Notícias falsas ganham força na disputa presidencial do México

Campanhas trocam acusações de contratação de agitadores online, os chamados trolls

Grupo de voluntários na sede da organização de verificação de fatos Verificado 2018, na Cidade do México
Grupo de voluntários na sede da organização de verificação de fatos Verificado 2018, na Cidade do México - Brett Gundlock - 22.abr.2018/The New York Times
Kirk Semple Marina Franco
Cidade do México | The New York Times

A mensagem que circulou nas redes sociais neste ano dizia que a maioria dos mexicanos teria que se recadastrar em questão de dias se quisesse votar na eleição presidencial. Ela desencadeou um pequeno pânico no Facebook, no Twitter e em outras plataformas.

A questão é que não era verdade.

A fonte da mensagem ainda não é conhecida. Mas, quer tenha sido uma tentativa de má-fé de prejudicar a eleição, quer tenha sido apenas um esforço de serviço público baseado em informação falsa, a raiva e incerteza que gerou representaram uma das primeiras escaramuças na batalha em torno da desinformação na temporada eleitoral fortemente contestada deste ano.

“As ações dos candidatos nas redes sociais serão decisivas”, disse Carlos Merlo, sócio gerente da empresa de marketing Victory Lab, que se dedica a difundir alegações virais, dizendo que os candidatos precisam reagir com rapidez maior que nunca para combater a desinformação.

Há muito em jogo na eleição de 1º de julho: mais de 3.400 cargos eleitos nos governos municipais, estaduais e federal, mais que em qualquer outra eleição na história mexicana. O maior prêmio de todos é a Presidência. Cinco candidatos concorrem pela sucessão do presidente Enrique Peña Nieto por um mandato de seis anos.

As notícias falsas (fake news) vêm circulando ativamente, e as diferentes campanhas trocam acusações de que teriam contratado agitadores online pagos chamados trolls e usado programas automatizados conhecidos como bots para inundar as plataformas de mídia social com mensagens que visam ludibriar e manipular os eleitores.

E, enquanto investigadores nos Estados Unidos continuam tentando averiguar a extensão dos esforços da Rússia de influenciar a eleição presidencial de 2016, a ameaça da interferência russa se estende também para a eleição mexicana.

Em discurso feito em dezembro, o general H.R. McMaster, então assessor de Segurança Nacional dos EUA, disse que havia “sinais iniciais” de que o governo russo estaria procurando influenciar a eleição mexicana. Mas ele não deu maiores detalhes.

Autoridades mexicanas dizem não ter encontrado provas de ingerência russa nem recebido evidências disso de suas contrapartes americanas. As autoridades russas negam qualquer atividade desse tipo.

Enrique Andrade, alto funcionário do Instituto Nacional Eleitoral mexicano, disse que o órgão está de sobreaviso, atento para evitar qualquer interferência do exterior.

“Pensamos que essa possibilidade existe e estamos nos preparando para que isso não afete o processo”, ele comentou.

Alguns analistas especulam que a Rússia ainda pode tentar provocar turbulência na região, intensificando a polarização política no México antes da eleição. E, segundo eles, a Rússia talvez veja Andrés Manuel López Obrador, o primeiro colocado nas sondagens e que adota postura mais antagônica aos Estados Unidos que seus rivais, como veículo útil para fomentar seu objetivo.

O estrategista digital Manuel Cossío Ramos afirma ter encontrado “impressões digitais” russas no tráfego nas redes sociais relativo à eleição, boa parte dele dizendo respeito a López Obrador.

Cossío não está ligado a nenhum dos candidatos presidenciais, mas admite que não é fã de López Obrador.

Usando uma ferramenta analítica chamada NetBase, Cossío disse que encontrou 4,8 milhões de itens relativos a López Obrador postados em redes sociais e sites de jornalismo no último mês por usuários de fora do México. Segundo ele, 63% estão associados a usuários na Rússia e 20% a internautas da Ucrânia.

