex-mandatários ofuscam novos líderes, diz especialista em democracia latina

Javier Corrales, professor de ciência política do Amherst College, em Massachusetts (EUA)
Javier Corrales, professor de ciência política do Amherst College, em Massachusetts (EUA) - Rob Mattson
Sylvia Colombo
Buenos Aires

Especialista em democracia latino-americana, Javier Corrales, 51, considera que a excessiva participação de ex-presidentes na política traz aspectos negativos: perpetua a tradição caudilhista histórica da região, polariza a sociedade e impede a chegada de novas gerações ao poder.

Em entrevista à Folha, por telefone, o americano de ascendência cubana Corrales, que é professor de ciência política no Amherst College e obteve seu doutorado em Harvard, diz que considera positivo o impedimento à reeleição sem limites aprovado no Equador no último dia 4, mas não vê o fim de um ciclo.

Folha - Nos últimos tempos, e especialmente desde a redemocratização no Cone Sul, a América Latina tem cada vez mais ex-presidentes. Sua insistência em permanecer no cenário político de seus países é boa ou má?

Javier Corrales - É claro que é bom ter ex-presidentes, melhor do que ter ex-ditadores. Melhor ainda se não estão presos ou foram assassinados por golpes militares.

Dito isso, porém, considero negativo que se metam tão diretamente na política, insistindo em voltar a governar.

Por quê?

Antes de mais nada, porque ex-presidentes não são cidadãos comuns, eles são mais conhecidos e têm a capacidade de ofuscar a chegada na política de outros líderes, além de desestimular o surgimento de novos nomes, que possam ser renovadores até mesmo dentro de seus próprios partidos.

Outra característica negativa é que ex-presidentes tendem a ser muito polarizadores. Possuem adoradores e causam ódio por parte dos seus inimigos. Isso é ruim para o amadurecimento de uma democracia.

O sr. estudou vários casos da história recente da região. O retorno de um ex-presidente é bom, na média geral?

Na maioria das vezes, os ex-presidentes não têm seu regresso assegurado apenas por terem sido muito queridos. E o que causam com as estratégias que usam ou com seu retorno propriamente dito pode ser muito daninho.

Se tomamos países em que a democracia funciona bem, como o Chile e o Uruguai, por exemplo. Ambos têm ex-presidentes que voltaram recentemente (Sebastián Piñera e Michelle Bachelet, no caso chileno; Tabaré Vázquez no caso uruguaio). Tanto no Chile como no Uruguai, não houve trapaças, nada fora da lei. Mas o que ocorreu foi que ambos seguem impedindo a renovação geracional da política. E isso é ruim.

Já em países onde a coisa não é tão limpa, onde há suspeitas de irregularidades ou uma pressão contra as instituições pois mudam-se leis ou se força o Judiciário a aceitar candidaturas que a Constituição não permite há a ameaça de desinstitucionalizar esse país.

O que Evo Morales está fazendo na Bolívia [o presidente, impedido de concorrer mais uma vez pela Constituição e por um referendo, obteve permissão judicial para a disputa] pode vir a ser um exemplo. O mais claro para mim é o que Daniel Ortega já fez na Nicarágua, aprovando a reeleição sem limites para se eternizar no poder.

Hoje, nos países em que é possível se reeleger, a maioria dos ex-presidentes quer fazê-lo, e têm 50% de chance de serem reeleitos.

O que ocorreu no último dia 4, no Equador (quando 64% dos eleitores equatorianos derrubaram a reeleição sem limites), pode estar marcando o fim de uma era?

É cedo para dizer. Sem dúvida foi algo positivo que o Equador tenha posto fim à reeleição sem limites. Pode ser que isso crie uma tendência, se outros países o seguirem. Mas mesmo se o fizerem, eu não me arriscaria a dizer que é o fim do reeleicionismo. Pode ser apenas uma tendência pendular.

Digo isso porque a ideia do continuísmo no poder é um fenômeno relacionado ao caudilhismo, que é algo intrínseco na cultura histórica da região. Portanto é improvável que desapareça de repente.

