Norte-coreana busca familiares que tentaram fugir e sumiram na China

Choi, 63, não tem informações do paradeiro da irmã, de um sobrinho e da namorada dele há quase um ano

Desenho reproduz região do rio Yalu, por onde os desertores norte-coreanos atravessam para chegar à China
Desenho reproduz região do rio Yalu, por onde os desertores norte-coreanos atravessam para chegar à China - Agnes Lee/The New York Times
JANE PERLEZ Su Hyun Lee
Pequim | The New York Times

Choi estava preocupada com sua irmã na Coreia do Norte.

Na última vez em que tinham conversado, sua irmã parecera estar desesperada. Contou que ficara detida, que tinha sido espancada e não aguentava mais o tormento. Disse que queria fugir do país e juntar-se a ela na Coreia do Sul.

A irmã disse que levaria veneno para se suicidar, caso fosse capturada.

Para Choi, 63, avó de olhos castanhos grandes e uma força interior inabalável, a coisa mais importante que lhe faltava fazer na vida era conseguir que o resto de sua família viesse para a Coreia do Sul. 

Desenho reproduz rosto de Choi, mulher de 63 anos que pagou para tirar a irmã da Coreia do Norte pela fronteira com a China
Desenho reproduz rosto de Choi, mulher de 63 anos que pagou para tirar a irmã da Coreia do Norte pela fronteira com a China - Agnes Lee/The New York Times

Ela própria fugiu da Coreia do Norte dez anos atrás. Seu filho também conseguiu fugir, assim como a filha de sua irmã, que hoje é cabeleireira e mora perto de Choi em Seul, a capital da Coreia do Sul.

Choi ansiava por reencontrar sua irmã, costureira de 50 anos de idade que tinha sua confecção própria em sua casa, e o sobrinho que ela deixara para trás. 

Queria trazê-los para um lugar seguro, fora do alcance do governo que prendeu seu marido, seu cunhado e seu genro por suspeita de ajudar pessoas a fugir do país. Eles foram identificados como inimigos do Estado e nunca mais foram vistos.

Uma noite no verão passado Choi recebeu a notícia pela qual ansiava. Quando abriu a porte de seu apartamento, sua sobrinha, 25 anos, gritou: “Meu irmão telefonou. Ele disse: ‘Atravessamos a fronteira. Estamos na China. Pegue o carro.’”

Choi, identificada apenas pelo sobrenome para proteger a ela e sua família contra possíveis represálias do governo norte-coreano, ficou exultante. Mas ela e sua sobrinha sentiram uma nova ansiedade.

Os desertores da Coreia do Norte geralmente abandonam o país atravessando a fronteira da China. A fronteira é fortemente vigiada por soldados sob o comando do líder norte-coreano, Kim Jong-un, que encara as pessoas que procuram partir como traidoras à pátria.

Chegando à China, os desertores dependem de traficantes de pessoas, que lhes cobram valores extorsivos para driblar a segurança chinesa e agentes da Coreia do Norte. Se forem capturados ou delatados, podem ser presos ou sofrer um destino ainda pior.

Os desertores frequentemente chegam à fronteira sul da China para de lá tentarem chegar a um terceiro país, geralmente a Tailândia. Da Tailândia, o governo sul-coreano transporta os desertores de avião para Seul.

A atitude das autoridades chinesas torna a viagem ainda mais perigosa. Embora as relações entre China e Coreia do Norte tenham azedado, Pequim agrada Pyongyang, detendo quaisquer desertores que encontra e enviando-os de volta à Coreia do Norte, onde enfrentam a prisão em condições brutais e possivelmente tortura.

A China já deportou compulsoriamente dezenas de milhares de norte-coreanos (é uma estimativa conservadora, já que não há cifras disponíveis) e costuma fazer vista grossa quando agentes norte-coreanos capturam desertores dentro de suas fronteiras. A informação é do Comitê para os Direitos Humanos na Coreia do Norte.

Cerca de 30 mil norte-coreanos ao todo já chegaram à Coreia do Sul, onde são recebidos com moradia gratuita, assistência de saúde de baixo preço e formação profissional para conseguirem se colocar no mercado de trabalho, altamente competitivo.

Mas a viagem entre os dois países tornou-se mais difícil desde que Kim se tornou o líder supremo da Coreia do Norte, em 2011. No ano passado, 1.127 norte-coreanos chegaram ao Sul, apenas um terço do número visto anualmente antes da chegada de Kim ao poder.

A China deporta norte-coreanos apesar de ter firmado uma convenção de 1951 das Nações Unidas que dita que refugiados não devem ser enviados de volta a países onde sofrerão perseguição ilegal. 

Os EUA, a União Europeia, a Coreia do Sul e a ONU regularmente pedem à China que pare de repatriar desertores norte-coreanos, que enxergam como refugiados políticos.

A China ignora os pedidos. Ela disse que vê os norte-coreanos não como refugiados políticos, mas como migrantes econômicos em busca de empregos. Diz que os manda de volta à Coreia do Norte porque não quer ver sua região nordeste e economicamente fraca desestabilizada por um fluxo de migrantes do exterior.

Choi e sua sobrinha enfrentaram um problema inicial. O grupo de desertores era maior do que haviam previsto. 

Além da irmã e do sobrinho de 28 anos de Choi, desertaram a namorada do sobrinho e dois amigos dele.
Então já havia cinco pessoas a trasladar pela China sem chamar a atenção.