Buscas semelhantes realizadas com relação a dois outros candidatos principais, Ricardo Anaya e José Antonio Meade, constataram que a maior parte da atividade do exterior estava vindo dos Estados Unidos, com apenas 4% emanando da Rússia, disse Cossío.

Mas outros consultores digitais, usando programas diferentes, não encontraram tais evidências de atividade nas redes sociais ligada às eleições e originária da Rússia, e as constatações de Cossío não puderam ser verificadas por fontes independentes.

Representantes da campanha de López Obrador descartaram as conclusões de Cossío, dizendo que são enviesadas devido às preferências políticas dele.

Enquanto isso, López Obrador respondeu às acusações de vínculos com a Rússia com sátira, postando no Twitter um vídeo que o mostra esperando em um porto de Veracruz por um submarino russo que lhe trará “ouro de Moscou”. Ele se descreveu como “Andrés Manuelovich”.

Os muitos artigos de notícias falsas circulados no México recentemente incluem a alegação de que o papa Francisco teria divulgado sua opinião sobre a corrida presidencial e criticado a ideologia política de López Obrador. Ele não o fez, segundo a organização de verificação de fatos Verificado 2018, criada em março para checar notícias ligadas à eleição.

Outra alegação recente também exposta pela Verificado como sendo falsa era que Anaya teria parentesco com membros da administração Peña Nieto, logo, que seu partido de oposição estaria em conluio com o governo.

Alguns analistas dizem que uma lei aprovada em 2007 para combater a corrupção nas campanhas eleitorais, regulamentando a compra de anúncios, entre outras coisas, teve o efeito de empurrar as ações políticas irregulares para a internet. Na eleição presidencial de 2012, a batalha online foi brutal.

Um desenvolvedor mexicano de programas na Web, Iván Santiesteban, concluiu que cerca de 20 mil bots foram utilizados nos 45 dias que antecederam a eleição de 2012 para gerar conversas online favoráveis a Peña Nieto.

Cerca de mil pessoas trabalharam na campanha de Peña Nieto naquele ano para “combater comentários negativos nas redes sociais e em vez disso posicionar comentários positivos”, disse o diretor de marketing da campanha, Aurelio Nuño.

O público online quase dobrou desde então: hoje há 71,3 milhões de internautas no México, segundo dados do censo mais recente, sendo que em 2012 eram 40,9 milhões. Ao mesmo tempo, as campanhas se tornaram mais hábeis no traçado de estratégias online.

“De agora em diante, a batalha será travada nas redes sociais”, disse Javier Murillo, cofundador e presidente da Metrics, consultoria mexicana de tecnologia digital.

Murillo disse que, usando algoritmos de sua empresa, descobriu que bots e trolls geraram até 27% dos posts no Facebook e Twitter mexicanos durante um período recente de 30 dias.

Consultores digitais que trabalham com as campanhas dos três candidatos presidenciais mais bem posicionados –López Obrador, Anaya e Meade— negaram que as campanhas estariam usando tais métodos ou disseminando notícias falsas.

“As redes sociais hoje constituem uma parte obrigatória de qualquer campanha”, disse o estrategista digital de Anaya, Juan Pablo Adame Alemán. “Mas não enxergamos nenhum benefício em inflar as discussões” com o uso de bots ou trolls.

Com a eleição se aproximando, as autoridades mexicanas, num esforço para evitar que o problema se agrave, selaram acordos com Facebook, Twitter e Google sobre maneiras de combater notícias falsas e difundir informações verídicas. Como parte de seu acordo, o Facebook publicou anúncios em jornais mexicanos orientando as pessoas sobre como detectar notícias falsas.

As autoridades eleitorais estão especialmente preocupadas com boatos que parecem ter como objetivo solapar a integridade do sistema eleitoral.

A mensagem sobre recadastramento dos eleitores foi a que mais as preocupou até agora, disse Andrade, do Instituto Eleitoral Nacional. Mas ele fez uma ressalva: “Estamos apenas no início da campanha”.

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