Fila para votar no referendo nacional na cidade de Cangahua, no Equador; proposta para proibir reeleição sem limites venceu
Fila para votar no referendo nacional na cidade de Cangahua, no Equador; proposta para proibir reeleição sem limites venceu - Juan Ruiz - 4.fev.2018/AFP

Como vê o caso do Brasil, no contexto das eleições deste ano?

É gravíssimo o que está acontecendo. Independentemente de Lula (2003-10) poder ou não concorrer, a figura dele esvaziou o PT, que antes tinha quadros, projetos, hierarquias, e hoje tudo se resume a ele. E do outro lado da esfera política, a figura com mais autoridade, ainda que não se postule como candidato, também é um ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Ou seja, também não vemos renovação e essas figuras estão bloqueando novas gerações.

O novo, no caso, é um anti-Lula, representado pela candidatura de Jair Bolsonaro, mas que é nova apenas por essa oposição, e talvez perca fôlego se Lula sair da disputa.

E a Colômbia?

Eu digo no meu estudo que, em geral, a única coisa que pode se igualar ao poder de catalisar votos de um ex-presidente é outro ex-presidente. E nos últimos anos a Colômbia vive disso. De um lado o ex-presidente Álvaro Uribe (2002-10), de outro Juan Manuel Santos, ainda que tenham sido aliados no passado. Desde o começo do primeiro mandato de Santos até hoje, no final de seu segundo mandato, sua grande dor de cabeça foi e continua sendo Uribe.

E Uribe, na batalha contra o acordo de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, com quem o governo Santos firmou um acordo de paz), o que fez foi nada menos que juntar-se a um outro ex-presidente, Andrés Pastrana (1998-2002).

Enquanto isso, para contrabalancear, Santos o que fez? Também chamou ex-presidentes para aliar-se a seu projeto: César Gaviria (1990-94) e Ernesto Samper (1994-98).

Na Argentina, o peronismo se encontra com um dilema, pois a figura com mais popularidade é a ex-presidente Cristina Kirchner (2007-15), que teve mais de 30% dos votos nas legislativas, mas que não é o suficiente para que o peronismo vença, hoje, uma eleição nacional. Seus críticos dentro do próprio peronismo a veem como um obstáculo.

Cristina tem popularidade, mas virou um obstáculo porque essa popularidade não é suficiente para ganhar. E ela, ainda por cima, impede que outro nome surja.

Isso está causando uma nova fragmentação no peronismo. Cristina está sendo menos hábil que Néstor Kirchner (2003-07), que quando ganhou a eleição encontrou também o peronismo muito fragmentado, mas o unificou.

Quais as particularidades da América Latina que fazem com que estes fenômenos ocorram mais aqui do que em outras partes?

É a junção de três fatores. Primeiro, o caudilhismo, que é uma herança histórica ainda vigente. Depois, a permissividade das leis. E, em terceiro, o fato de que o poder dos presidentes, quando estão no cargo, esvazia o de seu próprio partido. Isso não ocorre na Europa, os partidos seguem tendo uma dinâmica própria independente do governante.

O que o sr. quer dizer com a permissividade das leis?

Falo da lei eleitoral especificamente, que pode e é mudada com frequência. Você mencionou o exemplo positivo do Equador, mas pouco antes Rafael Correa tinha mudado a lei para permitir eleição sem limites. A Colômbia não tinha reeleição, Uribe a aprovou e foi reeleito, depois Santos também se reelegeu e depois aboliu a reeleição. Ou seja, as leis eleitorais mudam com muita facilidade.

A única exceção é o México. Ali todos sabem que a inexistência da reeleição é algo imutável, pois se trata do legado mais valioso da Revolução Mexicana (1910). Então o presidente governa sem pensar em eternizar-se.

Então, se o caudilhismo e o fato de que os presidentes esvaziem o poder dos partidos são coisas difíceis de mudar, só restam as leis?

Sim, só as leis podem conter presidentes prepotentes e que queiram seguir indefinidamente no poder. Mas essas leis não podem ficar mudando o tempo todo.

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