Choi e sua sobrinha telefonaram para um sul-coreano que haviam contratado para organizar a fuga. Conhecido no ramo do tráfico de pessoas como intermediário, ele tinha organizado a saída da sobrinha da Coreia do Norte cinco anos antes, em uma época menos tensa.

PERIGOS DA CHINA

O grupo de cinco norte-coreanos não poderia ter escolhido um momento mais perigoso para fugir para a China.

A segurança chinesa estava em alerta máximo, procurando desertores da Coreia do Norte. A China estava furiosa com a Coreia do Sul por esta ter instalado um sistema americano de defesa antimísseis conhecido como THAAD

Para os chineses, deter desertores da Coreia do Norte que se encaminhavam para a Coreia do Sul era uma maneira de revidar contra o governo do recém-eleito presidente sul-coreano, Moon Jae-in.

Ao mesmo tempo, o líder chinês, Xi Jinping, travava uma campanha de combate à corrupção que estava deixando funcionários governamentais chineses muito menos abertos a aceitar as propinas frequentemente oferecidas por intermediários para que soltassem norte-coreanos detidos na fronteira.

A chegada dos desertores à Coreia do Sul dependeria da habilidade e confiabilidade do intermediário.

Choi e sua sobrinha pagaram ao intermediário um valor adiantado de US$ 13 mil, que obtiveram com a venda do apartamento da sobrinha em Seul. O intermediário contratado demonstrou pouca habilidade e era ávaro

Em lugar de organizar ele próprio a viagem da irmã de Choi, ele terceirizou o trabalho, entregando-o a uma norte-coreana em Seul casada com um chinês. Esse chinês, por sua vez, contratou um parente na China para buscar o grupo numa van, depois de o grupo ter atravessado a fronteira em segredo.

O parente deveria então levar os desertores na van até Shenyang, cidade do nordeste da China frequentemente usada por desertores como base antes de partirem para o sul.
 

Desenho reproduz mata fechada e cinco pessoas ao fundo, como se estivessem perdidas
Agnes Lee/The New York Times

PERDIDOS NA FRONTEIRA

O rio Yalu separa a China da Coreia do Norte. No verão, o nível do rio abaixa muito. O grupo de desertores o atravessou andando.

Depois de atravessar, os desertores se perderam no mato. Passaram dois dias vagando perto da fronteira leste da China, nos morros acima da cidade de Changbai, procurando o motorista. Finalmente eles encontraram um caminho para sair da floresta. O motorista os localizou às 2h na periferia de Changbai.

O sobrinho de Choi, de 28 anos, que tentou deixar a Coreia do Norte rumo à China junto com a irmã da cabeleireira norte-coreana em Seul
O sobrinho de Choi, de 28 anos, que tentou deixar a Coreia do Norte rumo à China junto com a irmã da cabeleireira norte-coreana em Seul - Agnes Lee/The New York Times

O sobrinho de Choi telefonou a ela. “Estamos salvos”, ele disse. “Vamos viver!”

A última notícia dos norte-coreanos chegou às 10h, quando eles se aproximavam de seu destino.

Depois disso, silêncio.

Num primeiro momento, o intermediário em Seul e a pessoa para quem ele terceirizou o trabalho, a mulher norte-coreana, não conseguiram explicar o que havia acontecido. “Estamos procurando o grupo”, a mulher disse a Choi.

Pouco depois ela ofereceu uma explicação: disse que os cinco desertores tinham sido tomados como reféns.

Alguns dias mais tarde, mudou a história: “Eles devem ter sido detidos.”

Seria preciso mais dinheiro para libertá-los.

Carregando um maço de cédulas, a norte-coreana terceirizada embarcou num avião para Changbai, onde pensou que o grupo estivesse detido. 

Mas ela voltou de mãos vazias.

Da Coreia do Norte, vazou a notícia de que fotos dos cinco desertores tinham aparecido num mural municipal de notícias da cidade deles —um sinal de que estavam mortos.

Na comunidade de desertores, circularem rumores de que cinco corpos tinham sido devolvidos à Coreia do Norte. Mas não havia provas concretas. Não havia fotos dos corpos.
 

MISTÉRIO NÃO ELUCIDADO

O Ministério do Exterior, em Seul, disse que perguntou à China sobre o paradeiro da irmã de Choi e seus quatro companheiros. A China não respondeu.

Perguntado sobre o caso, o Ministério das Relações Exteriores chinês, em Pequim, reiterou seu argumento habitual: que a China encara norte-coreanos que fogem do país como migrantes ilegais e os trata segundo o previsto nas leis internacionais e domésticas, às vezes levando em conta considerações humanitárias. 

Um funcionário sênior da Chancelaria se recusou a receber cópias de fotos dos cinco desaparecidos ou a procurar saber se estavam em centros de detenção chineses ao longo da fronteira.

A organização Human Rights Watch disse que as poucas informações das quais dispõem sugerem que os cinco teriam se suicidado. Mas, disse um representante da entidade, não há provas definitivas disso.

O que Choi pensa que aconteceu?

“Minha sobrinha e eu achamos que minha irmã e o filho dela se mataram”, ela disse. “Mas não está claro se todos os cinco fizeram o mesmo.”

Tradução de CLARA ALLAIN

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