Descrição de chapéu BBC News Brasil

Substância neurotóxica usada para envenenar ex-espião é achada em restaurante onde ele almoçou

Serguei Skripal e Yulia, sua filha, foram encontrados inconscientes depois da refeição

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Policial em frente ao restaurante Zizzi, em Salisbury, onde foi encontrada a substância - Peter Nicholls/Reuters
Salisbury (Inglaterra)

Vestígios da substância neurotóxica usada contra o ex-espião russo Serguei Skripal e a filha dele, Yulia, foram encontrados no restaurante Zizzi, em Salisbury, no sudeste da Inglaterra, onde os dois almoçaram no sábado (3) à tarde.

Serguei e Yulia foram encontrados duas horas depois da refeição, inconscientes, num banco em frente ao shopping onde fica o restaurante. Os dois estão em estado grave.

O vestígio da substância foi achado na perícia forense em uma parte do Zizzi e no Mill Pub, bar local que o ex-agente frequentava, segundo apuração da BBC.

Os dois estabelecimentos estão interditados, assim como outras lojas próximas ao local. O produto usado na tentativa de assassinato integra o grupo de "agentes nervosos"— altamente tóxicos, que bloqueiam o sistema nervoso e interrompem as funções vitais do organismo.

Nenhuma outra pessoa que esteve no restaurante no mesmo momento que Skripal apresentou reações. Mas um policial que socorreu o ex-espião está em estado grave no hospital.

O banco onde Skripal e Yulia estavam está sendo examinado detalhadamente, assim como a casa do ex-espião, o pub local que ele frequentava e o cemitério onde a esposa e o filho dele estão enterrados.
Mais de 230 oficiais de contra-terrorismo estão envolvidos na investigação, que já identificou 240 testemunhas e 200 objetos que podem servir como evidências.

Mais cedo, a ministra do interior do Reino Unido, Amber Rudd, elogiou o profissionalismo e a "rapidez" da polícia. Ela disse que o governo está usando "vastos recursos" para tentar identificar os responsáveis pela tentativa de assassinato.

"A investigação visa garantir que as pessoas estejam em segurança e também coletar todas as evidências, para que tenhamos absoluta certeza da autoria", afirmou.

Rudd também afirmou que a polícia está analisando "quantidade relevante" de imagens captadas pelas câmeras de segurança da cidade.

Policial em estado grave

O policial Nick Bailey, que se intoxicou ao prestar socorro a Skripal e Yulia, continua em estado grave, no hospital, mas está consciente e em contato com familiares.

Em nota à imprensa, ele disse que "não se considera um herói" e que estava "simplesmente fazendo o seu trabalho".

Joe Riddle, editor do jornal local de Salisbury, disse que alguns moradores estão assustados, mas que a maioria está "mais interessada em descobrir o que aconteceu" e "frustrada" por não estarem sendo informadas sobre o andamento das apurações.

Ele também disse à BBC que há muitas manifestações de apoio, na cidade, ao policial internado.
Como parte da investigação, 180 militares foram deslocados a Salisbury para remover veículos e objetos que possam estar contaminados. O efetivo inclui membros do Exército e da Marinha, além de oficiais treinados a lidar com armas químicas.

No sábado, policiais fizeram uma perícia no cemitério onde Luidmila Skripal, a esposa do ex-espião, e o filho deles, Alexander Skripal, estão enterrados.

Ex-militar russo e ex-agente de inteligência, Serguei Skripal66, foi condenado em 2006, na Rússia, por repassar à inteligência britânica informações sobre a identidade de espiões que atuavam na Europa.

Em 2010, ele foi liberado e embarcou para a Inglaterra, após um acordo de troca de espiões entre Rússia e Reino Unido. Desde então, Skripal passou a morar em Salisbury. A filha, Yulia, atualmente morava em Moscou e estava visitando o pai.

Skripal já tinha perdido a mulher, diagnosticada com câncer em 2012, e o filho, que teve uma "falência repentina do fígado" no ano passado, quando passava férias com a namorada em São Petersburgo.

A Rússia tem negado envolvimento na tentativa de assassinato. O secretário de Relações Exteriores do Reino Unido, Boris Johnson, disse que o país responderá de forma "robusta" se comprovar que Moscou orquestrou o atentado.

A possível estratégia da Rússia

Se ficar comprovado que a Rússia teve participação na tentativa de assassinato, um dos objetivos do governo Putin terá sido enfraquecer a cooptação de agentes russos pela inteligência britânica, avalia o repórter Gordon Corera da BBC, que escreve sobre segurança.

Segundo Corera, o MI6, departamento britânico que lida com ameaças externas, depende de agentes como Skripal para obter informações sobre operações de espionagem promovidas por outros países no Reino Unido.

A instituição sempre se orgulhou de ser capaz de manter a identidade dos colaboradores em segredo, para protegê-los. O envenenamento de Skripal abala esta imagem.

Se prevalecer a percepção de que o Reino Unido não é capaz de proteger os agentes-duplos, mesmo estando território britânico, será muito mais difícil cooptar outros colaboradores.

Alexander Litvinenko

O episódio ocorrido com Skripal remete a outras misteriosas histórias envolvendo cidadãos russos suspeitos de espionagem em solo internacional.

A mais famosa delas é a do também ex-agente da FSB Alexander Litvinenko, morto em 2006 em solo britânico após ser envenenado com a substância radioativa polônio-210.

Litvinenko, que tinha 43 anos na época, havia fugido para o Reino Unido e se tornado um forte crítico do Kremlin.

Acredita-se que ele tenha sido envenenado enquanto tomava chá com dois ex-agentes russos, em um hotel no centro de Londres. Uma investigação pública realizada no Reino Unido concluiu que ele provavelmente fora assassinado por ordem do próprio presidente russo, Vladimir Putin —algo que o Kremlin sempre negou.

Na época de sua morte, Litvinenko estava investigando o assassinato da jornalista russa Anna Politkovskaya, autora de diversas reportagens que incomodaram o governo russo. Litvinenko também investigava supostos elos da máfia russa na Europa.

A viúva dele, Maria, declarou que o ataque a Skripal revela que o Reino Unido não "aprendeu a lição" com a morte de Litvinenko.

"Infelizmente isso aconteceu de novo. Isso significa que algo deixou de ser feito e que não aprenderam a lição", afirmou.

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