Reformas, tarifas e inflação alta reduzem popularidade de Macri

Em menos de quatro meses, presidente argentino perdeu até 18 pontos de aprovação

Sylvia Colombo
Buenos Aires

Medidas econômicas impopulares e tropeços administrativos da gestão Mauricio Macri estão consumindo o capital político adquirido pelo governo da Argentina com a vitória nas eleições legislativas de outubro.

Com faixa 'chega de demissões', servidores públicos protestam em Buenos Aires contra cortes no funcionalismo
Com faixa 'chega de demissões', servidores públicos protestam em Buenos Aires contra cortes no funcionalismo - Juan Mabromata - 15.fev.18/AFP

O presidente tinha, na ocasião, 58% de aprovação popular. Hoje, segundo pesquisas feitas no final de janeiro, Macri está com entre 40% e 45% (conforme a enquete).

Outros números preocupam: 44,7% dos argentinos creem que a situação econômica está pior agora do que no início de seu mandato (instituto Management & Fit); 59% se dizem insatisfeitos ou muito insatisfeitos (pesquisa da Universidad San Andrés) com a gestão. Quanto à inflação, 43% esperam que piore, e 35%, que fique como está (pesquisa Opinaia).

Os ânimos começaram a mudar em dezembro, quando o governo aprovou a reforma da Previdência em meio a um cenário de violência que deixou dezenas de feridos.

O governo argumenta que as reformas propostas, assim como o fim dos subsídios da era kirchnerista (2003-15), são um ajuste necessário, pois o país não cresce como naquela época e não pode arcar com o imenso gasto social de gestões anteriores.

Macri vem adotando uma política de retirada gradual de benefícios. Mesmo assim, a cada leva de aumentos que promove, há uma onda de descontentamento.

Em meados de 2016, houve o primeiro "tarifaço", que retirou parte dos subsídios dos serviços, causando aumentos de até 400%. A população reagiu com panelaços.

No início de fevereiro, entrou em vigor outro "tarifaço", com aumentos de até 50% em transporte, gás e eletricidade. Junto, veio uma desvalorização do peso no fim da era Kirchner, 9 pesos compravam US$ 1, hoje são necessários 20.

Com isso, voltaram a faltar artigos importados, e áreas como a da construção, em que as operações são feitas em dólar, desaceleraram.

No dia 9, houve greve parcial de algumas categorias e, no próximo dia 21, haverá outra mais ampla promovida pela central sindical CGT.

A pressão dos sindicatos levou o governo a adiar a reforma trabalhista, prevista para fevereiro, e a anunciar que ela será "parcelada" em várias leis no segundo semestre.

Inflação

Os aumentos nos serviços são apenas um dos obstáculos para reduzir a inflação. Quando Macri assumiu, em dezembro de 2015, o índice real (não o maquiado pelo governo Cristina) era de 35%. Em 2016, subiu para 40%. Em 2017, baixou para 24%.

Trata-se de uma redução considerável, mas a cifra ainda é a segunda da região, só atrás daquela da Venezuela.

Em dezembro, o governo recalculou metas: a ideia agora é tentar fechar 2018 com 15% e não com os 10% planejados, e chegar a uma inflação de um dígito não mais em 2019, mas só em 2020 depois da eleição presidencial.

"É um problema difícil", diz à Folha o economista Marcelo Elizondo. "A Argentina tem um deficit de orçamento muito alto. Para financiá-lo, se endivida em dólares no exterior e joga mais pesos no mercado, o que causa mais inflação", explica.

E acrescenta: "A retirada de subsídios é um remédio para consertar a política equivocada do governo anterior. Só que, a curto prazo, causa aumentos impopulares".

Os investimentos estrangeiros que Macri vislumbrou ao assumir com o discurso de "abrir a Argentina ao mundo", após anos de rejeição pelos mercados, chegam a conta-gotas. "A Argentina se abriu e derrubou travas quando a economia mundial desacelerava e o protecionismo era retomado por parceiros importantes", diz Elizondo.

Em janeiro, o investimento estrangeiro caiu 4% frente ao mesmo mês de 2016, segundo o Banco Central local.

TROPEÇOS

As pesquisas assustaram o gabinete do argentino Mauricio Macri. Seguindo orientação de seu guru de imagem, o equatoriano Jaime Durán Barba, o presidente reagiu abraçando uma causa popular entre seus eleitores: segurança.

Macri recebe em Buenos Aires o secretário de Estado americano, Rex Tillerson (à esq.)
Macri recebe em Buenos Aires o secretário de Estado americano, Rex Tillerson (à esq.) - Victor Caviano - 5.fev.18/Reuters

O presidente chamou à Casa Rosada um policial que havia matado um ladrão que esfaqueara um turista ao tentar roubar sua câmera.

Afastado, o policial é julgado por homicídio e alega legítima defesa, embora um vídeo de câmera de segurança que emergiu após a visita mostre que ele atirou pelas costas. A oposição e entidades de direitos humanos criticam a afobada defesa que Macri fez do policial.

Outro revés está na luta contra a corrupção, ponto central de seu discurso.

Primeiro, o presidente foi surpreendido pelo fato de seu ministro do Trabalho, Jorge Triaca, responsável pela reforma trabalhista, ser acusado pela ex-empregada doméstica de não a ter registrado nem ter pago indenização ao demiti-la (o governo admitiu o erro do ministro, mas não o demitiu).

Na semana passada, investigação do jornal "La Nación" mostrou que o ministro das Finanças, Luis Caputo, primo do melhor amigo do presidente, Nicolás Caputo, teria sido sócio de uma offshore não declarada quando já era servidor.

Depois, veio a ordem de demitir parentes de até segundo grau do Executivo.

Logo o impacto positivo foi substituído pela perplexidade com a quantidade de parentes (40) empregados sem concurso por esta gestão, driblando leis antinepotismo com contratações cruzadas. Entre os que empregaram familiares estão Triaca, o chefe de Gabinete, Marcos Peña, e o ministro do Interior, Rogelio Frigerio.

Os episódios alimentaram pedidos para que o presidente deixe o cargo, e não apenas da oposição.

O ex-chefe da Corte Suprema Raúl Zaffaroni declarou: "Macri tem de ir embora o quanto antes para evitar uma catástrofe. Que saiam [o governo] por meio de um procedimento constitucional de julgamento político, ou que tirem o pé do acelerador, senão teremos um problema".

Em artigo publicado na semana passada, o "Wall Street Journal" afirmou que Macri herdara uma situação econômica ruim da antecessora, Cristina Kirchner, mas que deveria agir rápido para conter a inflação e deixar de contrair dívida externa.

"Senão, sua Presidência corre o risco de não chegar ao fim", alerta o texto.

 
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