Apuração de corrupção no Peru varia segundo cacife de investigados

Ex-presidente Alan García tem partido forte a escudá-lo, assim como opositora Keiko Fujimori

Homem carrega nas costas cartaz com as cores da bandeira peruana, vermelho e branco, em frente a um bandeirão peruano durante protesto em uma praça de Lima
Homem carrega cartaz com a frase "Cadeia para todos os presidentes e narcopolíticos" em protesto após a renúncia do presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, em Lima - Mariana Bazo - 22.mar.2018/Reuters
Buenos Aires

"O que acontece no Peru que cada presidente, quando termina seu mandato, acaba sendo preso?".

A pergunta do papa Francisco, feita durante recente viagem ao país, causou risos amarelos nos ouvintes e gerou um vídeo que viralizou.

A corrupção no Peru não é novidade —a condenação do ex-presidente Alberto Fujimori, em 2009, foi em parte por causa desse delito (além de crimes contra a humanidade).

Segundo o Ministério Público local, as investigações hoje miram mais de 30 empresas (incluindo a brasileira Odebrecht), suspeitas de oferecer propina a políticos ou de financiar campanhas em troca de vitórias em licitações e recebimento de favores.

"É um sistema que vem atuando há muito tempo, mas as revelações da Lava Jato no Brasil permitiram que a apuração fosse mais rápida", diz o jornalista Gustavo Gorriti.

Por causa de suas reportagens durante o fujimorismo, ele foi sequestrado pelo regime. Desde então, dedica-se a investigar a relação entre empresas e poder na América Latina. "Se o Ministério Público funciona no Peru, em grande parte é porque a imprensa independente tem feito pressão desde aquela época", diz.

O caso Odebrecht deu projeção internacional à corrupção peruana, mesmo que o valor dos subornos da empreiteira brasileira a políticos no país andino seja menor que os distribuídos alhures.

Para quem vê de fora, a sensação é de que a Justiça peruana age de modo rápido, rigoroso e apartidário. Em parte, a afirmação é correta.

Porém, assim como no Brasil e na Argentina, há críticas e evidências de que a atuação do Judiciário sofre pressões políticas e de que certos casos são tratados de modo (e com rapidez) diferente de outros.

ENCRENCADOS

Na lista dos que de fato estão encrencados há ex-presidentes que carecem de partidos fortes na retaguarda ou de apoio popular. Um deles é Alejandro Toledo (2001-06), condenado por receber US$ 20 milhões (R$ 66,4 mi) em suborno na concessão para a construção da Rodovia Interoceânica.

Porém, com dois advogados americanos contratados a peso de ouro e um visto que permite a ele ficar nos EUA enquanto dá aulas em Stanford, Toledo vem se livrando da Justiça. Um pedido de extradição está sendo analisado pela Justiça dos EUA. O político nega as acusações.

O único ex-presidente de fato preso "é o mais frágil e a presa mais fácil", na análise de Gorriti. Trata-se de Ollanta Humala (2011-16), em prisão preventiva desde julho.

Ele é acusado de receber para sua campanha de 2011, via caixa dois, US$ 3 milhões (R$ 9,9 mi). Sua mulher, Nadine Heredia, também está presa. Os advogados do casal dizem que a preventiva de 18 meses é abusiva e midiática.

Já o destino de Pedro Pablo Kuczynski, sem foro privilegiado, apoio popular ou partidário, começou a ser traçado no dia seguinte à aceitação de sua renúncia, em 23 de março. Ele é acusado de receber propina e de ter suas empresas beneficiadas por negócios com a Odebrecht quando era ministro de Toledo.

Uma vez que Kuczynski possui dupla nacionalidade e propriedades nos Estados Unidos, onde está sua família, a Procuradoria peruana confiscou seu passaporte.


Inquéritos empacam na Argentina

Se o Peru adaptou leis para que as "delações premiadas" individuais fossem aceitas como recurso, acelerando o andamento das investigações, isso continua sendo um problema na Argentina, cuja legislação não contempla essa possibilidade.

Ou seja, mesmo que delações feitas no Brasil comprometam políticos argentinos, é necessário que uma ação judicial seja aberta aqui para prosperar. De todo modo, alguns casos têm vindo à tona.

O mais conhecido é o do chefe do serviço de inteligência do presidente Mauricio Macri, Gustavo Arribas. Segundo o delator Leonardo Meirelles, ele teria recebido 14 transferências num valor total de US$ 850 mil (R$ 2,8 mi), quando morava em São Paulo, onde atuava na compra e na venda de jogadores de futebol.

Cercado por repórteres com microfones, Gustavo Arribas sorri ao sair do prédio dos tribunais em Buenos Aires
O chefe de inteligência da Argentina, Gustavo Arribas, sorri ao deixar os tribunais de Buenos Aires após depor sobre caso Odebrecht em janeiro de 2017 - Gustavo Amarelle - 25.jan.2017/Télam/AFP

No ano passado, quando o caso veio à tona, Arribas foi convocado para prestar depoimento e disse que a delação era mentirosa, que ele havia recebido apenas US$ 70 mil (R$ 232,6 mil) pela venda de objetos pessoais.

Macri o defendeu na época e novamente há pouco, quando o assunto voltou à tona. Arribas foi absolvido em 2017.

Segundo a Folha apurou, a Justiça argentina ainda não recebeu a lista dos argentinos envolvidos nos casos de subornos.

A expectativa é de que um dos nomes que constarão da relação seja o de Julio De Vido, ministro do Planejamento de Néstor e Cristina Kirchner (2003-15) e que comandou as licitações de obras públicas.

De Vido está preso, mas por causa de um caso de desvio de dinheiro destinado a um projeto de mineração.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.