Conselheiro de Trump contratou empresa para usar dados tirados do Facebook

Grupo político de John Bolton, novo assessor de segurança, trabalhou com Cambridge Analytica

Matthew Rosenberg
Washington | The New York Times

O comitê de ação política criado por John Bolton, que assumirá em breve o posto de assessor de segurança nacional do presidente Donald Trump, foi um dos primeiros clientes da Cambridge Analytica. A empresa foi contratada pelo comitê especificamente para desenvolver perfis psicológicos de eleitores com base em dados recolhidos de dezenas de milhões de perfis de usuários do Facebook, de acordo com antigos empregados da Cambridge Analytica e documentos da empresa,

O comitê de ação política de Bolton, conhecido como John Bolton Super PAC, contratou a Cambridge Analytica em agosto de 2014, meses depois que a consultoria de dados políticos foi fundada, e enquanto ela ainda estava recolhendo dados do Facebook.

Nos dois anos seguintes, o comitê de Bolton gastou quase US$ 1,2 (R$ 3,97 milhões) milhão primariamente para "pesquisas e levantamentos", o termo que organizações de campanha empregam para descrever pesquisas de opinião pública, de acordo com documentos de financiamento de campanha.

John Bolton (centro), na entrada da Trump Tower, em Nova York; ele foi escolhido pelo presidente para ser o novo assessor de segurança nacional
John Bolton (centro), na entrada da Trump Tower, em Nova York; ele foi escolhido pelo presidente para ser o novo assessor de segurança nacional - Mike Sega - 2.dez.2016/Reuters

Mas o contrato entre o comitê de ação política e a Cambridge Analytica, do qual o jornal The New York Times obteve uma cópia, oferece mais detalhes sobre exatamente o que Bolton estava comprando. O contrato descreve os serviços a serem prestados pela Cambridge Analytica, em termos amplos, como "microdirecionamento comportamental acompanhado por mensagens psicometrificadas".

Para fazer esse trabalho, a Cambridge Analytica usou dados do Facebook, de acordo com documentos e com dois antigos empregados da companhia, que acompanharam o trabalho.

"Os dados e a modelagem recebidos pelo comitê de Bolton foram derivados dos dados do Facebook", disse Christoper Wylie, especialista em dados que era parte da equipe que fundou a Cambridge Analytica. "Nós certamente os informamos sobre como estávamos trabalhando. Falamos a respeito em conferências telefônicas e reuniões".

A Cambridge Analytica, que se tornou conhecida por seu trabalho para a campanha presidencial de Trump em 2016, está enfrentando uma crise cada vez mais grave desde que o americano The New York Times e o britânico The Observer  reportaram na semana passada que ela havia recolhido dados sobre mais de 50 milhões de perfis de usuários do Facebook, como parte de seu esforço para desenvolver técnicas que previssem o comportamento dos eleitores individuais norte-americanos.

As técnicas da Cambridge Analytica, descritas como "modelagem psicométrica" e baseadas em parte nos dados recolhidos do Facebook, foram a base de seu trabalho para a campanha presidencial de Trump em 2016; o trabalho gerou um debate acalorado sobre a eficiência da tecnologia da empresa, que ainda não foi decidido. As mesmas técnicas foram o foco de seu trabalho para o comitê político de Bolton.

"O comitê de Bolton estava obcecado com a ideia de que os Estados Unidos estavam se tornando um país frouxo, sempre disposto a se curvar, e desejava pesquisas e mensagens quanto a questões de segurança nacional", disse Wylie.

"Isso na prática queria dizer que era preciso instilar uma visão de mundo mais militarista nas pessoas", ele acrescentou. "Pelo menos foi isso que eles disseram querer".

Usando os modelos psicométricos, a Cambridge Analytica ajudou a desenvolver conceitos para propagandas de campanha de candidatos apoiados pelo comitê de Bolton, entre os quais o republicano Thom Tillis, que se elegeu para o Senado pela Carolina do Norte em 2014, de acordo com Wylie e outro ex-funcionário da empresa, que falou sob a condição de que seu nome não fosse mencionado, para evitar envolvimento nas investigações que parecem estar engolfando a Cambridge Analytica.

Uma dessas peças de propaganda, um vídeo postado no YouTube, era dirigida a pessoas que foram consideradas como altamente conscientes nos modelos de personalidade, e que supostamente tinham grande respeito pelo trabalho árduo e pela experiência. A propaganda enfatizava o trabalho de Bolton para o presidente Ronald Reagan, e que Tillis personificava o espírito e o etos político do presidente, morto em 2004.

Além de seu conservadorismo político, Trump, Bolton e a Cambridge Analytica compartilham de um patrono: Robert Mercer, de Long Island, e sua família. Mercer fez fortuna comandando um fundo de hedge de alto rendimento.

A Cambridge Analytica, que surgiu como parte do SCL Group, de Londres, foi fundada em 2014 com um investimento de US$ 15 milhões (R$ 49,6 milhões) de Mercer, cuja filha, Rebekah, é parte do conselho da empresa. Stephen Bannon foi outro dos cofundadores.

Na época, Mercer era um dos principais patrocinadores do comitê político de Bolton, doando US$ 5 milhões (R$ 16,5 milhões) à organização entre abril de 2014 e setembro de 2016, de acordo com documentos apresentados à Comissão Eleitoral Federal norte-americana. Os Mercer também apoiaram Trump na eleição presidencial.

A família Mercer não se pronunciou em público desde que surgiram as reportagens do "New York Times" e do "Observer" sobre o uso indevido de dados do Facebook pela Cambridge Analytica.

As reportagens geraram apelos de legisladores norte-americanos e britânicos por escrutínio renovado do Facebook, e pelo menos dois secretários estaduais de Justiça nos Estados Unidos anunciaram investigações sobre o uso indevido de dados pela Cambridge Analytica.

A empresa também suspendeu seu presidente-executivo, Alexander Nix, depois que um programa de TV exibiu gravações nas quais ele dava a entender que a empresa havia recorrido a seduções e subornos para comprometer políticos e influenciar eleições no exterior.

Tradução de Paulo Migliacci 

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.